Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Vai começar tudo de novo

"Minha tristeza, na van de desconhecidos que me levava de volta para o hotel, era a tristeza de quem não consegue estar triste no velório do parente"

postado em 22/02/2014 12:00

Fred Melo Paiva /Estado de Minas

Já começou, eu sei. Mas hoje, fuçando a internet, me peguei chorando outra vez – o inferno alvinegro, os dependentes do Galo nas arquibancadas do Independência, a Canhota de Deus. O que mais se pode desejar nesta vida do que celebrar o Atlético campeão da América?

Desde 25 de julho de 2013, data que agora eu tenho tatuada no meu braço direito, eu me faço esta pergunta: o que mais? Eu não sei. Me acomete desde então um sentimento de vazio, como se a peleja pelo título impossível – aquele que nunca vinha, tripudiado por Deus e pelos homens – fosse no fundo o sentido de tudo.

Durante sete meses eu duvidei do meu amor pelo Atlético. Vi se arrastar um modorrento Brasileirão e pela primeira vez na vida não desejei ganhá-lo – logo ele, o Campeonato Brasileiro, meu sonho de criança, adolescente, adulto, velho. Fui até o Marrocos fingindo um fanatismo que não mais me pertencia e nem fazia sentido. Vi o Galo ser derrotado e, pela segunda vez na vida, aquilo não me tocou. Minha tristeza, na van de desconhecidos que me levava de volta para o hotel, era a tristeza de quem não consegue estar triste no velório do parente. O que teria acontecido? Onde estaria aquele sentimento que definiu o meu lugar no mundo e o meu caráter?

Juntei-me à torcida do Raja, buscando talvez esse sentimento que havia se perdido em algum lugar naquele mês de julho, mágico e inesquecível. Me apeguei àqueles marroquinos pobres, penetras na festa da Fifa, do capitalismo e da vida. Tinha alguma coisa de atleticano naquelas pessoas. Alguma coisa que me remetia à frase que Oscar Niemeyer escreveu a caneta na parede do seu escritório e nunca deixou apagar: “Fodido não tem vez”.

Ao meu lado na arquibancada, no dia da grande final, troquei meu cachecol do Galo por um do Raja. O árabe ao meu lado pediu que eu desenhasse em sua bandeira verde um escudo do Atlético. Criou-se uma emocionante irmandade entre nós, as vítimas, e eles, nossos algozes. Dois fodidos que ali se abraçavam, num cântico que eu jamais vou esquecer: “Raja! Mineiro! Raja! Mineiro!”. O futebol é o esperanto do mundo.

Eles torceram por nós como nunca antes; nós torcemos por eles até acabar a voz. Quando um atleticano na minha frente trocou sua camisa com um marroquino e eu vi os dois se emocionarem, então chorei igual menino, abraçado ao sujeito que usava meu velho cachecol. Chorava o meu Galo que, tendo finalmente ganhado, tirara férias do meu coração. Férias não – um longo e tenebroso período sabático, que eu não sabia se teria fim.

Mas eis que numa manhã displicente, fuçando o Atleticano, blog do Fael Lima, encontro por lá um vídeo chamado “Chegou a hora – América alvinegra”. Aperto o play com a displicência do atleticano desenganado. Volto ao julho de 2013, o julho das nossas vidas. Fazia tempo que não via aquelas imagens, muitas delas jamais tinha visto. Ao final, surge o Júnior César, como se falasse pra cada um de nós: “Confia, que a história não vai terminar assim”. Sou arrebatado pelo velho sentimento, revestido de novo pela casca grossa do atleticano que julguei caído no Horto – morto. Obrigado, Fael. Como disse o Gabriel Castro, nos comentários do seu post: a Libertadores, pra mim, começou agora. Por título nenhum neste mundo, meu Galo, não me abandone nunca mais.

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