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TIRO LIVRE

Clássico Nutella x Clássico Raiz

O jogo entre Cruzeiro e Atlético pela Primeira Liga foi um daqueles dias em que a gente volta a sentir orgulho do futebol

postado em 31/03/2017 12:00 / atualizado em 31/03/2017 08:45

Beto Magalhaes/EM/D.A Press


Há quem diga que futebol precisa ser alimentado por polêmicas, provocações e até um certo clima hostil para ser completo. Para uma ala mais radical, clássico só tem emoção de fato quando temperado por ingredientes de desavenças, maquiados pelo argumento da rivalidade. É o tipo de galera que aplaude chumbo trocado de dirigentes e justifica, pela ótica da competitividade, agressões, verbais e físicas, entre torcedores. São os mesmos que também endossam gritos e atitudes homofóbicas nos estádios.

Para este grupo, tudo o que está ocorrendo às vésperas do Cruzeiro x Atlético de amanhã, no Mineirão, é muito natural e até empolgante. Um dirigente destila uma ironia de um lado, o outro responde soltando uma alfinetada. Falam como se não soubessem o peso de suas declarações. Como se não soubessem como isso ajuda a criar, na cabeça de determinados torcedores, uma composição agressiva que os faz enxergar no adversário mais do que um simples oponente, um inimigo. E daí para a violência desmedida é um pulinho só.

Este não é o meu clube. Sou da turma que gosta de ver os estádios embebidos pelo clima mais pacífico possível, em todas as suas instâncias. Gosto de assistir a um jogo sem ouvir provocações de gosto duvidoso, ou de mau gosto mesmo. De apreciar a festa das torcidas, mas aquela legítima, com as cores de seus clubes, os cânticos de incentivo às equipes, o agitar das bandeiras, tudo isso dissociado de qualquer ataque ao rival, seja por palavras, gestos ou ações – afinal, por princípio e até por uma lógica semântica, o torcedor não vai ao estádio para torcer por seu time? Sou da turma que admira cartolas que são líderes positivos de seus clubes, incluindo nessa conta jogadores e torcedores. Que sabem usar o poder de que dispõem para passar mensagens construtivas. Que batalham pelos direitos de seu time de forma inteligente, bem fundamentada e benevolente.

Eu poderia até considerar esse cenário utópico demais até que me lembrei de um exemplo bem recente, que serviu de tapa de luva para quem afirma não ser possível/rentável/seguro ter um Cruzeiro x Atlético com as duas torcidas. Como bônus, uma rivalidade condimentada pela harmonia, sem polêmicas, sem bate-boca de dirigentes e sem brigas entre torcidas. Isso ocorreu exatamente há dois meses: em 1º de fevereiro, uma quarta-feira à noite, em jogo que levou 41 mil pessoas ao Mineirão pela Primeira Liga. Celestes e alvinegros voltaram a dividir as arquibancadas do Gigante da Pampulha depois de quatro anos, e o resultado não poderia ser melhor. Nada de confusão. Foi um daqueles dias em que a gente volta a sentir orgulho do futebol.

Dias desses, fui chamada por um torcedor na internet (ah, a democrática arena das redes sociais...) de “jornalista Nutella” por criticar o grito de “bicha” direcionado aos goleiros a cada batida de tiro de meta, que virou modinha Brasil afora e também aqui em Minas. Até considero um elogio ser enquadrada na categoria “Nutella”, pois refere-se a uma das iguarias mais admiradas no mundo: trata-se de um famoso creme de avelã, cacau e leite criado por uma empresa italiana. Mas não era essa a intenção do rapaz em questão. Ele estava fazendo alusão à comparação Raiz x Nutella que tomou conta do mundo virtual, com o termo ‘raiz’ sendo atribuído ao genuíno, sem frescuras, e o ‘Nutella’ seguindo o sentido oposto, mais “gourmetizado”, digamos assim.

Se transpormos a comparação para o clássico, muita gente vai achar que o Clássico Raiz é aquele em que vale tudo. Para mim, o Clássico Raiz era aquele que eu vivi do fim dos anos 1980 até o fechamento do Mineirão. Com duas torcidas, num festival de cores, arquibancada balançando e até uns episódios de confusão sim, pois nem tudo eram flores: lembro de muitas vezes ser puxada pelo braço pelo meu pai, que na outra mão não desgrudava do radinho, para nos afastarmos de torcedores mais esquentadinhos, que discutiam, apesar de envergarem as mesmas cores. Já o Clássico Nutella é o do estádio com apenas 10% de torcida adversária. Frio. Sem crianças e mascotes em campo. Em nenhum deles, porém, violência e bate-boca fazem parte do cenário.

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