Atlético
None

DA ARQUIBANCADA

O choro é livre

"O atleticano chora porque sabe que o melhor Atlético de todos os tempos é agora apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!"

postado em 04/07/2015 12:00

Bruno Cantini/Divulgação Atlético

Foi-se embora o nosso Jô. E como um Milton Nascimento que não fosse Maria, Maria, muito pelo contrário, “fez-se noite em meu viver”. Mergulhado naquela saudade de corno, o peito apertado pelo sutiã de bojo existencial, recorri ao velho Bituca, que em sua travessia escolheu o time errado pra torcer: “Forte eu sou mas não tem jeito”, meu querido Jô, “hoje eu tenho que chorar”.

E chorei, como choraram todos os atleticanos capazes de admitir que, sim, o homem chora, e por causa do Atlético é possível soluçar num pranto incontrolável na frente da mulher, dos filhos, dentro do ônibus, rodeado de gente na baia bege em que você finge trabalhar enquanto assiste a vídeos do Galo campeão da Libertadores. Entre aqueles que não aceitam jamais, diz-se que o “maldito suor hétero” escorreu de seus olhos quando da notícia de que Jô partira dessa pra uma pior (sim, uma pior – ou você não preferia o paletó de madeira a ter de abandonar a camisa do Galo?).

O atleticano não chora exatamente por Jô. Chora por Jô, Ronaldinho, Tardelli e Bernard – chora o fim de seu quarteto mágico, responsável em boa medida pelos dias mais felizes da sua vida, a fase mais gloriosa da história de 107 anos do nosso Galo. O atleticano chora porque sabe que o melhor Atlético de todos os tempos é agora apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!

Guilherme também saiu. Levou com ele o gol salvador aos 50 minutos do segundo tempo, depois que Deus desligou o disjuntor e surgiu, na magia daquele estádio escuro, o grito de “Eu acredito” – justo no meu aniversário, o presente de todos os presentes.

Guilherme vai embora levando com ele os dois gols contra o Corinthians na Copa do Brasil de 2014. Daqui de São Paulo, eu vi o Atlético calar uma cidade inteira, expandindo suas fronteiras de túmulo do samba. E no apito final, que não vi por falta de coragem, chorei meus 19 anos de imigrante, longe do meu Galo, da minha infância e da minha adolescência. Chupa, Tucanistão dos inferno, casa do diabo e do Geraldo Alckmin! Chupa, aquela colega na redação da Veja, que dizia ser o meu sotaque igual ao do Nerso da Capitinga! Chupa, revista Veja! Chupa, Curintia, que tirou da gente o título de 1999, na mão grande e dentro da área!

Pra sempre o atleticano será grato a Guilherme. Mas, quando o Alzheimer não permitir mais que a gente reconheça nossos próprios netos, você ainda fará questão de mostrar àqueles estranhos à sua frente a peitada de Jô e Ronaldinho. Talvez, ao fim e ao cabo, seja essa a imagem que nos restará na memória. Noves fora todos os amores, os traumas, as viagens internacionais, o nascimento dos filhos, lá estarão, firmes e fortes, Jô e Ronaldinho subindo no ar como dois galos de briga – dois chesters de peito protuberante, celebrando o direito por tanto tempo negado ao atleticano de ser plenamente feliz.

O Galo que jogou quarta-feira é o pós-Atlético do quarteto mágico; o pós-Atlético de Guilherme. É o Galo de Jemerson, Pratto e Thiago Ribeiro. É o Galo, ainda, de Victor e Leonardo Silva, de Leandro Donizete, Marcos Rocha e Luan. O quarteto mágico da Libertadores operou um milagre sem volta: podem mudar os jogadores, o Galo nunca mais vai se apequenar. Nunca mais. E esse é o maior legado desse pessoal.

Na quarta-feira, ao mesmo tempo em que via o Galo, assistia ao golpe perpetrado no Congresso Nacional pela figura asquerosa de Eduardo Cunha, esse projeto de Hitler em terno mal cortado. Ora o nosso Galo, ora o desfile grotesco de deputados anônimos eleitos por seus patrões sabe-se lá como. A treva e a luz – o fundamentalismo religioso e o fundamentalismo atleticano. Também foi de chorar, e confesso que chorei. No dia seguinte, as redes sociais e o próprio Cunha golpista faziam troça: “O choro é livre”. Só o Galo salva.

Tags: atleticomg Fred Melo Paiva Da Arquibancada