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TIRO LIVRE

Para reacender a chama

Devolver a adrenalina ao torcedor talvez seja o maior desafio desse clássico que está em ritmo de slow motion

postado em 06/03/2015 12:00 / atualizado em 06/03/2015 17:11

Rodrigo Clemente/EM/D.A Press


O clássico de domingo entre Cruzeiro e Atlético a cada dia mais ganha o sabor do jogo que a gente gostaria de ver, e não do jogo que possivelmente vamos ver. É uma espécie de nostalgia antecipada, um saudosismo daquilo que nem sabemos ainda se voltaremos a viver, sentimentos cada vez mais comuns em tempos de velocidade cibernética, na vida e no futebol. O primeiro duelo do ano entre os arquirrivais está com aquele gosto de comida sem tempero, dia de céu nublado ou samba atravessado. Uma expectativa quase incolor, inodora e insípida. Ou seria exagero?

Curioso é que, na teoria, a impressão deveria ser diametralmente oposta. Afinal, será o encontro do bicampeão brasileiro com o campeão da Copa do Brasil. Em campo, estarão duas equipes que na temporada passada encantaram o país, cada qual à sua maneira. A Raposa, de Marcelo Oliveira, com seu futebol empolgante. O Galo, de Levir Culpi, com viradas de fazer arrepiar até o mais gélido dos mortais. Ingredientes suficientes para sacudir as torcidas, mexer com jogadores e dirigentes. Na prática, no entanto, não está sendo bem assim. A véspera do clássico está low-profile até demais, um marasmo só. Sem grandes mobilizações. Até os clubes estão dando demonstração dessa reticência, haja vista o fato de o Atlético requerer apenas 1.050 ingressos dos 6 mil a que tinha direito.

Há algumas explicações para isso. A instabilidade (até natural) das equipes neste início de 2015 é a primeira delas. Os times ainda estão em formação, ainda buscam uma identidade – e os torcedores reagem mineiramente. Um pé atrás, como convém aos nascidos entre as montanhas. Além disso, as lesões parecem sempre à espreita, prontas para atingir o músculo alheio e desfalcar ainda mais os times. E, nessa toada, os treinadores quebram a cabeça, entre vaias, pedidos de “raça” e gritos de “burro”.

Também podemos atribuir um pouco da culpa à inveja. Afinal, o Gre-Nal com gremistas e colorados lado a lado nos remeteu diretamente ao período pré-preparativos para a Copa do Mundo, quando o velho Mineirão era metade celeste e metade alvinegro nos clássicos. Atire a primeira pedra quem não tem saudades daqueles tempos. E olhem que faz apenas cinco anos, mas já soa como aquelas imagens de décadas atrás. Uma história que contaremos aos nossos filhos e netos, como fazem nossos avós quando relatam os tempos em que andavam de bonde por BH ou quando se viram diante de um aparelho de TV pela primeira vez. Imagino até o diálogo. “Meu filho, antigamente nos estádios havia torcedores das duas equipes. Nem sempre a convivência era cordial, mas eles se aturavam. Se encontravam pelas ruas e até provocavam uns aos outros. Mas se aturavam”, dirá o pai/mãe a uma criança com olhar incrédulo, sem entender como isso era possível.

Devolver a adrenalina ao torcedor talvez seja o maior desafio desse clássico, que está em ritmo de slow motion. Mostrar à torcida que, mesmo com desfalques e sem rumo, em campo estão duas camisas de tradição. E ainda que o Mineirão não esteja lotado, cada pessoa que estará nas cadeiras merece assistir a um bom espetáculo. Já está mesmo na hora de Cruzeiro e Atlético começarem a acertar o pé. O carnaval passou, o ano efetivamente começou, então vamos aumentar a rotação nas quatro linhas. É momento de os candidatos a ídolo crescerem e aparecerem. De Marcelo e Levir tirarem suas cartas das mangas, os coelhos da cartola e todas as demais artimanhas, como fizeram tão bem em 2014.

Entramos em março e a sensação ainda é de ressaca do Réveillon. Cruzeiro e Atlético não engrenaram. Estão num ponto demasiadamente morto, em vez de engatarem a primeira e arrancarem. Chega de marasmo, né?! Que o duelo deste domingo reacenda a chama dos rivais mineiros. Que devolva a sintonia entre times e torcidas. Que faça o coração dos torcedores acelerar de emoção novamente. Senão, corremos o risco de ter um 0 a 0 daqueles bem sem graça. E no futebol a graça está justamente na bola na rede.

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