Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Mais uma dose? É claro que eu tô a fim

"Sem televisão não havia Galo, e embora a crise de abstinência fosse contida com doses de Mário Caixa, eu precisava ver o Atlético ou minhas pupilas se derreteriam"

postado em 11/11/2017 12:00

Juarez Rodrigues/EM/DA Press
Ver o Galo tornou-se um exercício de autoflagelo. Mas como o Atlético é a nossa cachaça, nosso crack e nossa heroína, é impossível evitá-lo. Não é à toa que o seu plano de sócio-sofredor chama-se Galo na Veia, podendo no futuro abarcar outras categorias – como o Galo no Nariz, destinado à classe média alta, e o Galo no Cachimbo, de viés abaixo da linha da pobreza. Só falta ao GNV um convênio com o Dr. Scholl, pra possibilitar a retirada do calo no olho adquirido durante os jogos.

Há 21 anos vivendo em São Paulo, troquei o Tucanistão por Caraíva, decidido a me distanciar de Temer, Alckmin e Dória. Se o Fora Temer não logrou sucesso, então Fora Fred, pensei comigo. Como em Caraíva não tinha televisão (não tinha nem luz até outro dia), não havia chance de que rissem da minha cara na Globonews ou no Jornal Nacional. Caraíva era o paraíso desprovido de Merval Pereira, o Brasil onde nenhuma Míriam Leitão se criava. Aqui é terra indígena, casa dos bravos pataxós – e Willian Waack é coisa de branco.

Meus planos duraram duas rodadas do Brasileirão. Sem televisão não havia Galo, e embora a crise de abstinência fosse contida com doses de Mário Caixa, eu precisava ver o Atlético ou minhas pupilas se derreteriam. Arrumei um aparelho de TV, importei um instalador de antena, paguei o olho da cara incluindo pupila, íris e a córnea. Nunca mais falarei mal da Sky – Lucy in the Sky with diamonds! O rapaz do telemarketing queria saber qual o pacote: “Pode trazer o Temer, o Willian Waack, o Kevin Spacey, o Luciano Huck salvador da pátria, o Aécio na TV Senado. Mas, pelo amor de Deus, me devolva o Atlético imediatamente”.

Desde então, tenho me perguntado se o Atlético que chega pra mim aqui no universo paralelo não é um Atlético do Paraguai, falsificado, prensado e misturado com outras drogas sobre as quais nós, usuários, não fazemos ideia do que são. Esse Atlético batizado, cannabis oreganus da pior qualidade, não seria, talvez, um outro alvinegro disfarçado de Galo? O Ceará? O São Cristóvão? O Corinthians do Piauí? Ou, quem sabe, o primeiro tempo do jogo de quinta-feira não fosse um VT do time de 1993? Ligo para o telemarketing: “NÃO ME VENHAM COM DEMOCRATA DE GOVERNADOR VALADARES, COM ARAXÁ ESPORTE. VOCÊS NÃO ME ENGANAM! EU EXIJO O VERDADEIRO ATLÉTICO MINEIRO! E NÃO ADIANTA AFASTAR O WILLIAN WAACK SÓ PRA ME AGRADAR”.

Por fim, minha denúncia à Anatel parece ter surtido efeito. E no segundo tempo não havia dúvida de que aquele era Atlético do bom, puro, sem misturas, cachaça de Salinas envelhecida em tonéis da idade do Leonardo Silva.

Prova cabal de sua autenticidade é a presença de Luan. O Galo não é Galo sem o Luan. Luan é Said, Jairo, Mário de Castro, Guará, Ubaldo, Dadá, Cincunegui, Luizinho, Reinaldo, Cerezo, Éder, Marques, Tardelli, Ronaldinho Gaúcho. Se faltar cartilagem, botem o Luan de muleta. Se o Luan cair, tombem o Luan como patrimônio histórico da humanidade em preto e branco. Botem o Luan no lugar do Waack. Fora Temer, Luan para presidente!

Mais uma dose? É claro que eu tô a fim, meu querido Frejat, a noite nunca tem fim. Por que a gente é assim?

A gente é assim porque a gente é igual ao Luan – menino maluquinho que nada, eis o maluco beleza que passou todos os perrengues da vida, cresceu, foi, viu e venceu, como disse Júlio César (o outro, não aquele mão de alface que entregou as sete rapaduras em pleno Mineirão). O maluco beleza que nunca desistiu quis jogar no Galo e jogou, quis o empate com o Tijuana na casa dos caras e empatou aos 45 do segundo tempo – depois chorou como todos nós. O maluco beleza que acreditou e fez o 4 a 1 no Flamengaço classificadaço, levantou a taça e agora vai com o Galo até o final, à la Ronaldinho – os dois no panteão dos imortais, o Luan um degrau acima.

Obrigado, Luan, por aquele fogo na frente do Dragão, aquela cabeçada de headbanger. Obrigado por mais essa dose de Galo na veia. Não é viagem: a depender de você, a Libertadores virá. Aos 45 do segundo tempo, pra ficar com certeza, maluco beleza. Valeu, bicho, você é o Galo. Valeu, Galo, você é o bicho.