Fred Melo Paiva
None

Aqui (em Caraíva) é Galo!

"Em coisa de dois meses, metade do estabelecimento fora tomado pela torcida do Galo 2013 ficamos nós com o latifúndio e os outros com a parte que lhes cabia, a cada rodada um pouquinho menor"

postado em 08/03/2014 12:00

Fred Melo Paiva /Estado de Minas

Encontro-me neste momento no melhor bar do mundo. Não é mera chutação: meu sogro, um inglês viajante e, portanto, especialista, foi quem conferiu o título ao Boteco do Pará – em Caraíva, na Bahia. Aqui se bebe a melhor caipivodca do mundo, come-se a melhor moqueca do mundo e passam-se as melhores tardes da vida. No segundo andar da simpática e histórica casinha, de frente para o rio, tremula uma bandeira do Atlético, já desgastada pelo sol e por sua luta contra o vento. Se um dia me atacar uma cirrose, aqui me largarei, entre pastéis de arraia e caipirinhas de mangaba – de costas para o rio e de frente para a bandeira do Galo mais lindo do mundo.

Disposto a tirar uma merecida semaninha de descanso, calculei uns dias sem internet, sem celular, sem os problemas do trabalho. E também sem o Atlético, que consome minha mente e embrulha minhas vísceras com suas viradas fenomenais. Mas eis que chego a esse pedaço do paraíso e me descubro num grande consulado atleticano. Verdade verdadeira: ainda apuro por que cargas d’água esse pequeno distrito de Porto Seguro, vizinho de Trancoso por um lado e de uma aldeia pataxó por outro, é casa de tantos atleticanos.

Anos atrás bati bola na praia com um indiozinho que caminhava da aldeia até a barra do Rio Caraíva para vender colares feitos de sementes e cipós da região. Ao fim da nossa embaixadinha, perguntei para que time torcia aquele pequeno silvícola. Ele: “Atlético Mineiro”. Para o resto dos meus dias eu o adotei como se fosse o Sting naquela época em que levava o Raoni a tiracolo. Comprei colares para cinco gerações futuras.

De lá pra cá, não sei o que se passou em Caraíva, que todos os seus visitantes e 99% de sua população torcem para o Atlético, segundo minhas próprias e inquestionáveis pesquisas. Tem-se notícia da cidade inteira concentrada diante da TV de um bar na final da Libertadores de 2013. Não era o Boteco do Pará porque a Cláudia – a atleticana casada com o Pará, este um botafoguense que também torce por nós – é daquelas que prefere o recolhimento em hora tão grave. Terminou trancada no banheiro escuro quando o Baggio paraguaio nos deu o título impossível.

Há dois dias caminhava pela praia a exceção a confirmar a regra: um cruzeirense. O cruzeirense pra mim constitui um mistério: na minha infância, na Serra, era mais fácil ver um OVNI do que um cruzeirense. Atravessei a adolescência e o começo da vida adulta sem jamais ter conhecido um por aquelas plagas. Fui morar em São Paulo e por lá atleticanos brotam do asfalto, enquanto os cruzeirenses submergem no anonimato.

Tanto isso é verdade que avacalhamos um empreendimento de Pelé e Luciano do Valle, que abriram na capital paulista um enorme bar destinado a todas as torcidas, com transmissões de jogos dos grandes clubes do Brasil. Em coisa de dois meses, metade do estabelecimento fora tomado pela torcida do Galo – ficamos nós com o latifúndio e os outros com a parte que lhes cabia, a cada rodada um pouquinho menor. Acabou fechando as portas.

Mas, como eu ia dizendo, apareceu por aqui, nessa Caraíva ostensivamente alvinegra, um indiozinho vendedor de colares vestido de Cruzeiro. Expliquei a ele o equívoco que estava cometendo do ponto de vista do marketing pessoal e do visual merchandising. Ofereci 20 pilas na camisa e prometi o manto que o fará vender desde colares até lotes na lua. Fiz o que nenhum jesuíta conseguiu fazer: mantive um índio desnudo sem deixar de catequizá-lo. E ainda ganhei um capacho. Êh, Galo...