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TIRO LIVRE

Muito mais que futebol

Cogitar a possibilidade de disputa do confronto entre Atlético e Chapecoense, daqui a nove dias, pela última rodada do Brasileiro, soa surreal

postado em 02/12/2016 12:00 / atualizado em 02/12/2016 17:07

AFP
A cada imagem, a cada relato, a cada nova informação sobre o acidente aéreo na Colômbia, o coração sofre um aperto a mais. Impossível ficar indiferente aos fatos desde que a aeronave que levava a delegação da Chapecoense no voo mais importante de sua história caiu, por mais que, por dever de ofício, um jornalista muitas vezes precise se desprender das emoções para mergulhar na notícia. Crianças indo às lágrimas na Arena Condá. Colombianos chorando a nossa dor como se fosse a deles – e que naquela cerimônia emocionante no Atanasio Girardot nos provaram que também é. Caixões enfileirados em Medellín à espera dos mortos. Parentes das vítimas falando sobre os sonhos interrompidos. Socorristas descrevendo a angústia do resgaste dos sobreviventes. A comoção de jogadores mundo afora. Durante todo o dia, jornais, TV e internet nos inundam de cenas e declarações chocantes, que nos mostram quão breve pode ser a vida e quão pequeno é um jogo de futebol diante do tamanho do drama vivido desde que aquele avião da LaMia sumiu do radar, na madrugada de terça-feira.

Nesse cenário, cogitar a possibilidade de disputa da partida entre Atlético e Chapecoense, daqui a nove dias, pela última rodada do Campeonato Brasileiro, soa surreal. Difícil imaginar o jogo como uma homenagem (?) às vítimas, como defendem alguns. Como um recomeço para a cidade de Chapecó, que ainda nem velou seus mortos e está longe de curar as feridas deixadas na alma de cada um de seus 210 mil moradores. Se não imaginava ver seu modesto time chegar tão longe, o que dirá de vislumbrar o fim do caminho de forma tão trágica, tão perto da glória?

Neste momento, pensar numa partida apenas para cumprir tabela, por dever protocolar, beira à insensibilidade. À falta de humanidade. À total ausência de generosidade pelo martírio do próximo, pelo pesar de cada um que, ainda que à distância, sofre pela perda daquelas vidas, pelo suplício de quem ainda luta pela vida. Tudo isso é muito maior do que qualquer decisão puramente institucional. Do que qualquer definição oficial decretada tão somente por regulamentos, que não se baseiam em qualquer sentido de compaixão.

A grande lição que os colombianos nos deram nessa história toda talvez seja a forma solidária com que estão lidando com a tragédia em seu solo. É comovente ver os olhares aflitos, a expressão de completa desolação deles. A piedade e a ternura com que cuidaram de cada detalhe da cerimônia em memória das vítimas, em pouco mais de 24 horas. Que aprendamos com eles. Que possamos compreender o impacto desse desastre e dar a ele a dimensão que merece.

O Atlético determinou que não entrará em campo, aceitando até a derrota por W.O. Decisão louvável. A Chapecoense seguiu o caminho, naturalmente. A CBF diz que precisa manter os procedimentos oficiais (mandar árbitro a campo, fazer boletim de ocorrência registrando a ausência das equipes, etc.), pois não há, no Regulamento Geral de Competições, um artigo referente a cancelamento de jogos.

Já que perguntar não ofende... Não seria o caso de a entidade, em caráter extraordinário, determinar uma exceção – com a concordância irrestrita dos clubes que disputam a Série A, para se assegurar juridicamente –, cancelando este Chapecoense x Atlético? Ou, caso não tenha autonomia legal para isso, recorrer à Fifa para que tal decisão seja tomada? Afinal, não são elas (CBF e Fifa) que mandam e desmandam no futebol? Tantas canetadas já foram utilizadas em nome de causas nada nobres... Chegou a hora de as duas entidades, sufocadas por um mar de lama, tomarem uma decisão sensata, que alie emoção e razão. E não é só o esporte que vai agradecer, pois tudo isso que estamos vivendo vai muito, mas muito além do futebol.

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