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COLUNA TIRO LIVRE

Ousadia e alegria

Antes de Tite assumir, o Brasil tinha nomes em campo, mas não tinha uma equipe. Não havia coesão

postado em 24/03/2017 12:00 / atualizado em 24/03/2017 09:48

AFP

Não se pode dizer que o volante Paulinho seja unanimidade na Seleção. Ou, pelo menos, não era. Um dos raros sobreviventes da traumática goleada por 7 a 1 para a Alemanha, no Mineirão, pela semifinal da Copa do Mundo de 2014, ele voltou ao time brasileiro pelas mãos de Tite, que sempre apostou tanto no taco do jogador que até ignorou os muitos questionamentos por convocar um atleta que atua no fraco futebol chinês. Ontem, Paulinho retribuiu toda essa confiança com uma atuação de gala e nada menos do que três gols sobre o Uruguai no Centenário, em Montevidéu.

Veja bem, não foram gols sobre a lanterna Venezuela, a fraca Bolívia ou um combalido Peru. Foi contra a Celeste Olímpica, no lendário estádio da Copa do Mundo de 1930. Também não foi apenas um gol. Ou dois. Foram três, um deles um petardo. Certamente, nem Paulinho, nem Tite, nem o mais otimista dos torcedores imaginou uma noite tão feliz para o volante. O próprio jogador parecia incrédulo ao fim da partida, dizendo nunca ter passado pela sua cabeça fazer três gols sobre o Uruguai. Ainda mais no Centenário.

Realmente, a grande expectativa recaía sobre Neymar, embalado pela boa fase no Barcelona. E o camisa 10 não decepcionou, cumprindo bem seu papel. Neymar liderou o time, distribuiu a bola, mostrou, além de talento e inteligência, maturidade. Fez um jogo coletivo apoiado por sua qualidade individual. Aquele golaço de cobertura foi um exemplo de sua genialidade: vendo pela TV, fica parecendo até fácil encobrir o goleiro daquela maneira. A bola flutuou sobre a cabeça de Martín Silva como que em câmera lenta. Vai você tentar fazer isso na sua pelada, vai!? Agora pensa em fazer isso na casa do adversário, numa das partidas de maior rivalidade do futebol.

Mas foi Paulinho quem fez história na capital uruguaia. Com os três gols marcados ontem ele chegou a nove e, na lista de volantes-artilheiros da Seleção, ultrapassou não só grandes ídolos do Brasil como do futebol mundial. Falcão (34 jogos), Alemão (39), César Sampaio (49), Emerson (77) e Dunga (96) dividiam a primeira colocação, com seis gols. Com cinco, Toninho Cerezo (73).

Se você fizer uma lista de grandes volantes da Seleção, fatalmente, colocará todos esses à frente de Paulinho. Falcão e Cerezo, sobretudo, estão na seara dos incontestáveis, ídolos de uma geração e de fama que ultrapassa fronteiras. Dunga, embora tenha se tornado muito aborrecido como treinador, foi de uma eficiência cirúrgica – jogador viril, que tinha qualidade no passe, sabia desarmar e iniciar as jogadas. Com Mauro Silva, ele formou, na Seleção, uma das mais afinadas duplas de volantes dos últimos 30 anos do futebol brasileiro. Alemão, César Sampaio e Emerson também estão vários degraus à frente de Paulinho, técnica e taticamente falando.

Só que nos anais é o nome de Paulinho que estará no topo, até que ele seja destronado por outro volante com faro de gol. E muito disso ele deve a Tite. Aliás, não só Paulinho. O que Tite tem conseguido com a Seleção Brasileira é muito mais do que recuperar jogadores, mais do que colher bons resultados, mais do que motivar o grupo. Tite está resgatando o respeito à camisa amarela. A cada jogo, uma atuação mais convincente que a outra. Mesmo sem muito tempo para treinamentos, ele tem conseguido implementar uma harmonia tática praticamente com os mesmos jogadores que, com Dunga, batiam cabeça em campo.

Antes de Tite assumir, o Brasil tinha nomes em campo, mas não tinha uma equipe. Não havia coesão. A Seleção patinava nas Eliminatórias e corria o risco até de não se classificar para a Copa do Mundo. Pois bem, com Tite, o Brasil ressurgiu das cinzas, como fênix. Deixou de ser uma nau sem rumo. Ele é a pessoa certa no lugar certo. Oito jogos de invencibilidade, numa sequência construída de forma consistente. Não tem essa de lance de sorte.

Pode parecer confete demais, exagero talvez, mas está bonito de ver a Seleção jogar. Sem chutão. Bola de pé em pé. Um time confiante. Alegre. Ousado. O Brasil, com Tite, está voltando a ser Brasil.

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