Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Que Autuori queime a nossa língua

"É esse Autuori vestir a camisa do Galo e pronto - já vou considerá-lo, além de sósia do Francisco Cuoco, melhor que o Bielsa, que eu queria tanto"

postado em 21/12/2013 12:00

Fred Melo Paiva /Estado de Minas

Marrakesh - O futebol é uma estranha ciência, se é que se pode chamar de ciência alguma coisa que sobrepõe à razão todo tipo de crendice e psicologia de botequim. Reside aí uma parte de seu encanto – mas não duvido de que muito do seu desencanto, digo, da profunda tristeza que é capaz de suscitar, encontre morada também nesse fascínio pelo irracional.

Em qualquer outro ramo de atividade, da cafetinagem ao comando de uma multinacional, Luiz Felipe Scolari jamais seria alçado a posição mais relevante do que tinha antes, pelo motivo óbvio de ter acabado de levar à bancarrota um projeto com mares de dinheiro. Mas no futebol isso é possível – pelo menos no pobre futebol brasileiro (pobre de espírito, porque dinheiro sai pelo ladrão), em que a meritocracia ao contrário é mato.

Nesse mesmo escaninho encontra-se Paulo Autuori, um profissional sem qualquer trabalho relevante há oito anos, muito pelo contrário. Passássemos um tempo desse eu e você obrando atrás de nossas moitas profissionais, estaríamos hoje na rua da amargura. Mas Autuori não: foi premiado com o comando do time campeão da América, um dos melhores elencos do Brasil, o melhor centro de treinamento, a melhor torcida do mundo.

Há razões que a razão desconhece, e no futebol, então, há razões demais que a razão, o jornalismo e tudo o mais desconhecem. Ainda assim, é de se lamentar que o Atlético tenha aberto mão do momento histórico de adotar o modelo Barcelona de renovação de seus técnicos. Para o time catalão, a meritocracia deve ser respeitada sempre, na mesma medida em que se leva em conta o estilo de jogo que sua história e seus torcedores prezam.

Aplica-se isso ao Galo, e seu técnico teria de merecer o cargo, além de jogar com raça e pra frente, de torcer como o atleticano torce, acreditando sempre (Cuca também foi rejeitado ao chegar, mas cumpria todos esses requisitos). O Atlético é o time de Dadá, de Reinaldo e Éder, de Ronaldinho, Tardelli, Jô e Bernard. O Galo, meus amigos, foi a base da Seleção de 1982, aquela que ensinou tudo ao Guardiola e ao próprio Barcelona. Por que menosprezar nossa história contratando um técnico que não tem nada a ver com ela?

Respiro fundo e me conformo. Porque confio no Kalil e em sua diretoria, mas sobretudo porque desconfio dos técnicos brasileiros. São em sua maioria animadores de vestiário com alguma eloquência no microfone. Aliás, muitos deles nem essa eloquência têm – Tite, Mano e Dorival são da categoria Rolando Lero; Luxemburgo e Muricy seriam gongados na entrevista do RH de qualquer firma de segunda categoria.

Então, vamo em frente, né? Quem não tem Cuca caça com Autuori. E mesmo o Cuca, que baile não levou desse Raja, hein? Caraca, nem revoltado consegui ficar, de tão merecido que foi. Tem uma coisa também: quando o Ronaldinho chegou, eu disse que a gente tinha contratado o Elvis na sua versão Las Vegas. Duas colunas depois, já havia declarado meu amor por R49. É esse Autuori vestir a camisa do Galo e pronto – já vou considerá-lo, além de sósia do Francisco Cuoco, melhor que o Bielsa, que eu queria tanto.

Agora vou nessa, de camisa do Galo, me juntar à torcida do Raja. Aqui em Marrakesh eles estavam proibidos de frequentar a Fan Zone, espaço reservado a “todas” as torcidas do Mundial. São pobres e apaixonados. Ao ganhar do Galo, instituíram, na bola, a inclusão dos excluídos. Quebraram a banca da Fifa. Gostei desse pessoal.

Feliz 2014! Feliz Autuori! Que venha o tri do Mineiro e o bi da Libertas! Que a CBF perca a Copa e o Fluminense jogue a Segundona uma vez na vida! Que o cruzeirense siga logrando sucesso em um jogo a cada cinco que nos seca! Obrigado, Cuca: você será Galo sempre!