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FUTEBOL NACIONAL

Em pé ou sentado? Dilema dos estádios no Brasil

Mesmo com o conforto proporcionado pelas cadeiras nas novas arenas, muitos torcedores resistem à ideia de assistir aos jogos assentados, gerando 'efeito cascata'

postado em 04/07/2015 08:00 / atualizado em 03/07/2015 23:11

Arquivo pessoal/Divulgação

A realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil modernizou os estádios nos quatro cantos do país. O tão falado “padrão Fifa de qualidade” veio com a promessa de conforto, segurança e acessibilidade ao público. Os palcos do futebol foram transformados em arenas multiuso e o custo para acompanhar uma partida também aumentou. Mas, em meio a tantas evoluções, ainda existe o dilema: assistir aos jogos em pé ou sentado? Nesse ambiente democrático, há os torcedores mais agitados, que ignoram os assentos, e os mais serenos, que querem apreciar o espetáculo no conforto das cadeiras. O problema é quando os dois perfis estão próximos. Alguém sempre sai perdendo, sobretudo crianças e idosos.

De modo geral, o torcedor brasileiro ainda carrega o costume de assistir aos jogos de pé, principalmente quando o estádio está cheio. Contudo, não significa que todos estão de acordo. Muitos se levantam simplesmente em função do “efeito dominó”. Se a pessoa que está embaixo erguer o corpo, consequentemente quem está acima fará o mesmo. O Mineirão, que comportava espremidas 130 mil pessoas quando inaugurado em 1965 e hoje tem “apenas” 62 mil assentos, é também palco de muita irritação.

“Acho um péssimo hábito, algo super egoísta. Assisti ao jogo do Atlético contra o Joinville ao lado de um casal de idosos, que não podiam ficar de pé todo o tempo. Eles quase não viram o jogo, pois é impossível ver alguma coisa se estiver sentado. Fora que as pessoas colocam os pés nos assentos. Não é nada agradável você olhar para trás e ver um cara com o sapato no lugar que você irá sentar”, diz a produtora cultural Anna Gusmão, 35 anos, que compareceu ao Mineirão na vitória do Atlético sobre o Joinville, por 1 a 0, em 28 de junho. O público superou 55 mil torcedores.

Rodrigo Clemente/EM/D.A

O caso relatado pela torcedora atleticana exemplifica bem a mudança do perfil do torcedor que frequenta as novas arenas. Hoje, são mais sócios e menos ingressos vendidos nas bilheterias. O Cruzeiro, para valorizar seus 71,5 mil associados, cobra do torcedor comum entre R$ 50 e R$ 130 por jogo. O Atlético, com quase 41 mil cadastrados no Galo na Veia (Black, com ingresso garantido, e Prata, que tem preferência na aquisição do bilhete), costuma negociar pouquíssimas unidades nos postos de venda. Mineirão e Independência recebem crianças, idosos e até famílias inteiras.

Quem leva criança ao estádio terá de se preparar para achar um lugar mais vazio ou carregá-la no colo. O bancário Ronaldo Neder, 41, conta que o filho Pedro, de 3 anos, ficou impaciente na partida entre Atlético e Joinville, no Mineirão. “Foi incômodo para quem estava com criança. Eu e mais dois amigos fomos com crianças de três a cinco anos, e eles ficaram com meninos no colo quase o tempo todo. Quando não aguentamos mais carregar no colo, colocamos os meninos em pé sobre as cadeiras. Com dez minutos de jogo, meu filho, Pedro, já estava incomodado e querendo ir embora. Não cheguei a ver tumulto no meu setor, mas a questão de ficar em pé o tempo todo com a criança atrapalha demais”.

RECOMENDAÇÕES

Numa situação que depende de bom comportamento e educação do público, as empresas que administram Mineirão e Independência tentam encontrar soluções para evitar reclamações e melhorar o conforto de todos os torcedores. A Minas Arena, concessionária do Gigante da Pampulha, orienta seguranças a recomendar o uso das cadeiras.

“O setor de segurança do Mineirão e a Polícia Militar trabalham intensamente, de forma integrada, para que essa questão seja minimizada. Primeiramente, os torcedores são abordados pelos seguranças privados. Em caso de resistência, é acionada a Polícia Militar”, manifesta-se a assessoria de comunicação da Minas Arena. De acordo com a empresa, muitas pessoas acabam não respeitando as recomendações e a situação termina fora de controle. “Esse comportamento do torcedor faz com que ocorra 'efeito cascata’. Se a primeira fileira se posiciona em pé, os demais tendem a se portar da mesma forma para conseguir acompanhar a partida”.

A Minas Arena promete intensificar essa campanha. “Além do uso do telão, que é a mídia de maior impacto dentro do estádio, pretendemos implementar novas ações de abordagem”, disse, em nota enviada à reportagem.

Marcos Vieira/EM/D.A Press
A BWA Arenas, responsável pela gestão do Independência, informa que já existem no estádio mensagens educativas para que os torcedores utilizem os assentos de forma correta. “Orientamos os assistentes a, sempre que possível, solicitar que os torcedores ocupem seus lugares. Contudo, a utilização correta do espaço ainda é um tabu entre os mesmos”, explica o gerente operacional Helber Gurgel.

Gurgel concorda que é um costume antigo do povo brasileiro ficar de pé nos estádios, mas ressalta que a mudança de comportamento se tornou necessária devido à modernização das arenas. “O povo brasileiro começa a sentir isso. Precisamos que a imprensa, de um modo geral, além dos assuntos corriqueiros, se interesse por nos ajudar a mudar um pouco esta visão e costume. Educar para um novo tipo de utilização dos assentos”.

Especialmente no caso do Independência, há um agravante: os ‘pontos cegos’ também atrapalham a visão de quem está acomodado nas cadeiras. Grades limitam a visão do campo e, em alguns setores, a inclinação das arquibancadas impede o torcedor de ver batidas de escanteio e de laterais. Falhas de projeto.

OUTROS ESTADOS

Facebook/Reprodução
O engenheiro ambiental e flamenguista Marcelo Ferreira, de 41 anos, conta que, no Maracanã, também se respeita pouco o público mais familiar e a solução é improvisar. “No Rio, a maioria assiste aos jogos de pé. As pessoas mais idosas, as que levam crianças e as que não estão acostumadas a frequentar reclamam um pouco, mas quem é assíduo nem liga muito, pois já sabe como é. Eu gosto mesmo de assistir lá na última fila de cadeiras da arquibancada. Lá, quase ninguém atrapalha meu campo de visão”.

O botafoguense e consultor em telecomunicações Marcos Muniz, 47 anos, tenta evitar os blocos das organizadas quando vai a jogos no Rio. “Quando eu quero assistir ao jogo sentado, procuro ficar mais distante das organizadas, onde fica o torcedor comum. Mas tudo vai do bom senso. As organizadas assistem mesmo os 90 minutos em pé. Meu conselho para quem gosta de assistir sentado é não ficar perto delas”.

Alguns clubes brasileiros encontraram soluções. Corinthians e Grêmio, por exemplo, reservam um espaço em seus respectivos estádios – Arena Itaquerão e Arena do Grêmio – para os torcedores que desejam ficar de pé. Nesses locais não há cadeiras. Em Belo Horizonte, por enquanto, não há perspectivas de liberar um espaço exclusivo sem assentos no Independência e no Mineirão. Segundo a BWA, o “Estatuto do Torcedor e o Código de Defesa do Consumidor impedem as arenas de disporem de locais de acomodação sem assentos e numeração”.

Arquivo pessoal/Divulgação

NO EXTERIOR

Fora do Brasil, há boas soluções. O Borussia Dortmund, da Alemanha, reserva 25 mil lugares no Signal Iduna Park aos torcedores que desejam fazer festa e ficar de pé. Nas outras partes da arena, o público permanece sentado. Com essa estratégia, a equipe sempre conta com estádio cheio, chegando a registrar a impressionante média de 80,3 mil pessoas por partida (lotação máxima) na temporada 2013/2014.

Situação semelhante ocorre na Itália, com a Juventus, detentora dos quatro últimos títulos da Série A. Os espaços atrás dos gols da Juventus Arena ficam reservados às torcidas organizadas, enquanto a lateral do campo é ocupada pelos torcedores comuns. “O comportamento das organizadas é parecido com o que vemos no Brasil. Os líderes ficam de costas comandando a torcida. Eles são os responsáveis por toda a parte visual das arquibancadas, como faixas e mosaicos”, observa o arquiteto brasileiro Christino Almeida, 26, que morou na cidade italiana de Turim por dois anos.

Arquivo pessoal

Christino diz que prefere assistir às partidas de pé, porém acredita que o perfil do torcedor brasileiro esteja passando por modificações. “Meu pai e meu tio, por exemplo, sempre me acompanham e já preferem assistir aos jogos assentados. Assim é complicado encontrar um local no estádio onde eles consigam ver o jogo”. Ele ainda diz que ficar em pé não significa dar apoio ao clube do coração. “O estádio está mais frio. Alguns recursos, como telões e câmera do beijo tiram o foco do torcedor do jogo e deixam a arquibancada mais fria”.

Como no Brasil não existe nenhuma legislação específica que obrigue o torcedor a ficar sentado durante os jogos, é preciso contar com bom senso, educação das pessoas e orientação efetiva das gestoras das arenas. (Com José Cândido Júnior)

Com a palavra, a Minas Arena:

O que a Minas Arena acha do hábito de as pessoas assistirem aos jogos de pé?

O torcedor brasileiro tem um costume de torcer diferente dos europeus. É uma questão cultural. O telão e o sistema de sonorização do estádio são utilizados antes e durante a partida com 12 inserções de mensagens educativas.

Existe alguma medida da Minas Arena que pode minimizar esse hábito?

O setor de segurança do Mineirão e a Polícia Militar trabalham intensamente, de forma integrada, para que essa questão seja minimizada. Primeiramente, os torcedores são abordados pelos seguranças privados. Em caso de resistência, é acionada a Polícia Militar. Infelizmente, registramos que após alguns minutos da saída dos policiais o torcedor retorna a posição que se encontrava. Esse comportamento do torcedor faz com que ocorra 'efeito cascata’, se a primeira fileira se posiciona em pé, os demais tendem a se portar da mesma forma para conseguir acompanhar a partida.

A Minas Arena acredita que o número de pessoas que fazem a função do "posso ajudar" é suficiente?

A abordagem ao torcedor não é feita pelo ‘Posso Ajudar’. Primeiramente, os torcedores são abordados pelos seguranças privados e, em caso de resistência, é acionada a Polícia Militar.

Os números marcados não são respeitados?

Em determinadas partidas, observamos que há setores do estádio que o torcedor tem o hábito de procurar e sentar no lugar marcado. É um direito dele ocupar o local indicado em seu ingresso. Este comportamento foi bem recebido por muitos torcedores.

A Minas Arena pensa em alguma campanha educativa para que as pessoas se assentem e não prejudiquem quem está atrás?

Além do uso do telão, que é a mídia de maior impacto dentro do estádio, pretendemos implementar novas ações de abordagem junto ao torcedor.

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Com a palavra, a BWA, gestora do Independência:

A BWA pensa em campanha educativa acerca desse tema?

A BWA, na verdade, já utiliza parte do seu espaço publicitário de visualização no placar para campanhas educativas de todos os matizes e para vários fins, inclusive para incentivar que os torcedores utilizem seus assentos da forma correta. Também orientamos os Assistentes de Torcedores a sempre que possível solicitar que os torcedores ocupem seus assentos. Contudo, a utilização correta ainda é um tabu entre os mesmos. Afirmamos ainda que os Clubes Mandantes também incentivam a correta utilização dos assentos.

Existe a preocupação com a quebra de cadeiras por conta do uso inadequado?

Dentro do planejamento de manutenção da Arena, existe uma equipe apenas para conferencia, troca ou reparo, que ocorre sempre no dia seguinte aos jogos, para verificação de cada uma das cadeiras.

O número de pessoas do “posso ajudar” é suficiente para orientar os torcedores?

Dentro do modelo de gestão adotado por esta operadora, em consonância às normas e padrões internacionais de segurança e que são exigidos e conferidos pelos Órgãos de Segurança, sim, existe ainda um contingente de apoio que são os orientadores do próprio clube, desta forma, os jogos chegam a ter um numero até 25% maior de orientadores que o recomendado.

Existe o planejamento de segmentar setores do Independência para aqueles que desejam comparecer aos jogos levando as famílias?

Hoje é mais comum do que pensamos que famílias inteiras estejam presentes aos jogos. Na verdade, a Arena é um local seguro, limpo e de certa forma gostoso de se frequentar, onde o dialogo entre os torcedores muitas vezes resolve esta questão de assistir todo o tempo de pé, assim como os locais reservados aos Portadores de Necessidades Especiais (PNE’s) hoje já são respeitados.

A Arena dispõe ainda, caso seja da vontade de seus usuários, do setor denominado VIP ou Corporativo, onde a possibilidade de se assistir aos jogos sem interferência é muito maior, além de muito conforto e visão privilegiada.

Existe um projeto para reservar uma área exclusiva a quem deseja assistir ao jogo em pé? (Isso é feito no estádio do Borussia Dortmund, da Alemanha, e de outros clubes europeus)

Pelo Estatuto do Torcedor e Código de Defesa do Consumidor, as Arenas não podem dispor de locais de acomodação sem assentos e numeração.

Muita gente reclama de não poder levar crianças, pelo hábito de muitos de assistir aos jogos de pé. Qual a solução para isso?

Durante os vários anos de utilização de Mineirão e Independência, antes de suas reformas, todos nós os utilizamos nas condições em que se apresentavam, é um costume antigo e muito próprio da explosão de sentimentos que compõem uma partida de futebol, ficar de pé.

Contudo, as Arenas mudaram e o povo começa a sentir isto! Precisamos que a imprensa de um modo geral, além dos assuntos corriqueiros, se interessem por nos ajudar a mudar um pouco esta visão e costume.

Educar, para um novo tipo de utilização dos assentos. Este é o mote e nossa preocupação em tempo integral.

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