Não peço nada, só agradeço
"Não tem no mundo manifestação religiosa mais contagiante do que a recepção dos atleticanos ao ônibus do Galo. Coitado do Círio de Nazaré perto da gente. Coitados dos peregrinos que vão a Meca"
postado em 15/03/2014 12:00
Torci para que São Victor não pegasse aquele pênalti, inventado, contra o Nacional do Paraguai (o verdadeiro é o de Uberaba). O fato é que tem de ir com parcimônia: não se gastam desse jeito créditos de santo nenhum. Você que é devoto de outras entidades sabe disso – se for pidão demais, a graça não vem.
Pelos meus vagos, vaguíssimos conhecimentos da teologia, funciona assim: o santo vai lá, protocola com Deus um conjunto de pedidos e fica aguardando. Deus, que é um só, leva tempo pra desbastar a pilha de papéis. E, exatamente por esse acúmulo, despacha rapidamente, acolhendo a esmo as reivindicações dos representantes de sua franquia na Terra.
Decorreria disso, segundo meus estudos, o risco de se pedir um milagre na fase de grupos – chega na semifinal e Deus, envolvido que está com guerras, desastres e pandemias, simplesmente embola o papel e joga na lixeira, sem se dar conta do peso das coisas.
Fora o bode que o sósia de Karl Marx tem da gente desde que o Telê prometeu caminhar até Congonhas em 1971 e pegou um táxi. Depois disso, por mais de 40 anos, Deus fez com o Galo aquilo que o jornalista Humberto Werneck costumava sugerir aos assessores de imprensa que lhe telefonavam na redação da Playboy. “Eu represento esta e aquela marca, como posso ajudá-lo em seu trabalho?”. O Werneck: “Faça o seguinte, mande o release já embolado.”
Por 42 anos, Deus embolou qualquer protocolo com as insígnias CAM, até que em 2013 foi vencido por uma avalanche de papéis. Eu mesmo, embora ateu, recorri à intermediação de Santa Rita, da qual minha mãe é devota, e também a São Jorge, numa gravação do Infiltrado sobre magia popular. Vai que, né?
Através do Cuca, até Nossa Senhora entrou na jogada. Ainda bem que não fomos punidos pela revoada de terços em direção ao campo. “Eu acredito! Eu acredito!”. Ou Deus resolvia logo a questão dando um ok ou o travamento de sua pauta acabaria por permitir o derretimento de calotas polares, o lançamento da bomba atômica sobre a Coreia do Sul ou o incêndio do Congresso Nacional nas manifestações – que, não por acaso, aconteciam simultaneamente.
Pra liberar a pauta, Deus canonizou São Victor e conferiu à sua perna esquerda poderes de Jedi. Mas convém não abusar dos milagres, e isso tem acontecido desde a virada contra o América, expediente que se repetiu uma semana depois diante do Santa Fé. E, de novo, com aquele gol no fim contra o Guarani. Se o Victor pegasse o pênalti no Paraguai, eu ia mandar voltar – quando o milagre é demais, o santo desconfia. E é melhor que São Victor siga confiante.
Sem desprezar o Boa (nosso jogo de amanhã), quarta-feira tem mais! O Nacional visitará o Horto, a terra sagrada da atleticanidade. Se eu fosse eles, chegava mais cedo e descia infiltrado até o Chef Túlio, pra ver as ruas de fogo. Não tem no mundo manifestação religiosa mais contagiante do que a recepção dos atleticanos ao ônibus do Galo. Coitado do Círio de Nazaré perto da gente. Coitados dos peregrinos que vão a Meca. Pra quem nunca viu, é tipo Moisés: aquele ônibus abrindo o mar vermelho.
Não peço nada – apenas agradeço a sorte de ser atleticano.