Atlético
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DA ARQUIBANCADA

E o vento virou

"O gol do General, guardadas todas as proporções, é o pênalti que o Riascos perdeu"

postado em 30/07/2016 12:00

ALE VIANNA/ELEVEN/ESTADAO CONTEUDO SP

Apenas nessa sexta-feira recebi meu exemplar de “O Milagre do Horto”, o livro que reúne relatos emocionados de 39 atleticanos sobre aqueles dois minutos compreendidos entre o momento em que o juizão marcou o pênalti e a defesa de Victor com a perna esquerda de Deus. No Horto, onde os fracos não têm vez. No dia em que a Terra parou. O futebol, meus amigos, não tem nada a ver com futebol.

“Ao amigo Fred”, escreveu Victor na orelha do meu livro, “obrigado por deixar o ateísmo de lado e acreditar nesse milagre”. O Victor tem razão: houve também esse milagre da minha conversão – de cético total passei a crer em qualquer coisa, Papai Noel, duende, Aguirre, disco voador, o homi lá em cima.

No texto que coube a este escriba, repeti a crônica publicada aqui dois dias depois do jogo contra o Tijuana: “E agora, o que faço eu com meu ateísmo? Ele caiu no Horto, morreu. Daqui pra frente, quando alguém vier me dizer que somos poeira das estrelas, que o mundo nasceu no Big Bang, perguntarei: mas e aquele pênalti? E aquela perna esquerda aos 48 do segundo tempo? Foi Deus, foi tudo Deus – a perna esquerda de Deus”. O problema foi eu ter ultrapassado a orelha do livro já tarde da noite, e embrenhado por aqueles testemunhos de fé que nem a bancada evangélica inteira seria capaz. Pouco antes das 5 da manhã, embebido em lágrimas como Alice no fundo do buraco, havia atravessado suas 141 páginas – e por isso sou agora um zumbi batucando as teclas do computador. Um zumbi de alma lavada, agradecido à vida e sobretudo ao Riascos, o nosso santo negro – nosso São Benedito.

Riascos, meu ídolo, eu tô igual ao Reginaldo Rossi: eu não presto mas eu te amo. Aconteça o que acontecer, esteja você na merda que estiver, é só ligar pra gente. O Roberto Carlos queria ter um milhão de amigos, você tem é 8 milhões! Tudo amigo de fé, irmão camarada! Confesso que tenho até uma certa inveja do Vasco – sinceramente, eu queria você no Galo. Mas deixa isso pra lá, porque a inveja é um Cruzeiro.

Da minha madrugada empapada em lágrimas emerge também uma verdade inconveniente: somos todos retardados. Não há um atleticano que se salve dessa sina. Veja o meu próprio exemplo. Na coluna passada, jurei nunca mais pisar num estádio de futebol, revoltado que estava com o preço dos ingressos. Cancelei o Premiere, quebrei meu Galo na Veia. Nem bem a coluna tinha saído do forno, estava eu no Allianz Parque, tentando me disfarçar com um boné do Estudiantes. O GNV eu arrumei com um durex.

Fui, vi e venci. Antes do jogo, confesso, eu tava como a gente esperando o Riascos partir pra bola: apenas aguardava a tragédia anunciada. Ambas as equipes encontravam-se desfalcadas de Jesus. Ao contrário das guerras religiosas, porém, o Jesus deles era melhor do que o nosso, o que parecia equilibrar o jogo. Mas ainda assim, temia pelo pior. Olhava aquele estádio lotado, o Cuca no banco dos caras, e pensava, com minha costumeira elegância: fodeu.

O gol do General, guardadas todas as proporções, é o pênalti que o Riascos perdeu, porque ele sim é um cara elegante e não podia fazer aquilo com a gente. Agora, o vento virou e eu ninguém mais segura – não haverá mais um único ponto perdido, ganharemos todas numa arrancada fenomenal rumo ao topo. Da zona do rebaixamento ao título impossível – pronto, voltamos aos nossos roteiros de Hollywood, nossas novelas do Aguinaldo Silva. Um capítulo dessa trama passa hoje no Horto. Eu sou Santa Cruz lá no Recife, como manda o partido. Mas nada se pode fazer a não ser abatê-los com nosso fogo amigo. Infelizmente estaremos ajudando os outros times do futebol mineiro, afundados na fossa da tabela. Paciência.

(Hoje, a partir das 17h, na Arena do Espeto, “O Milagre do Horto” estará sendo vendido a R$ 47,57 – o valor é o tempo exato em que Riascos partiu pra bola. Toda a renda é revertida para instituições de caridade.)

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