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Equipe feminina do América percorrerá cerca de 2 mil km em 5 dias; Ipatinga responde acusação

Brenda Marinho, preparadora física da equipe, postou mensagem crítica nesta terça-feira em seu perfil no Facebook: "Não me recordo até hoje de ver algo parecido"

postado em 06/10/2015 14:56 / atualizado em 06/10/2015 20:19

Ramon Lisboa/EM/DA Press

No futebol masculino, o América faz boa campanha na Série B e briga para subir. Está em quarto lugar, com 48 pontos. No feminino, a situação não é diferente: o clube joga a segunda fase do Campeonato Brasileiro e decide o Estadual diante do Ipatinga. Mas as meninas precisam encarar uma realidade totalmente distinta dos homens. Enquanto eles, de maneira obrigatória, descansam mais de 60 horas entre uma partida e outra, elas encararão nos próximos cinco dias uma rotina desgastante de viagens e jogos. As Coelhinhas entram em campo na quarta-feira, pelo Brasileiro; na sexta, pelo Mineiro; e no domingo, novamente pelo Brasileiro. Ao todo, a delegação americana rodará quase 2 mil quilômetros num intervalo de cinco dias. Tal situação fisicamente e psicologicamente devastadora fez Brenda Marinho, preparadora física da equipe, tecer críticas por meio de seu perfil no Facebook.

“Eu tenho talvez o péssimo hábito de seguir rigorosamente a lei do politicamente correto e da boa vizinhança. Porém, há de se ressaltar minha indignação. Com três jogos importantíssimos em menos de cinco dias, começo a pensar de forma crítica a respeito disso tudo. Na minha curta história esportiva não me recordo até hoje de ver algo parecido”, afirmou Brenda.

“Pautado numa lei amadora que rege nossa modalidade, o América e a federação não conseguiram entrar em consenso com a diretoria do time adversário que insistentemente se recusou a adiar o primeiro jogo as finais lá em Ipatinga. Portanto: Sim, vamos jogar quarta, sexta e domingo. São três jogos em cinco dias e mais de mil km pra percorrer entre BH-Ipatinga-BH-SP-BH. Isso eu nunca vi nem nos campeonatos de várzea! Aí meus amigos profissionais em educação física, fisioterapia, etc. me questionam: ‘Isso não existe! Não pode! E as leis que regem nossa máquina humana, e o papo da sobrecarga, da supercompensação, do tempo mínimo de descanso, over training, e as respostas metabólicas e fisiológicas?’”, acrescentou.

Brenda Marinho não poupou críticas ao Ipatinga, que se recusou a adiar a partida de ida – o confronto de volta está marcado para 25 de outubro (domingo), na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas. De acordo com a profissional responsável por cuidar da parte física das jogadoras americanas, houve desrespeito do “lado humano por parte do adversário”.

“Não precisa estudar pra saber que isso ta errado. Minha mãe que só tem a oitava série afirmou com toda convicção: ‘isso não existe, falta de humanidade. Essas meninas não descansam?’ Pois bem, parece que nem todos os representantes adversários entendem o lado científico e nem humanitário. Pensaram de forma egocêntrica e sem fundamento nenhum. Nós vamos jogar em qualquer condição, vamos com uma vontade que até hoje acho que ninguém teve, vamos sair carregados de campo se precisar. Nós vamos jogar essa final como nunca. Podemos sair com um resultado adverso, mas nós vamos até o fim para que ele não venha”, disparou Brenda Marinho.

No Campeonato Mineiro, o América detém 100% de aproveitamento em oito jogos, com 47 gols marcados e apenas três sofridos. No Brasileiro, as meninas alviverdes já disputaram seis jogos: duas vitórias e duas derrotas na primeira fase, e um triunfo e um tropeço na segunda fase.

Ipatinga responde

Depois da publicação do desabafo de Brenda, o Ipatinga procurou a reportagem e solicitou espaço para responder a acusação de que o clube do Vale do Aço “insistentemente se recusou a adiar o primeiro jogo”. Veja, na íntegra, ipsis litteris, a manifestação do clube, em nota assinada pelo diretor de futebol Carlos Oliveira.

"Lamento muito as declarações dadas pela preparadora física. No Ipatinga, todos temos muito respeito para com o América, temos bom relacionamento com o clube. Ela está querendo mudar o foco, criando situações para diminuir a responsabilidade do trabalho dela nas finais. Justificativa antecipada? Vamos deixar a decisão acontecer dentro de campo, sem jogo baixo, o América é grande, não precisa disso.

Ela não pode acusar o Ipatinga de desumano por não aceitar o que o América queria. Nos classificamos para a final no dia vinte do mês passado e desde então estamos esperando o América para fazermos a final. Já estamos parados a mais de quinze dias e ficaríamos mais dez até o primeiro jogo da final. Eles queriam que o campeonato só terminasse no fim de novembro.

Se é desumano fazer três jogos em cinco dias, também é desumano manter um time inteiro sem atividade, com intervalo de mais de um mês entre uma partida e outra. Enquanto estamos parados, eles estão em plena atividade. Acho até que o verdadeiro motivo das reclamações é este. Elas queriam pegar o Ipatinga sem ritmo.

O debate sobre calendário existe em todas as competições do futebol brasileiro, e realmente deve ser melhor resolvido, mas se o próprio América tivesse se programado melhor para disputar duas competições, eles não precisariam estar agora querendo nos fazer esperar tanto.

Grandes clubes do Brasil e do mundo tem que usar praticamente dois times quando disputam mais de uma competição. Isso não é novidade pra ninguém. O Ipatinga só entrou no mineiro feminino (pela primeira vez) porque temos espaço no calendário para isso.

Não vamos entrar no clima de guerra que ela está querendo criar para os dois jogos da final.
A Federação Mineira se esforçou muito para fazer acontecer o campeonato feminino e não tem nenhuma culpa do pouco espaço de tempo entre um jogo e outro. Pelo contrário, a Federação está fazendo pela modalidade o que poucas federações no Brasil fazem. Aqui os clubes não pagam taxa de arbitragem e os jogos acontecem com estrutura de qualidade".


Próximos jogos do América

Quarta-feira (07/10) – América x Rio Preto (SP) – Arena do Jacaré – 19 horas
Sexta-feira (09/10) – Ipatinga x América – Campo do Canaã – 21 horas
Domingo (11/10) – Rio Preto (SP) x América – Rio Pretão – 16h30

Percurso das meninas do Coelho

Belo Horizonte a Sete Lagoas – 70 quilômetros
Sete Lagoas a Belo Horizonte – 70 quilômetros
Belo Horizonte a Ipatinga – 220 quilômetros
Ipatinga a São José do Rio Preto (SP) – 887 quilômetros
São José do Rio Preto (SP) a Belo Horizonte – 673 quilômetros
Total – 1920 quilômetros


Abaixo, o texto completo redigido por Brenda Marinho, preparadora física do América:

Pegando um gancho literalmente no meio do forte campeonato Brasileiro onde heroicamente conseguimos um lugar entre os oito melhores times do Brasil, o América enfrenta o Ipatinga pelo primeiro jogo das finais do mineiro.

Jogamos quarta contra Rio Preto, sexta contra o Ipatinga e domingo em São Paulo novamente contra o Rio Preto.

Eu tenho talvez o péssimo hábito de seguir rigorosamente a lei do politicamente correto e da boa vizinhança. Porém, há de se ressaltar minha indignação. Com três jogos importantíssimos em menos de cinco dias, começo a pensar de forma crítica a respeito disso tudo. Na minha curta história esportiva não me recordo até hoje de ver algo parecido.

Antes de qualquer coisa, retiro esta crítica à Federação Mineira de Futebol que tentou junto aos representantes dos dois times fazer o possível dentro da lei (amadora) que rege o futebol mineiro feminino. Isento também nossa diretoria americana que de toda forma tentou mostrar o quão isso é prejudicial ao esporte.

Para começarmos a entender não é preciso de muito, resumo numa palavra: desgaste.

Não quero nem levar em consideração nossa realidade de que todos do feminino do América (atletas e comissão) trabalhamos voluntariamente, exercemos profissões complementares, não vivemos do futebol, não treinamos no volume adequado, aliás, nesta fase quase não treinamos. Desdobramos-nos com pensamentos entre vida profissional e esporte, arrumamos brechas para ir aos jogos, remanejamos carga horária trabalhista, entre as mil outras dificuldades que qualquer time feminino passa. Somos o único time que ainda sobrevive no brasileirão que não recebe apoio financeiro. Desta maneira nossos desgastes não se resumem ao físico, mas também ao psicológico, financeiro e pessoal. Não reclamamos, agradecemos diariamente ao América e aos nossos colaboradores por acreditarem nesse projeto tão repentino com sonhos tão altos. Temos tão pouco tempo de vida e já estamos entre os grandes. Só quem está vivendo isso é que sabe como chegamos até aqui. Nós estamos chegando.

Pautado numa lei amadora que rege nossa modalidade, o América e a federação não conseguiram entrar em consenso com a diretoria do time adversário que insistentemente se recusou a adiar o primeiro jogo as finais lá em Ipatinga. Portanto: Sim, vamos jogar quarta, sexta e domingo. São três jogos em cinco dias e mais de mil km pra percorrer entre BH-Ipatinga-BH-SP-BH. Isso eu nunca vi nem nos campeonatos de várzea!

Aí meus amigos profissionais em educação física, fisioterapia, etc. me questionam: "Isso não existe! Não pode! E as leis que regem nossa máquina humana, e o papo da sobrecarga, da supercompensação, do tempo mínimo de descanso, over training, e as respostas metabólicas e fisiológicas?"

E não precisa estudar pra saber que isso ta errado. Minha mãe que só tem a oitava série afirmou com toda convicção: "isso não existe, falta de humanidade. Essas meninas não descansam?"

Pois bem, parece que nem todos os representantes adversários entendem o lado científico e nem humanitário. Pensaram de forma egocêntrica e sem fundamento nenhum.

Nós vamos jogar em qualquer condição, vamos com uma vontade que até hoje acho que ninguém teve, vamos sair carregados de campo se precisar. Nós vamos jogar essa final como nunca. Podemos sair com um resultado adverso, mas nós vamos até o fim para que ele não venha.

Pra finalizar ressalto minha força contra o amadorismo na nossa modalidade. Torço para que meus colegas de profissão vão aos poucos tomando os lugares destes amadores que estão infiltrados nos grandes times mineiros e brasileiros. Tirem do mercado esses profissionais que pensam apenas no benefício próprio e não na modalidade. Tirem do futebol feminino essas pessoas que só querem vencer a todo custo, que não pensam e nem respeitam essas meninas que tanto lutam por espaço. O episódio da Tenda foi tão repercutido e tudo que queríamos foi dar ao futebol feminino em palco de luxo, visibilidade. Mas e agora? Será que essa barbaridade será também tratada com tanto perplexidade? Temos que respeitar essas meninas que tanto sofrem por um lugar ao sol e eu falo por todas: sejam elas adversárias ou não.

Enquanto houver profissionais amadores à frente de times importantes vamos ser tratados como tal. E, consequentemente, o futebol feminino em Minas ficará assim, abaixo do medíocre. Precisamos pensar diferente, representantes mineiros, precisamos vestir a camisa do futebol feminino. Pra alguns peço que façam o mínimo. Nós vamos fazer o impossível.

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