Basquete
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O longo e difícil caminho da volta

postado em 05/03/2013 09:14 / atualizado em 05/03/2013 09:28

 Ivan Drummond / E. M /D.A Press
Foram 17 anos de espera. Desde 1997, o Ginástico não competia nacionalmente na categoria adulto. Desde então, mantinha um sonho: voltar a disputar a Primeira Divisão, o que é chamado hoje de Novo Basquete Brasil (NBB). Mas a volta não é fácil, e começa com uma viagem de ônibus de 11 horas até Macaé. Da estrada, os jogadores vão direto para o treino. Na noite, o jogo. Vem a manhã do terceiro dia, novamente a estrada, para mais seis horas e meia, rumo ao Rio de Janeiro. A chegada ao ginásio do Tijuca ocorre uma hora antes do início da partida com o Fluminense. Depois do jogo, mais sete horas dentro do ônibus, de volta a BH. São 4h do domingo quando todos desembarcam no CT do clube, no Bairro Buritis. Esse é apenas um pequeno pedaço do longo e duro caminho de volta, pois o time tem de ficar entre os três primeiros colocado na Copa Brasil Sudeste, uma das chaves da Super Copa Brasil, que reúne clubes de todas as regiões brasileiras. Os três primeiros desse grupo se juntam aos dois melhores do Sul, os campeões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os dois finalistas do torneio principal estarão classificados para o Torneio de Acesso ao Novo Basquete Brasil (NBB), quando enfrentarão os dois últimos da edição atual, num quadrangular. Em jogo, duas vagas.

Filme e sono em meio ao aperto

Eram 9h40 de quinta-feira, 28 de fevereiro, quando o ônibus partiu do CT do Ginástico, no Bairro Buritis, rumo a Macaé. Para a maioria dos 12 jogadores, assim como o auxiliar Rapadura, que têm mais de 2m de altura, são momentos de sacrifício, pois conseguir se acomodar, mesmo em duas cadeiras, é difícil.

Quem mais sofre é o pivô Luiz Fernando, o Luizão, de 35 anos, com seus 2,10m. E apesar da dificuldade, está empolgado. “Gostei do projeto. O grupo é bom e entendi o que o clube quer. Estou sentindo prazer em fazer isso, o que não vinha acontecendo nos últimos anos que joguei, pois vi muita coisa errada, que não convém falar.”

Campeão brasileiro de seleções Sub-22, por Minas Gerais, com passagens pela Seleção Brasileira, é o contador de histórias, no início da viagem. Todos querem saber alguma coisa, satisfazer a curiosidade, como por exemplo, por que ele, apesar de ser sempre convocado, nunca disputou os Jogos Pan-Americanos. “Eu estava convocado para Winnipeg’1999 e depois para Santo Domingo’2003. Acabei pedindo dispensa nas duas vezes, pois estava contundido em ambas. Isso é algo que tenho de carregar.”

 Ivan Drummond / E. M /D.A Press
A viagem segue. Começa a chover. Seria assim até Macaé. Um momento tenso. Mas vem a solução para relaxar o grupo. Um dos alas, Toledo, de 27 anos, tira da bolsa uma coleção de DVDs. “Vai ter filme.” Começa uma discussão sobre que tipo de filme. A maioria pede um de ação. Todos parecem se esquecer da estrada molhada.

Todos menos um, o ex-pivô Rapadura, agora auxiliar técnico. Ele está preocupado com a viagem. “O motorista está correndo muito e aqui tem muita curva.” O ônibus se aproxima de Carandaí e ele decide ir para a cabine do motorista. “Vou conversar com ele. Acho bom vigiá-lo. Vou ficar conversando.”

O filme segue, mas nem todo mundo assiste, pois muitos caem no sono, afinal de contas, há 12 dias são dois treinos diários. Estão cansados. A primeira parada acontece quatro horas depois da partida. É hora de almoçar. Todos acesos.

No retorno, o assunto já não é nenhum filme, mas sim o sonho de todos eles, que acaba sendo revelado: classificar o time para a Super Copa Brasil e chegar ao NBB. O pivô Carlão, 23 anos, lembra de conversas no clube, de casos de vitórias e conquistas, contadas por ex-jogadores e sócios. “É importante a gente ter esse tipo de contato. Estou no basquete há muitos anos, e confesso que nunca tive uma recepção como essa, de poder viver o dia a dia do clube. Em outros lugares, a gente não pode sequer frequentar a piscina, isso quando existe uma.”

Outro ala, Feliz, relembra o início da carreira. “Foi com essa camisa. Tinha 11 anos. Mas infelizmente, o time não disputava mais o Brasileiro. Por isso, acabei saindo. Mas estou orgulhoso por voltar e poder ajudar a recolocar o Ginástico numa competição de ponta. É o que vamos tentar.”

SEM DESCANSO Vem a segunda parada. Já está escurecendo. Um lanche. A chegada a Macaé, às 21h. O ônibus vai direto para o Ginásio Juquinha, acanhado local da partida do dia seguinte, para um reconhecimento. Foram 11 horas de estrada e ninguém reclama. A animação é geral. Treinam como se tivessem descansado o dia todo. Depois da prática, jantar e cama. Na manhã seguinte, mais um treino. Aliás, depois desse, os jogadores ficam na entrada do clube, esperando por quase uma hora pela chegada do ônibus, preso numa rua estreita, até que moradores retirassem seus carros para que pudesse manobrar.

Saldo negativo, mas sonho mantido

Chega a hora de ir para o jogo. Na chegada ao Ginásio Juquinha, em Macaé, a primeira grande decepção. A quadra está escorregadia, consequência da forte chuva que cai na cidade, e tem várias goteiras. O capitão do time, o armador Bernardo, conversa com um árbitro, minutos depois do início da partida, pedindo que o jogo fosse interrompido, mas este se limita a dizer que a decisão é do delegado do confronto, e logo vem a ordem: “Vai continuar”.

O Ginástico, apesar das condições do piso, até que vai bem. O primeiro quarto termina empatado em 22 pontos e o primeiro tempo, também em igualdade: 41 pontos. No terceiro período, o time mineiro consegue uma vantagem, mas no fim dessa etapa, é ultrapassado.

A pior notícia não é a derrota, mas as contusões, todas por escorregões dos jogadores. Luiz Fernando tem um pequeno estiramento e está fora. Bernardo, Feliz, Islan, continuam jogando. De BH, uma série de telefonemas, de ex-jogadores, para o diretor Ricardo Zhouri, o Ricardão. Quem saber, a todo instante, como está o jogo, que não passa na TV. O dirigente está atarefado. Quer encontrar uma solução para acabar com os escorregões. Apela para o refrigerante, que joga num pedaço de tapete, e manda os jogadores esfregaram os solados de seus tênis. Eles delizam menos a partir da iniciativa. Mas a diferença é grande a favor dos fluminenses. Não dá tempo de descontar. A volta foi com derrota, 85 a 73.

Do ginásio para o hotel, e às 8h30 da manhã seguinte, o embarque para o Rio, depois do café da manhã. O cansaço é grande. Dá para ver em cada rosto. A solução encontrada por muitos, é deitar de um lado a outro no ônibus, ocupando quatro poltronas.

Mas o sono de descanso tem de ser interrompido, pelo técnico Jefferson, que precisa passar instruções, dizer o que pretende adotar taticamente para tentar vencer. Chama um a um os jogadores. Depois, em grupos, por posições. “É a única maneira. Se o jogo fosse amanhã de manhã, daria para fazer em quadra, hoje à noite, num treino. Mas não há tempo. Tem de ser assim e torcer para que todos tenham entendido, para executarem a nossa proposta”, diz o treinador.

No meio do caminho, a parada para o almoço. Meia hora apenas. A chegada ao Ginásio do Tijuca se dá às 14h45. O jogo contra o Fluminensse, que na véspera havia vencido o Minas, é dentro de uma hora e 15 minutos. Só dá tempo para se trocar. O alongamento, o tratamento fisioterápico, é feito, como em Macaé, à beira da quadra. De uniforme trocado, alguns terminam de se aprontar no banco, onde calçam meia e tênis. “O vestiário é pequeno”, reclamam os jogadores. “Não cabe todo mundo.”

O jogo começa. O time mineiro vence o primeiro tempo: 31 a 30. Joga bem. A esperança na vitória cresce. Mas vem o segundo tempo e o desgaste pela longa viagem é notório. O time não consegue mais marcar como antes e nem tem forças para contra-atacar. No terceiro quarto, faz apenas seis pontos. Vem a segunda derrota, 72 a 56.

SILÊNCIO O abatimento é grande. Ninguém sorri. Todos estão cabisbaixos. Não existem brincadeiras nem mesmo na pizza, ainda no Rio. A volta é em silêncio. Ao filme, desta vez, todo mundo assiste. Ninguém consegue dormir. Existe tensão no ar. Pouco antes de chegar a BH, a reação. Os jogadores começam a conversar e comentar lances e cada um diz o que acha que devia fazer e o que pode ser feito nos próximos jogos.

O desembarque é às 4h de domingo e no ar existe ânimo para mudar a situação. O sonho ainda existe. “Isso depende da gente. Nós temos de jogar e ganhar”, é o que diz o ala Toledo, um dos destaques, apesar das duas derrotas. Sábado, às 15h, o Ginástico enfrentará o XV de Piracicaba-RJ, no Ginásio a AVB, no Bairro Estoril.

MEMÓRIA
História de quase sete décadas
Seis times na disputa, sendo dois mineiros: Ginástico e Minas. Os outros são Fluminense, Macaé, Rio Claro e XV de Piracicaba-SP. Os três melhores avançam à fase final. O Ginástico joga não só o sonho de seus jogadores, dirigentes e membros da comissão técnica, mas de aficionados pelo esporte, num clube que nasceu em 1946, por causa do basquete, uma divisão do time do América naquele ano, quando um grupo resolveu fundar a nova agremiação. A reunião de fundação aconteceu num bar próximo à Praça da Liberdade. O nome foi dado por aquele que seria seu primeiro técnico, João Etienne Filho, ligado ao esporte e ao teatro. Ele tinha camisas que ganhou do Grajaú, do Rio de Janeiro, com um G no peito e sugeriu o nome Ginástico, para aproveitá-las. Assim nasceu o clube, que teve a primeira quadra, de terra, na Rua Ceará, também Funcionários, mudando-se depois para o Colégio Estadual no Barro Preto, até que conseguiu a doação de um terreno, no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Contorno, no Bairro Cruzeiro. O primeiro título de vulto, o Mineiro, veio já em 1947. De lá para cá, 13 títulos estaduais, 18 metropolitanos, um título nacional, da Copa Brasil Centro-Oeste, um vice-campeonato brasileiro (1981), além de duas vagas na semifinal da Taça Brasil. Isso somente no adulto, sem contar os da base, que incluem o título brasileiro petiz, em 1986. Além disso, o clube é um dos fundadores da Federação Mineiran e da Confederação Brasileira, participando de todas as edições da Taça Brasil, criada em 1965, e do Campeonato Nacional, de 1986 a 1997.