Conmebol 1992
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CONMEBOL 1992

Briga com venezuelanos no avião e pedrada em campo: Procópio Cardoso relembra conquista da Conmebol de 92 pelo Atlético

Título sul-americano completa 25 anos neste sábado, dia 23 de setembro

postado em 23/09/2017 06:40 / atualizado em 22/09/2017 20:05

Jair Amaral/EM/D.A Press

O ex-técnico Procópio Cardoso está marcado na história do Atlético. Com seis passagens e seis taças erguidas no Galo, o momento de maior destaque, sem dúvida, foi a conquista da Copa Conmebol de 1992, primeira taça sul-americana da história alvinegra, que completa 25 anos neste sábado. Em entrevista ao Superesportes, ele relembrou seu retorno ao clube, casos curiosos da campanha e contou detalhes sobre a final histórica contra o Olimpia.

Em 1992, na sua terceira passagem pelo Atlético, ele assumiu o comando após Vantuir Galdino aceitar convite do futebol árabe. Procópio estava fazendo o caminho inverso. Havia acabado de retornar do país asiático quando recebeu o convite de Afonso Paulino, então presidente alvinegro, para assumir o comando técnico.

Procópio reestreou no Atlético na vitória por 2 a 0 sobre o Tupi, no Mineirão, pelo Campeonato Mineiro. O desafio seguinte já seria pela Conmebol. O Galo foi até Barranquilla enfrentar o Atlético Júnior, pela ida das quartas de final da competição. A partida terminou em 2 a 2. Na opinião do ex-técnico do Galo, foi no retorno da delegação alvinegra ao Brasil após aquele jogo que aconteceu o caso mais curioso de toda a campanha.

"Fomos a Barranquilla enfrentar Atlético Júnior, numa quinta-feira à noite, e jogaríamos contra o Guarani, em Campinas, no sábado. O jogo acabou por volta das 23h, pegamos o avião à 00h30, fomos para Caracas-VEN e de lá embarcamos em um voo para São Paulo. No primeiro trecho da viagem, tinha um grupo musical no nosso avião. Os caras não paravam de tocar violão e guitarra, enquanto nossos jogadores queriam dormir. Então, eu e o Marcelo (preparador físico) fomos lá, batemos neles e chamamos a corporação para dar um jeito de tirar eles do voo assim que parasse. Mas nós batemos neles mesmo, jogamos os instrumentos no chão e chamamos o comandante para resolver", contou Procópio.

Depois de eliminar o time colombiano com uma vitória por 3 a 0 no Mineirão, e superar o El Nacional, do Equador, nas semifinais, o Atlético enfrentou o Olimpia na decisão. Após vencer o jogo de ida por 2 a 0, em Belo Horizonte, o Galo conquistou o título mesmo com a derrota por 1 a 0 no Paraguai. Procópio contou detalhes da pressão sofrida pelo time mineiro no jogo da volta.

"A pressão começou quando eles mudaram o palco do jogo. A decisão seria no Defensores Del Chaco, que é maior, tinha um campo maior também... mas eles resolveram mudar, sem mais nem menos, para o Manuel Ferreira, um estádio acanhado, no estilo de um alçapão. Vinte e quatro horas antes do jogo, fomos para campo fazer aquele treino de reconhecimento. Quem disse que conseguimos trabalhar? 'Choviam' pedras na gente, tivemos que ficar no meio-campo sem treinar", detalhou.
Jorge Gontijo/Estado de Minas

Procópio Cardoso comandou o time em seis partidas na Conmebol daquele ano. Foram três vitórias, um empate e duas derrotas, com nove gols marcados e quatro sofridos nesse período. Paulo Roberto Prestes, lateral-esquerdo e capitão daquele time, valorizou a presença de Procópio na campanha.

"Ele [Procópio] foi um cara importantíssimo naquela conquista nossa. Ele exigia muita dedicação durante os treinamentos, trabalhava com todos os jogadores na igualdade. Não tinha líder e nem estrela no time dele. Se o cara não se doasse, saía do time mesmo. O Procópio sempre foi muito rígido com concentração e disciplina", ressaltou.

Leia, na íntegra, a entrevista de Procópio Cardoso:


Chegada ao Atlético
Quando eu cheguei, o ambiente era bom, muito tranquilo. O presidente Afonso Paulino era muito atuante. Naquele momento as coisas ocorreram como eu queria. Foi muito bom, porque houve muita dedicação dos atletas. Nosso trabalho foi muito proveitoso.

Como todo técnico que chega a um clube, eu também tive algumas coisas para mudar, para colocar do jeito que eu penso o futebol. Assim que cheguei eu tive uma conversa com o grupo de jogadores e com todos os funcionários que já estavam no clube. Eu entendia sobre o treinamento que tinha que dar aos jogadores a condição de jogar, e eu quis implantar isso logo. Fomos felizes e ganhamos o primeiro título internacional da história do Atlético.

Pressão pela conquista
A pressão existe em qualquer campeonato, mas a gente precisa confiar no trabalho. Quando você aceita o convite para assumir um desafio, você tem que ir firme naquele propósito. Eu tinha acabado de chegar do futebol árabe e o Afonso Paulino me perguntou se eu poderia conversar com ele no dia seguinte. Vi os atletas, gostei do elenco e fomos logo iniciar nosso trabalho para implementar nosso modo de jogar, nosso modo de enxergar o futebol. E fiz isso sempre pensando na tradição do Clube Atlético Mineiro, que precisa jogar futebol, mas precisa entrar em campo com raça e disposição, sem fugir do contato físico.

O maior desafio meu era exatamente o que eu achava que deveria ser o time. Em todos os lugares por onde passei, no Brasil, no Catar ou na Arábia, eu sempre priorizei que meus times jogassem futebol. Time que joga, ganha. Então, essa era a minha filosofia, e meus treinamentos eram feitos para isso.

Eu sempre fiz uma coisa diferente em meus trabalhos. Às terças-feiras o treinamento coletivo era contra as equipes de juvenis e às quintas era contra os juniores. Fazia o treinamento entre titulares e reservas, depois titulares contra as categorias dos mais jovens, e reservas também contra os times de base.

Isso era muito bom, porque principalmente os juniores queriam mostrar que tinham condições de chegar ao time profissional e faziam treinamentos fortes. Não permitia violência, lógico, mas deixava o treino ficar em um ritmo mais forte, mais pegado.

A grande vantagem disso é que eu estava sempre sabendo com quais jogadores das categorias de base eu poderia contar. Tanto que eu aproveitei vários desses atletas na profissional, como Dedê, Sérgio Araújo, Aílton, Quirino e Marquinhos, por exemplo. Todos saíram de treinamentos como esse, realizados semanalmente.  Eu não precisava buscar informações sobre os atletas, eu mesmo os via em campo.

Negrini
Não era um craque, mas estava sempre bem colocado e bem preparado para finalizar e marcar os gols. Ele simplesmente marcou os dois gols mais importantes da competição.

Estilo de Procópio como treinador
O treinador de futebol precisa ter peito, precisa ser comandante. Ele é um general do exército, um professor e um pai de família. O pai precisa cuidar da casa sem priorizar um filho em detrimento do outro; o professor, embora goste mais de um aluno, ele não pode priorizá-lo em relação a outro; o general, em função do respeito que precisa ter. O treinador de futebol precisa ter tudo isso. Todos os jogadores precisam ser tratados de maneira igual para que o técnico tenha o comando deles.

Briga no avião
Atualmente, os caras jogam quarta e domingo e ficam reclamando. Lembro que naquela época fomos a Barranquilla enfrentar Atlético Júnior, numa quinta-feira à noite, e jogaríamos contra o Guarani, em Campinas, no sábado. Acabamos o jogo por volta das 23h, pegamos o avião às 00h30, fomos para Caracas e de lá embarcamos em um voo para São Paulo. No primeiro trecho da viagem, tinha um grupo musical no nosso avião. Os caras não paravam de tocar violão e guitarra, enquanto nossos jogadores queriam dormir. Então, eu e o Marcelo (preparador físico) fomos lá, batemos neles e chamamos a corporação para dar um jeito de tirar eles do voo assim que parasse. Mas nós batemos neles mesmo, jogamos os instrumentos no chão e chamamos o comandante para resolver.

Chegamos em São Paulo às 8h da manhã de sábado, fomos de ônibus para Campinas, direto do aeroporto. Os jogadores foram dormir de 9h30 às 15h30, sem almoçar. Às 16h30 acordamos os caras, eles jantaram, fomos para o jogo e vencemos aquele timaço do Guarani.

Amizade com Perfumo
O Atlético foi campeão lá em Assunção. Eu tinha sido colega do Perfumo - um dos maiores zagueiros que eu vi jogar - no Cruzeiro. Naquela final, ele era técnico do Olimpia, e como tínhamos uma excelente relação, fui ao vestiário para dar um abraço nele. Eu sei como é ruim perder, já perdi várias vezes, mas, você tinha que ver a alegria que ele ficou quando me viu. Isso é gratificante demais Essa é uma das boas histórias que tenho sobre aquela competição.
Euler Junior/EM/D.A Press

Pressão no jogo contra o Olimpia
Nós suportamos a pressão deles jogando futebol.Time meu tinha que jogar. A pressão começou quando eles mudaram o palco do jogo. A decisão seria no Defensores Del Chaco, que é maior, tinha um campo maior também... mas eles resolveram mudar para a Manuel Ferreira, um estádio acanhado, no estilo de um alçapão.

Vinte e quatro horas antes do jogo, fomos para campo fazer aquele treino de reconhecimento. Quem disse que conseguimos trabalhar? “Choviam” pedras na gente, tivemos que ficar no meio-campo sem treinar. Ainda assim fomos para o jogo e conquistamos o título. Nosso time era muito bom. Tínhamos Éder Lopes e Moacir no meio, era um espetáculo. Alfinete e Luís Eduardo… O Ryuller na defesa, ele era valente demais! Paulo Roberto era nosso lateral e nosso capitão.. Nosso goleiro era o João Leite. Tínhamos ainda Sérgio Araújo, Claudinho, Negrini e Aílton. Era um timaço.

Era um time que tinha jogadores muito bons, mas que davam muita raça também. Fico feliz por aquele ter sido o primeiro título internacional do clube.

Recepção da torcida após o título
Foi muito boa a recepção. Chegamos no aeroporto e desfilamos no carro aberto do Corpo de Bombeiros. O presidente Afonso Paulino montou uma festa bacana no estádio de Lourdes, onde hoje é a sede. Foi memorável.

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