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SONHO FUTEBOL CLUBE

Um goleirão na barbearia

Em comum, o desejo de vencer e a fé para desafiar os adversários na vida

postado em 13/08/2013 09:07 / atualizado em 13/08/2013 09:38

Euler Junior / EM DA PRESS
Ele esteve com os pés e as mãos no Cruzeiro por dois anos e meio. Também passou pelo Galo, campeão das Américas. Veio de Virginópolis, no Vale do Rio Doce, a 270 quilômetros de Belo Horizonte. Cristiann Samuel Gomes Oliveira, de 17 anos, vai vendo o sonho de sucesso no gol se esvair entre os dedos. Treinando desde os 7 anos, o goleirão, de mais de 1,80m, faz curso de corte de cabelo, opção de sobrevivência nas barbearias. “Caso não dê certo, filho, é uma profissão”, argumenta a mãe, Maria Aparecida Gomes, de 46.

Sonho que se sonha junto. Maria Aparecida faz de tudo pelo futuro do filho. Em 2006, a professora de ensino fundamental vendeu tudo o que tinha no interior para tentar a sorte do pequeno atleta na capital. “Pedi a Deus para abrir uma porta na nossa vida. O treinador do Cristiann disse que iria trazê-lo para um teste no Cruzeiro. Ele foi selecionado e foi uma grande alegria.” O promissor garoto, jogador do Ajax, passou 30 dias longe da família, em terra estranha, até que a mãe conseguisse “resolver a vida” em Virginópolis para ajeitar a mudança definitiva.

Tempos difíceis. Em BH, com o custo de vida e as despesas em outro patamar, mãe e filho chegaram a ficar na rua. Sem trabalho ou perspectiva, Maria Aparecida não se abateu. “Peguei firme com Deus mais uma vez e apareceu alguém em nossa vida que pagou um ano de aluguel”, conta. As dificuldades não pararam por aí. Depois de Cristiann, dispensado do Cruzeiro e do Galo, a professora, diarista, enfrentou nova tormenta. “O momento mais difícil foi em 2011, quando olhei para a despensa e não havia nada de comer para os meus filhos”, emociona-se.

Fora dos grandes clubes da cidade, Cristiann passou pelo Gol Brasil e, por fim, pelo Venda Nova, onde foi amparado por Nival Dias de Sá, nome de respeito, pela vida dedicada ao futebol. “Os meninos chegam aqui, na maioria das vezes, sem dinheiro para pagar a passagem. Fazemos de tudo para colaborar com o sonho desses garotos”, diz o dirigente. No campo de terra surrada no alto da Rua Irineu Pinto, o goleiro mostra serviço na pequena área. Salta para defender a bola e sair bem na foto.

Com a volta às aulas e o curso de corte, o moço, com as mãos na tesoura, já não consegue treinar com a dedicação de outros tempos. Simpático, de vocabulário e vocação para a boa conversa, Cristiann suspira ao comentar sobre futebol. Antenado com os campos estrangeiros e com os destaques do Campeonato Brasileiro, fala em Edwin van der Sar, da Holanda, segundo ele “o melhor goleiro de todos os tempos”.

No Brasil, o grande ídolo do rapaz é Fábio, do Cruzeiro. “Não apenas pelas conquistas, mas pela segurança e as defesas importantes que sempre faz”, justifica. Apesar da descoberta do talento para os salões de beleza, o sonho de carreira como jogador profissional resiste. Cristiann espera o apoio do pai, há 10 anos nos Estados Unidos. O goleiro conta ainda com o amparo de outro parente, ex-jogador, nos verdes campos do Tio Sam.


OLHO TÉCNICO
André Figueiredo, de 43 anos, conta mais de duas décadas de futebol profissional. Ex-zagueiro, carioca de Del Castilho, ele defendeu Vasco, Botafogo, Atlético, América, Gama e Villa Nova. Há 10 anos gestor de carreira, é gerente de futebol das categorias de base do Galo. “Meu sonho já realizei”, sorri. Na lida com o destino de pelo menos 3 mil garotos de todo o Brasil por ano, André discorre sobre o inexorável nas quatro linhas com o vigor da paixão que conheceu de perto, nos gramados, junto às multidões. “Não há fórmula. Podemos avaliar força, velocidade e técnica, mas, quando um jovem atleta cai numa arena com 20 mil torcedores, não dá para saber o que vai acontecer”, diz. Segredo? “Profissionalismo.”

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