Fred Melo Paiva
None

DA ARQUIBANCADA

Obrigado, meu Deus, pela sorte de ser Galo

"Quem não se lembra de Dinho, lamentável lateral-direito que acertou aquele chute do meio da rua? O atleticano em viés de baixa é o mais perigoso dos inimigos"

postado em 10/05/2014 08:40

Fred Melo Paiva /Estado de Minas

E vamo nóis de novo para mais um clássico em que absolutamente nada nos favorece, nem o Horto nem o Cruzeiro com seu time reserva. A hora é grave – mas é assim mesmo que a gente gosta. Quem não se lembra de Dinho, lamentável lateral-direito que acertou aquele chute do meio da rua? O atleticano em viés de baixa é o mais perigoso dos inimigos.

Por seu lado, o Cruzeiro fará de tudo pra ganhar do Atlético – vai comer grama, vai transformar-se em 22. O cruzeirense arrota seus títulos, mas, se pudesse, trocava a sala de troféus inteira pela liderança no ranking de vitórias no clássico (infelizmente, terá de esperar mais uns dois séculos). Pergunte a um cruzeirense e verá: ele prefere ganhar umazinha que seja no Horto do que bater o San Lorenzo e classificar-se na Libertadores. O cruzeirense sofre de TOC, o Transtorno Obsessivo Compulsivo – e sua neura maior é o Atlético.

Outro dia, sentados num bar bebendo a eliminação na Libertadores, o amigo Frederico Bolivar me explicou o drama do cruzeirense. Em nossa infância e juventude – minha, do Bolivar e de todos os atleticanos que estão hoje na casa dos 40 –, o torcedor do Cruzeiro era uma acachapante minoria nas escolas, quando não um mistério tão raro como alienígenas na Terra. As crianças, todos sabem, são cruéis. E foi assim que um intenso processo de bullying vitimou, além de feios e gordinhos de times diversos, a primeira e a segunda infância do cruzeirense.

A psicologia tem uma frase emblemática: não importa o que fizeram com você, importa o que você vai fazer com o que fizeram com você. Na definição de mestre Bolivar, desde já inscrita nos anais da Academia Atleticana de Letras, “o cruzeirense é o filho do bullying”. Decorre disso sua esquizofrênica reação: ao mesmo tempo que a existência depende do triunfo sobre o algoz, verifica-se também a chamada Síndrome de Estocolmo – quando a vítima, por processos complexos de trauma, acaba por se aliar ao inimigo.

Não é por outro motivo que o cruzeirense deseja tanto gritar Galo. E se já o fazia secretamente, agora saiu do armário. Há coisa de dois ou três meses, leitores de vários pontos da cidade me escrevem relatando o inimaginável: um irônico grito de “Gaaaaaaaalo!!!” pode agora ser ouvido quando o Atlético toma um gol. Freud explica. E Fred, o Bolivar, também.

O cruzeirense trocaria a taça da Libertadores pelo caneco Sub-17, conquistado com a Massa de verdade, o preto e o pobre, no Independência lotado. O cruzeirense trocaria a vitória sobre o San Lorenzo por ver Dagoberto convocado para a Copa do Mundo no lugar do Jô, aquele do bigode no lugar do Bernard, o Dedé ao invés do Otamendi, ou o Fábio na posição do Victor. E vamos convir que pelo menos o Mãos de Alface fez por merecer a convocação – Fábio de costas é melhor do que o Júlio César de frente.

O atleticano aborrecido com a desclassificação do Galo, desconfiado de Tardelli e R10, tem de levantar as mãos pro céu e agradecer: “Obrigado, meu Deus, por eu ser atleticano. Obrigado por livrar-me do bullying, do TOC e da Síndrome de Estocolmo”. Se o time vai mal, meu amigo, vá ao Horto amanhã celebrar a sorte de ser Galo. E, como na música do Cólera, punk rock fundamental, “solte seus punhos, solte sua voz, rasgando no ar, rasgando no ar”.

Tags: coluna atlético atleticomg Obrigado, meu Deus, pela sorte de ser Galo Fred Melo Paiva