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TIRO LIVRE

O reencontro dos meninos da Vila

Muito gentil, Geninho me revelou o motivo da viagem: estava ali para observar o loirinho Diego, de 16 anos

postado em 28/10/2016 12:00 / atualizado em 28/10/2016 12:08

Marcelo Ferrelli / Gazeta Press
Há parcerias que, de tão afinadas, resistem ao tempo. A culinária e o futebol costumam ser terreno fértil para eternizar tais dobradinhas. Tipo goiabada com queijo, arroz com pequi, pipoca com guaraná, Tostão e Dirceu Lopes, Romário e Bebeto, Guilherme e Marques... Amanhã, o Mineirão será palco do reencontro de uma dessas duplas marcantes, que cresceu, apareceu, rodou o mundo e depois de 12 anos voltará se reunir em um gramado brasileiro, agora em lados opostos: os ex-meninos da Vila Robinho e Diego.

Eles não são mais aqueles garotos de outrora, recém-saídos da adolescência, que encantaram o país na conquista do Brasileiro de 2002 com o Santos. As pedaladas irreverentes do menino Robson. A técnica apurada e a visão de jogo do promissor camisa 10. Lembro-me bem da primeira vez em que ouvi falar da dupla. Era repórter iniciante do Estado de Minas quando fui destacada pelo editor Daniel Gomes para fazer a cobertura da final da Taça BH de Futebol Júnior de 2001, Cruzeiro x Santos, no Castor Cifuentes, em Nova Lima.

No estádio, a tribuna era precária, sem camarotes para dirigentes, etc. Lá estava Geninho, então técnico do time profissional do Peixe. Ele tinha ido à cidade acompanhar as futuras joias – nem teria tempo de pôr a ideia em prática, já que seria demitido logo nas primeiras rodadas do Brasileiro daquele ano, num capricho do destino, já que ele assumiria mais tarde o Atlético-PR e levaria o Furacão ao título brasileiro.

Voltando ao Alçapão do Bonfim. Ao ver o treinador, me aproximei dele para entrevistá-lo. Muito gentil, Geninho me revelou o motivo da viagem: estava ali para observar o loirinho Diego, de 16 anos. O garoto nem atuou os 90 minutos. Foi substituído no meio do segundo tempo. Um ou outro toque bonito na bola, visão de jogo, mas esteve longe de ser decisivo – o time celeste sagrou-se campeão.

No ano seguinte, Diego foi promovido de forma mais badalada que Robinho ao profissional. Celso Roth pinçou os meninos na base, mas foi Emerson Leão quem colheu os frutos. Tão logo começou o Brasileiro, eles já eram notícia. Tinham fã-clube e tudo. Na primeira vinda ao Mineirão, mereceram tratamento de superstar. Era um 12 de outubro, e o adversário, de novo, o Cruzeiro. Naquela época, os ônibus das delegações estacionavam no hall do estádio. Os dois foram os últimos a descer do veículo, cercados por seguranças, para que ninguém se aproximasse. O jogo terminou com goleada santista por 4 a 1, e um dos gols foi de Robinho. Depois da partida, o mesmo status de estrela. Seguranças, correria para o ônibus, nada de fotos, autógrafos ou entrevista. Eram dois garotos: Robinho com 18 anos, Diego com 17. Confesso que fiquei assustada com a entourage para protegê-los, daí a lembrança ainda viva daquele dia.

Eles, de fato, brilhavam. Um completava o outro. Robinho vinha com seu talento temperado pela ginga brasileira. Diego era o jogador cerebral, um principezinho em campo. A história da sintonia da goiabada com queijo. Os cronistas da época, contudo, apostavam todas as fichas no camisa 10. Seria ele o dono do maior potencial para brilhar mundo afora. O enredo não foi bem esse. Em 12 anos na Europa, Diego viveu de altos e baixos. Começou sua jornada pelo Porto, passou por Werder Bremen. Juventus, Wolfsburg, Atlético de Madrid e Fenerbahce até chegar ao Flamengo. Pelo que se desenhou no início da carreira, a sensação é de não vingou na proporção do que seu cartão de visitas fazia supor.

Coube a Robinho vestir a camisa de clubes de maior peso, embora ele também não tenha explodido como esperado. De cara, desembarcou no ainda galático Real Madrid, para atuar ao lado de estrelas do naipe de Zidane, Ronaldo e Beckham. No Velho Continente, defendeu ainda Manchester City e Milan, neste último intercalando com retornos à Vila Belmiro. No segundo semestre do ano passado, seu período de maior ostracismo, no chinês Guangzhou. Até ser resgatado pelo Atlético, onde voltou a pedalar – no ritmo de seus 30 e poucos anos, é verdade.

Se jogos entre Atlético e Flamengo costumam pegar fogo pelo clima de rivalidade, não esperem de Robinho e Diego nenhuma atmosfera bélica. Mais do que meros colegas de profissão, eles são amigos. “Irmãos”, destaca Robinho. O duelo vem sendo aguardado pelos dois desde o início do Brasileiro. Bem ao seu estilo espirituoso, o atleticano até avisou: “Espero que eu possa dar uma caneta nele e que possa fazer gol”. Que digladiem mesmo em campo amanhã, com as armas do futebol que já mostraram usar tão bem. As duas torcidas vão agradecer.

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