Moro em São Paulo há 20 anos, e por conta desse destino (salve, Belchior!) o Corinthians é o meu Cruzeiro – o arquirrival particular desde 1999, quando perdemos para eles o tão sonhado Brasileiro, esse título impossível. Na mão grande e literalmente: um pênalti claríssimo, uma mão na bola faltando cinco minutos pra terminar o derradeiro confronto. Como atleticano exilado, eu tinha um plano: se fôssemos campeões, dirigiria até a fronteira. E passaria ali mesmo, na Fernão Dias, a noite mais feliz da vida. Saí do Morumbi e voltei pro Butantã esperando uma noite insone sob o foguetório dos caras. Não durou 30 minutos. A Fiel, meus amigos, é uma lenda.
Com o passar dos anos, o corintiano maloqueiro e sofredor mostrou-se também uma farsa: não tem nada de sofredor nem de maloqueiro. Levam tudo de mão beijada, jogos, campeonatos, patrocínios oficiais, estádio, a mesada obesamente mórbida da TV. Têm a sorte daqueles que nasceram com o fiofó pra lua. Montam e desmontam o time, e a coisa continua funcionando. Contratam o Tite, aquele que nos levou à Série B, e ele vira gênio. Até Mundial sem Libertadores fizeram a mágica de conquistar. Compraram o Guilherme, e vai fazer um ano que não se machuca. Se o corintiano é sofredor, o que seremos nós?
Ganhar do Corinthians é ganhar da Globo, do Galvão, do Ronaldo (“Eu não tenho culpa, votei no Aécio”), da CBF, do STJD, do milionário paulista de que o Nelson Rodrigues falou, da Fiesp, do capital que renega o Estado, mas mama nessa teta desde 1500 (Oi?). Ganhar do Corinthians é um ato político, um dever cívico que você cumpre com a lama lavada. É por isso que a cada do gol do Atlético contra esse pessoal eu faço questão de me dirigir a todos. Primeiro vou ao quintal, para que os vizinhos do fundo sejam notificados da minha alegria: “Gaaaaaalooo”. Depois atravesso a casa, abro o portão e vou até a rua, para dar ciência aos moradores da frente: “Gaaaaaalooo”. Como moro numa casa conjugada, não há janelas laterais. Então eu soco cada uma das paredes repetidas vezes, de modo a registrar que “aqui é Galo, p...”. Ao final, vitorioso, dou uma volta no quarteirão – e desfilo o manto sagrado, a pretexto de passear com o cachorro.
Por aqui o corintiano ficou revoltado com o jogo de quarta-feira: mesmo tendo roubado da gente um pênalti claro, sentiu-se subtraído em razão do “erro” do bandeirinha no gol de Fred. Mas, conforme notou um gaiato nas redes sociais, o lance foi totalmente legal: um jogador do Corinthians – no caso, o próprio bandeirinha – dava condições a Marco Rocha. “Não tem coré-coré”, diria o Kafunga, “gol barra limpa”. Um outro internauta atentou para um fato incontestável: “Contra o Corinthians não é roubo, é reembolso”. Hahahaha.
Neste domingo é contra o América. Se a gente ganha, a coisa já vai começar a ficar épica, do jeito que o atleticano gosta: e lá vamo nóis escalando a tabela, igual o Robert de Niro subindo a montanha em A Missão. Deus, se existir, que nos abençoe. São Victor que nos ajude e guarde! Na véspera do “clássico das multidões”, o americano deve se sentir igual eu contra o Corinthians – o cara quer ganhar de qualquer jeito, dever cívico e tal. A diferença é que eu existo – o americano, tirando meu amigo Paulo Vilara, é uma ficção. Foram reservados mais de 9 mil ingressos pra torcida do América. Eles acham que enganam quem?
E o Cazares (foto)? A gente não pode ficar falando essas coisas, mas o Cazares tem um jeito do Reinaldo... A estatura e a cara de menino, o jeito de tocar na bola, aquele drible entre as pernas do Cássio, a mais absoluta calma pra botar a bola pra dentro. Como o Rei, um cara desprovido da marra dos craques atuais – capaz do gesto humano de consolar um adversário que entregou a rapadura. Cazares é como a crase para o poeta Ferreira Gullar: ela não está aí pra humilhar ninguém. Mas que humilha, humilha.
DA ARQUIBANCADA
Gaaaaaaaaaaaaaaaaaaloooo
Como moro numa casa conjugada, não há janelas laterais. Então eu soco cada uma das paredes repetidas vezes, de modo a registrar que "aqui é Galo, p..."
postado em 25/06/2016 12:00