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ENTREVISTA

Um ano depois do ouro olímpico, Rogério Micale vive novo desafio, agora no Atlético

Depois de comandar o time que conquistar o único título que faltava ao Brasil, técnico hoje tem outra missão: conseguir a sexta classificação consecutiva do Galo à Libertadores

postado em 20/08/2017 10:00 / atualizado em 19/08/2017 15:43

Jair Amaral/EM/D.A Press

20 de junho de 2016. Numa agradável noite de inverno no Rio de Janeiro, o Maracanã se transformou em palco da única conquista que faltava ao futebol brasileiro: o ouro olímpico, que veio com vitória nos pênaltis sobre a Alemanha. Mentor daquele projeto vencedor, o técnico Rogério Micale se vê diante de um grande desafio hoje, exatamente um ano depois daquele dia de glória: fazer o Atlético a se reerguer depois de eliminações na Copa do Brasil e na Libertadores. Mesmo que os objetivos sejam menos ambiciosos a partir de agora – o alvinegro tenta apenas terminar entre os seis primeiros do Brasileiro para se classificar à Libertadores de 2018 –, o treinador, que não está garantido no ano que vem, tenta encarar com seriedade os últimos meses da temporada para dar solidez ao time alvinegro, que conta com astros como Robinho e Fred. “Acredito neste clube e no grupo. Conheço as pessoas que trabalham aqui. Vou me dedicar e fazer o que precisa ser feito para que eu possa seguir minha carreira”, afirma Micale. Ao Superesportes/ Estado de Minas, o comandante atleticano fala de sua relação com Tite depois que deixou a CBF, o dia a dia no Galo e os planos para a carreira.

Qual é o maior legado que você deixou com o ouro olímpico? O que esta conquista representou para você?

Vivíamos um momento de crise muito grande, pelo que havia ocorrido na Copa do Mundo na nossa casa, que gerou um trauma difícil e um peso grande. Vivemos uma imensa depressão pós-Copa. Nenhum jogador servia, os treinadores brasileiros não prestavam mais. O legado foi poder resgatar nossa autoestima como equipe e mudar essa pressão para depois vir a retomada nas Eliminatórias. Trouxe um clima melhor, culminando no excelente trabalho do Tite, que conseguiu classificação antecipada à Copa. Na minha carreira, a Olimpíada foi um marco, me proporcionou chances como esta de estar aqui hoje e ter portas abertas para mostrar meu trabalho em outros países.

Durante os Jogos do Rio, você comandou um Neymar em fase de fortes críticas. Hoje ele vive outro momento. Você o vê preparado para ser protagonista no PSG e lidar com essa pressão de trazer títulos e de ser o jogador mais caro do mundo?

Ele está preparado. Era questão de tempo, ele sabe o que ele representa. O Neymar está maduro, não só como jogador, mas como homem. Faz parte de equipes coletivas muito boas, que vem tornar o nível individual mais forte. É o nosso número 1, faz a diferença num jogo difícil. Ele vive um excelente momento e se tudo der certo, vai se firmar como o melhor do mundo.

Como será seu retorno ao Maracanã, palco da medalha olímpica, mas agora com esse novo desafio, de recuperar o Atlético?

Vai passar aquela história toda, vou olhar para cima e lembrar o Maracanã cheio, um momento bacana. Mas meu foco é todo no Atlético, um jogo que a gente precisa pontuar, contra uma equipe difícil, rápida, intensa. Precisamos estar muito concentrados.

Jair Amaral/EM/D.A Press
Depois da saída conturbada da Seleção, você demonstrou certa mágoa com o Tite. Houve algum contato com ele?
 
Profissionalmente, não. Nó nos encontramos uma vez, no Rio. Eu morava na Barra da Tijuca e conversamos. Ficamos de marcar para conversar mais. Ele foi cordial, educado, assim como eu fui com ele. Faz parte do passado. Já expus meu ponto de vista, o que não achei correto no momento do desligamento. E já passou. O sucesso do Tite é o sucesso do treinador brasileiro. Ele nos representa e vai abrir portas em mercados onde temos as portas fechadas. Desejo todo o sucesso a ele. É um ótimo profissional, de muita qualidade. Com o tempo, vamos voltar a conversar. Da minha parte, não há sentimento ruim.

Vários treinadores jovens passaram a ter espaço no Brasil recentemente, como Jair Ventura (Botafogo), Fábio Carille (Corinthians), Zé Ricardo (Flamengo) e Roger Machado, que recentemente deixou o Atlético. Você acredita que essa chance no Atlético é a ideal para alavancar seu espaço?

Quando você almeja algo e tem a oportunidade de trabalhar num clube com a estrutura e a grandeza do Atlético, é evidente que quer aproveitar. No que depender do meu trabalho, em termos de planejamento e estrutura, vou fazer tudo para conseguir os resultados, almejando um futuro. Quem não quer trabalhar num clube como o Atlético? Todo mundo.

Você está começando a carreira em times profissionais. Quando você recebeu o convite do Atlético, chegou a pensar no momento do clube, envolvido em jogos decisivos, sem tempo para ajustes? 

Pensei, logicamente. O risco era imenso, como é. Assumir um clube em meio a disputas e com risco de eliminações é perigoso. Mas me sinto em casa, era a minha grande oportunidade. Vejo um grupo de muita qualidade, jogadores com potencial. Então, você põe na balança. Achei que valia a pena e não me arrependo. O tempo foi pouco, o calendário é apertado e em momento algum pus isso como justificativa para os maus resultados. Mas acredito neste clube e no grupo. Conheço as pessoas que trabalham aqui. Vou me dedicar e fazer o que precisa ser feito para que eu possa seguir minha carreira.

O Atlético estava em momento turbulento quando você chegou. Hoje o ambiente está como você gostaria?

Vejo todos se empenhando ao máximo, querendo dar uma resposta. Eles sabem que o clube se acostumou a decisões, a figurar no top 5 do Campeonato Brasileiro. E ficaram incomodados com o que aconteceu. E se incomoda já dá um recado de que não existe ninguém acomodado, todos estão desconfortáveis. Como a gente sai dessa situação? Trabalhando, vendo onde estamos errando, com relacionamento interno. Temos que nos fortalecer mais como grupo, como pessoas que estão vivendo um momento difícil. Se em um momento difícil na sua casa, você pega um filho, um irmão ou um pai e dá um chute na bunda, a tendência é piorar. Temos que nos fechar como grupo, como pessoas que têm um objetivo em comum.

Mesmo que atinja o objetivo de ir à Libertadores, você teme não seguir no clube em 2018?

Não seria frustrante, não penso nisso. Somos movidos a desafios e objetivos. Se o objetivo e o desafio hoje são esse, ponto. Daí para adiante é outra vida. Vamos ver se permanecemos, se vamos para outro lugar. O que eu quero hoje está muito claro: alcançar o G-6 e colocar o Atlético na Libertadores. O que vai ocorrer comigo ou com qualquer outra pessoa, se vamos usufruir disso ou não, agora não importa. O que importa é estarmos lá, porque, se a gente não estiver, vamos lamentar que fomos incapazes de estar lá. Depois, podemos lamentar que colocamos o clube lá e não estamos lá. Mas o sentimento vai ser de que colocamos. Depois se decide o resto, até porque teremos eleições. Há todo um processo a acontecer.

Jair Amaral/EM/D.A Press
Como administrar a decisão de tirar da equipe titular jogadores badalados como Robinho e Fred?

Primeiro, tem de ser transparente. Errar, eu vou errar, assim como todos erram. A gente fala do Robinho e do Fred, mas poderia falar do Elias, do Rafael Carioca. Tenho uma ideia de equipe, mas estou buscando uma equipe. Existe uma considerada titular e eles vão ter de lutar muito para se manter no time. Vou observar os que não são titulares e, se eles crescerem de rendimento no dia a dia, precisam ver que há a possibilidade de se tornarem titular. Quero um ambiente de transparência, em que ninguém é sacana com ninguém. Existe o momento de determinado jogador. O outro tem de trabalhar para voltar. Simples. Tem gente que envolve outros fatores e quer transferi-los para campo, como histórico, holerite. Isso não pode ser determinante. O que resolve é em campo.

Como recuperar o Robinho?

Ele trabalhar bastante, treinar mais, como tem feito, como está se doando. Quando tiver oportunidade, vai desenvolver tudo que tem potencial. Pronto, estamos com Robinho de novo. Não que ele não tenha feito, mas todos estão abertos a ter chance, por isso me dou o direito de ver outros.

Você vê espaço para o Robinho hoje no time, uma função em que ele se sinta à vontade?

Ele vai ter de cumprir o que está determinado. Entra a performance. Se cumprir, tranquilo. Se não cumprir, vem outro, até acharmos quem faça. Tento ser transparente com meus atletas, quero todos seguros. Também não é porque o cara errou que ele vai sair do time.

A comissão técnica e a diretoria conseguiram avaliar em quais posições ou funções o Atlético ficou carente a ponto de não ter obtido o resultado esperado neste ano, mesmo tendo um dos times mais qualificados do país?

Temos feito avaliações, temos uma ideia, conversamos muito, fazemos reuniões semanalmente. Estamos cientes, é algo interno, não vamos expor. Agora, sabemos que temos um grande grupo. Assim como o jogador, que não é só histórico e holerite que vai dizer se joga, também na equipe não é porque trouxe os melhores nomes de mercado que necessariamente é obrigada a ser campeã. Existe a expectativa, porque senão quem mais contrata no mundo era fadado a ganhar. Futebol envolve mais coisas, que precisam dar liga para que o resultado venha. Detectado (carência) está.

A média de idade, considerada alta, precisa ser revista?

Não vejo que a idade em si seja determinante. Você pode ter uma idade alta, mas em momento de performance excelente. Aí ela vai contribuir, você terá mais experiência para lidar com as situações. A idade só prejudica se você não tiver condições de executar as ações que determinado sistema requer. Precisamos achar um equilíbrio.