Atlético
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DA ARQUIBANCADA

Gaaaaaaaaaaaaaaaaaaloooo

Como moro numa casa conjugada, não há janelas laterais. Então eu soco cada uma das paredes repetidas vezes, de modo a registrar que "aqui é Galo, p..."

postado em 25/06/2016 12:00

Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
Moro em São Paulo há 20 anos, e por conta desse destino (salve, Belchior!) o Corinthians é o meu Cruzeiro – o arquirrival particular desde 1999, quando perdemos para eles o tão sonhado Brasileiro, esse título impossível. Na mão grande e literalmente: um pênalti claríssimo, uma mão na bola faltando cinco minutos pra terminar o derradeiro confronto. Como atleticano exilado, eu tinha um plano: se fôssemos campeões, dirigiria até a fronteira. E passaria ali mesmo, na Fernão Dias, a noite mais feliz da vida. Saí do Morumbi e voltei pro Butantã esperando uma noite insone sob o foguetório dos caras. Não durou 30 minutos. A Fiel, meus amigos, é uma lenda.

Com o passar dos anos, o corintiano maloqueiro e sofredor mostrou-se também uma farsa: não tem nada de sofredor nem de maloqueiro. Levam tudo de mão beijada, jogos, campeonatos, patrocínios oficiais, estádio, a mesada obesamente mórbida da TV. Têm a sorte daqueles que nasceram com o fiofó pra lua. Montam e desmontam o time, e a coisa continua funcionando. Contratam o Tite, aquele que nos levou à Série B, e ele vira gênio. Até Mundial sem Libertadores fizeram a mágica de conquistar. Compraram o Guilherme, e vai fazer um ano que não se machuca. Se o corintiano é sofredor, o que seremos nós?

Ganhar do Corinthians é ganhar da Globo, do Galvão, do Ronaldo (“Eu não tenho culpa, votei no Aécio”), da CBF, do STJD, do milionário paulista de que o Nelson Rodrigues falou, da Fiesp, do capital que renega o Estado, mas mama nessa teta desde 1500 (Oi?). Ganhar do Corinthians é um ato político, um dever cívico que você cumpre com a lama lavada. É por isso que a cada do gol do Atlético contra esse pessoal eu faço questão de me dirigir a todos. Primeiro vou ao quintal, para que os vizinhos do fundo sejam notificados da minha alegria: “Gaaaaaalooo”. Depois atravesso a casa, abro o portão e vou até a rua, para dar ciência aos moradores da frente: “Gaaaaaalooo”. Como moro numa casa conjugada, não há janelas laterais. Então eu soco cada uma das paredes repetidas vezes, de modo a registrar que “aqui é Galo, p...”. Ao final, vitorioso, dou uma volta no quarteirão – e desfilo o manto sagrado, a pretexto de passear com o cachorro.

Por aqui o corintiano ficou revoltado com o jogo de quarta-feira: mesmo tendo roubado da gente um pênalti claro, sentiu-se subtraído em razão do “erro” do bandeirinha no gol de Fred. Mas, conforme notou um gaiato nas redes sociais, o lance foi totalmente legal: um jogador do Corinthians – no caso, o próprio bandeirinha – dava condições a Marco Rocha. “Não tem coré-coré”, diria o Kafunga, “gol barra limpa”. Um outro internauta atentou para um fato incontestável: “Contra o Corinthians não é roubo, é reembolso”. Hahahaha.

Neste domingo é contra o América. Se a gente ganha, a coisa já vai começar a ficar épica, do jeito que o atleticano gosta: e lá vamo nóis escalando a tabela, igual o Robert de Niro subindo a montanha em A Missão. Deus, se existir, que nos abençoe. São Victor que nos ajude e guarde! Na véspera do “clássico das multidões”, o americano deve se sentir igual eu contra o Corinthians – o cara quer ganhar de qualquer jeito, dever cívico e tal. A diferença é que eu existo – o americano, tirando meu amigo Paulo Vilara, é uma ficção. Foram reservados mais de 9 mil ingressos pra torcida do América. Eles acham que enganam quem?

E o Cazares (foto)? A gente não pode ficar falando essas coisas, mas o Cazares tem um jeito do Reinaldo... A estatura e a cara de menino, o jeito de tocar na bola, aquele drible entre as pernas do Cássio, a mais absoluta calma pra botar a bola pra dentro. Como o Rei, um cara desprovido da marra dos craques atuais – capaz do gesto humano de consolar um adversário que entregou a rapadura. Cazares é como a crase para o poeta Ferreira Gullar: ela não está aí pra humilhar ninguém. Mas que humilha, humilha.

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