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TIRO LIVRE

Simbiose perfeita

Cuca foi tão importante para mudar a trajetória do Atlético quanto o Atlético foi determinante para que Cuca reescrevesse sua história como treinador

postado em 22/07/2016 12:00 / atualizado em 22/07/2016 08:06

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Nem todo mundo tem a sorte de viver um amor à primeira vista. Mas é amor mesmo, nada de paixão, atração física ou afinidade. O amor na acepção da palavra, construído com altas doses de parceria, confiança e respeito, imune às intempéries da vida e que, mesmo quando acaba, deixa uma lembrança boa, daquelas que arrancam um sorriso de canto de boca quando você se lembra da pessoa ou de algo vivido ao lado dela. Com Cuca e Atlético, definitivamente, não foi amor à primeira vista. A relação custou a engrenar, os dois viveram momentos bem conturbados e a separação, por vezes, foi ventilada. Mas justamente aí está a prova de que houve (e ainda há) amor: eles superaram cada adversidade e subiram juntos, degrau por degrau, até o topo. E não foi qualquer topo. Foi o topo da América.

Desde então, Cuca é aquele cara que desperta o tal sorriso no atleticano. E o reencontro entre eles no domingo, exatos 946 dias depois do adeus, é resultado de uma conjunção astral quase perfeita. Quis o destino que o Galo e o treinador voltassem a ficar frente a frente logo em um 24 de julho, data eternizada no calendário alvinegro como o da mais épica conquista de sua história. Faltou apenas que esse Atlético x Palmeiras fosse no Mineirão.

É de se esperar um encontro emotivo, até pela personalidade de Cuca, embora o time que foi campeão continental com ele seja, hoje, mera foto na parede – da equipe atleticana que entrará em campo no Allianz Parque, estiveram na final da Libertadores de três anos atrás apenas o goleiro Victor e o zagueiro Leonardo Silva. Inclusive o jeito do Galo de atuar sofreu mutação: nos cinco meses em que foi comandada pelo uruguaio Diego Aguirre nesta temporada, a equipe adotou postura mais defensiva, diferentemente do que pregava tanto Cuca quanto Levir Culpi, seu sucessor. Estilo que Marcelo Oliveira tenta, aos poucos resgatar, já que também é adepto de um futebol mais ofensivo.

A imagem mais marcante da passagem de Cuca pelo Atlético certamente foi a do momento em que o paraguaio Gimenez acertou a trave direita de Victor, encerrando a cobrança de pênaltis e decretando a conquista do título pelo Galo. Cuca, que estava assistindo às penalidades ajoelhado, com as mãos postas, desabou no gramado. Quase cinco meses depois, no Marrocos, ele se despedia do clube com o terceiro lugar do Mundial de Clubes, após triunfo por 3 a 2 sobre o chinês Guangzhou Evergrande.

Em pouco mais de dois anos no Galo, Cuca viveu os dois lados da moeda. Não foram poucas as agruras, até o caso de amor entre o treinador e a torcida se consolidar. A trajetória começou com seis derrotas seguidas, em agosto de 2011, mas aquela sequência inicial ruim foi fichinha perto do que estava por vir. Cuca conseguiu livrar o alvinegro do rebaixamento no Brasileiro, mas despediu-se da competição com a goleada por 6 a 1 sofrida para o arquirrival, Cruzeiro. E esse resultado perseguiu o treinador de forma implacável até aquele 24 de julho de 2013.

Na reapresentação do Atlético em 9 de janeiro de 2012, um grupo de torcedores foi à porta da Cidade do Galo “recepcionar” jogadores e comissão técnica com cartazes contendo duras palavras. “Até Judas teve mais dignidade, covardes”, dizia uma das faixas. Na estreia no Mineiro (vitória por 2 a 0 sobre o Boa, na Arena do Jacaré), mais faixas e gritos de “vergonha” quando os jogadores entraram em campo. Assim que a bola rolou, parte da torcida ficou de costas para o campo durante seis minutos. A manifestação se repetiu em outras partidas do Estadual. “Temos um acerto de contas com o torcedor, vamos procurar pagar a dívida jogando com raça e muito amor”, afirmou Cuca na ocasião. E essa dívida, de fato, foi paga.

O Galo foi campeão mineiro. No segundo semestre, com a chegada de Ronaldinho Gaúcho, indicado pelo comandante, o alvinegro iniciou sua ascensão. Bateu na trave no Brasileiro, disputando o título, na reta final, rodada a rodada com o Fluminense, mas ali Cuca forjou o grupo campeão. No início de 2013, ele recebeu Diego Tardelli, fechando o chamado “quadrado mágico”: Ronaldinho, Tardelli, Bernard e Jô. Jogando para frente e em velocidade, sedimentou o caminho rumo à taça da Libertadores, não sem sofrimento: teve pênalti defendido com o pé esquerdo de Victor, viradas improváveis e gols nos minutos finais.

Cuca foi tão importante para mudar a trajetória do Atlético quanto o Atlético foi determinante para que Cuca reescrevesse sua história como treinador. Eles viveram uma simbiose absoluta. Um caso de amor que, se não foi à primeira vista, se tornou inesquecível.

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