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TIRO LIVRE

Versatilidade, bênção ou maldição?

Para o jogador, esse consentimento incondicional acaba, muitas vezes, por privá-lo de desempenhar sua função preferida

postado em 26/05/2017 12:00 / atualizado em 26/05/2017 08:26

Washington Alves/Light Press/Cruzeiro
O volante Hudson apareceu no cenário nacional jogando no futebol paulista, mas nunca renegou as origens. Natural de Juiz de Fora, foi mineiramente que ele cavou seu espaço no São Paulo e também está sendo assim que ele vem se tornando titular no Cruzeiro neste início de temporada. Depois de chegar à Toca sem muito alarde, Hudson aguardou sua oportunidade, se firmou no time com a contusão de Ariel Cabral e agradou tanto que agora o técnico Mano Menezes não pretende tirá-lo mais da equipe. Mas como fazer isso diante da possibilidade de volta do argentino, homem de confiança do treinador? A saída Mano encontrou ao deslocar Hudson para a lateral direita, que está sem dono desde que Ezequiel se machucou. Pelo menos foi o que o comandante celeste sinalizou em alguns treinos desta semana.

Por enquanto é apenas uma possibilidade, já que o técnico também testou outras formações, como o esquema com três volantes – que igualmente preserva Hudson no time. Está claro que a regularidade em campo está rendendo frutos ao jogador. E Mano não quer desperdiçar o bom momento que ele atravessa.

Se confirmar a ida de Hudson para a direita diante do Santos, no domingo, Mano repetirá uma cartada de Muricy Ramalho, o primeiro a enxergar no volante virtudes para atuar na lateral, no São Paulo, em 2014. Na época, Hudson ainda buscava reconhecimento, recém-saído do Botafogo de Ribeirão Preto, pelo qual havia se destacado tanto que foi eleito o melhor volante do Campeonato Paulista daquele ano, ao lado do santista Arouca. Depois que Douglas foi vendido para o Barcelona e diante de algumas experiências frustradas com outros jogadores, Muricy ousou lançar na lateral aquele que era sua terceira opção de volante. Deu tão certo que o contrato de Hudson com o tricolor foi renovado por mais três temporadas e ele engatou uma sequência como titular.

No próprio São Paulo, Hudson chegou a ser improvisado em outra posição: foi escalado também mais adiantado, como armador, por Milton Cruz, que sucedeu Muricy em 2015. Como é um jogador disciplinado e taticamente obediente, ele acaba caindo nas graças dos treinadores por onde passa e, assim, vai garantindo seu lugar nos times. Mas essa versatilidade que abre várias portas também costuma fechar aquela que talvez seja a mais importante para o jogador: a da sua posição de origem.

Qualquer treinador vê como uma bênção o atleta que atua em mais de uma posição e não reclama de ser acionado em qualquer uma delas, ainda que seja sacrificado. Para o jogador, no entanto, esse consentimento incondicional acaba, muitas vezes, por privá-lo de desempenhar sua função preferida.

Existem aqueles casos em que a emenda acaba saindo melhor que o soneto. Um ex-cruzeirense é bem exemplo disso. Cleisson começou a carreira como centroavante. No clube, atuou ainda como segundo atacante e até como armador – ou meia atacante, como chamam por aí. Foi para essa posição que ele foi contratado pelo Flamengo, no fim de 1997. Chegou ao rubro-negro indicado por Paulo Autuori, que o comandara na vitoriosa campanha da Raposa na Copa Libertadores daquele ano. Para suprir uma carência na equipe carioca, o treinador o pediu que experimentasse jogar de segundo volante. Cleisson aceitou. Quando Autuori foi para o Grêmio, levou Cleisson consigo. E no futebol gaúcho, de muita pegada, ele se encontrou de vez como camisa 8.

Nem sempre funciona assim. Hudson já deixou claro, desde a época de São Paulo, que sua posição é a de volante. Foi ali que começou a carreira e é onde se mantém desde então. Ele não se furta a socorrer seus treinadores em caso emergencial, porém, pelo que já disse em entrevistas, não pretende se fixar de vez pela lateral ou até mesmo em outras partes do campo.

No fim das contas, quem ganha com toda essa convicção do jogador é o próprio time do Cruzeiro. Se ele está tão certo de que é no meio-campo que pretende ficar, deve ter determinação redobrada quando for escalado por ali. Sua certeza pode também levá-lo para o banco, caso Ariel Cabral recupere o prestígio e a vaga. Nesse caso, caberá a Mano Menezes administrar a situação. E a saída pela direita do treinador, como diria o velho personagem Leão da Montanha, pode acabar sendo mesmo esse esquema com três volantes.

Tags: cruzeiroec hudson