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POR ONDE ANDA?

Em Camarões, William Andem relembra com saudade 'a melhor fase da vida', no Cruzeiro

Hoje dono de restaurante, ex-goleiro revelou carinho pela torcida cruzeirense

postado em 31/03/2015 08:00 / atualizado em 17/12/2020 02:29

(Foto: Arquivo Pessoal)

Uma das magias do futebol é deixar marcas no tempo. Qual amante do esporte nunca se lembrou de uma fase da vida por associar aquele momento a um jogo marcante, a um título empolgante ou mesmo a uma amizade construída nas arquibancadas? Assim é a vida do ex-goleiro William Andem. Com vivência de Copa do Mundo, o camaronês jogou pelo Cruzeiro entre 1994 e 1996, quando guardou, segundo ele, as melhores lembranças da carreira.

Andem fez amigos, se divertiu com as piadas brasileiras, aprendeu a nova cultura e criou família em Belo Horizonte. Sua filha Flávia é mineira. A mais velha, Nina, passou parte da infância no Colégio São Pascoal, no bairro Caiçara, onde Andem morava em um apartamento do amigo Nonato. “Qualquer problema que eu tinha, eu recorria ao Nonato”, relembra o camaronês.

Willian Andem hoje mora em Douala, Camarões, e é vice-presidente do clube de futebol da cidade, além de ser dono de uma churrascaria. Em conversa de cerca de 30 minutos com o Superesportes, ele se divertiu ao relembrar os tempos de Cruzeiro. ”Belo Horizonte me marcou muito, foi uma das épocas mais felizes da minha vida. Minha filha Flávia é mineira, nasceu quando eu jogava no Cruzeiro. São coisas que ficam para sempre na nossa vida”.

O camaronês também falou da sua relação com o ídolo cruzeirense Dida, sua amizade com Ronaldo Fenômeno e ainda a admiração pela torcida do Cruzeiro, com a qual tinha grande identificação por causa do estilo aguerrido em campo. Andem matou a saudade de um tempo vitorioso e fez questão de deixar “um grande abraço” aos cruzeirenses. Nas próximas linhas, você acompanha a entrevista na íntegra.

Quando você foi jogar no Cruzeiro, não era comum um camaronês jogar no Brasil. Como ocorreu a negociação?
(Foto: Arquivo/EM)


Eu me lembro que foi através do empresário José Veiga, que já tinha trabalhado com o Careca no Cruzeiro. Por meio dele, eu cheguei a Belo Horizonte, o presidente na época era o César Masci, eu já era goleiro da Seleção de Camarões, despertei interesse de alguns clubes e fui bem aceito e muito bem recebido no Cruzeiro.

E como foi a adaptação a uma cultura completamente diferente?

A adaptação foi muito fácil. Quando eu cheguei, eu não sabia falar português. Falava francês e inglês. Eu tive um tradutor, que se chamava Luís Otávio. Ele me ajudou, e eu tive muito apoio dos meus colegas, o Nonato, o Luiz Fernando. Todos foram me ajudando a me adaptar. Acho que todo mundo se adaptou junto com a minha família.

Havia uma história no meio do futebol de que você tinha aprendido a falar mais palavrões do que palavras em português, isso é verdade?

Os meus companheiros de Cruzeiro me ensinavam muita bobagem. Sempre existe este tipo de brincadeira, porque quem chega a outro país não conhece a cultura. Teve muita gozação com esses jogadores. O Luiz Fernando, o Nonato e o Ronaldo sempre pegavam no meu pé. Falavam coisa que eu não tinha pedido para falar, era engraçado. Tudo foi fácil depois de alguns meses, mas eu realmente aprendi muito palavrão em português, por causa dessas brincadeiras.

Você citou o Ronaldo. Como era sua relação com ele? Já dava para imaginar que ele se tornaria o Fenômeno?

Ninguém imaginava que ele seria o melhor do mundo. Naquela época, ele era muito novo, já tinha uma habilidade fora do normal, era um craque, todo mundo já via isso no Brasil. Depois, quando o mundo o conheceu, viu que ele era excepcional. Eu fico muito feliz de ver que o Ronaldo fez o que ele fez no futebol. Fico orgulhoso de dizer que fui amigo dele no Cruzeiro. Foi o melhor jogador com quem já joguei. Nunca mais nos falamos, mas sei que ele foi muito amigo meu e fico contente por isso.

E como era ser reserva do Dida, um ídolo incontestável dos cruzeirenses?
(Foto: Arquivo Pessoal)


Todos sabem que o Dida foi como um irmão para mim, mesmo a gente disputando posição. Sempre destaco para todos que nunca tive uma relação com goleiro tão boa como tive com o Dida, assim como foi com o Harlei (terceiro reserva), no Cruzeiro. Estávamos sempre juntos, íamos ao shopping, nossas esposas eram amigas. A mãe do Dida me adotou como um filho. Ele foi um ídolo do Cruzeiro, todos sabem, mas eu também tive meu espaço e mostrei o que tinha para mostrar. Perdi o contato com o Dida, mas o considero um irmão até hoje.

Quais eram seus melhores amigos no Cruzeiro?

Eu me lembro que todo mundo gostava de mim e eu também gostava de todo mundo. Foi uma época muito boa. Em nenhum outro clube foi igual. Todo mundo sempre brincou comigo, mas o Nonato era o amigo com quem eu passava mais tempo. Eu morava no apartamento do Nonato, então nós estávamos sempre juntos. Qualquer problema que eu tinha, eu recorria primeiro ao Nonato, depois ao Luiz Fernando. Hoje, ainda tenho contato com o Nonato, às vezes a gente se fala, mas não tenho mais contato com os outros, se você puder me ajudar, vou procurar os amigos daquele tempo (risos).

Qual foi seu jogo inesquecível pelo Cruzeiro?

Não teve um jogo específico, mas vários momentos. Estive no Cruzeiro em uma época muito vitoriosa. Ganhamos uma Copa Máster, em que eu joguei os dois jogos da decisão contra o Olimpia do Paraguai. Conquistamos também uma Copa Ouro, dois Campeonatos Mineiros, um deles de forma invicta, além de uma Copa do Brasil sobre um time muito forte do Palmeiras. Foram só momentos bons.

A torcida se lembra muito de você por um clássico contra o Atlético, em que você brigou em campo com o Euller e o Gutenberg e acabou expulso, você se lembra deste episódio?

Claro que eu me lembro (risos). A torcida do Cruzeiro me marcou demais, eles realmente sempre falavam comigo desta briga. Sempre me lembro da Máfia Azul atrás do gol. O jogo contra o Atlético era muito importante para as duas equipes, os torcedores falavam isso nas ruas. Naquele dia, aconteceu o que aconteceu, foi aquela confusão. Mas, depois do jogo, eu e Gutenberg nos encontramos e fizemos as pazes. Se um dia eu voltar ao Brasil, quero ter tempo de reviver essas situações, encontrar algum torcedor no Cruzeiro na rua e agradecer o carinho daquela época.

(Foto: Euler Junior/EM/D.APress)

Que tipo de carinho era este? Como era sua relação com os torcedores?

Minha lembrança principal é dos clássicos contra o Atlético, com o Mineirão lotado, metade preto e metade azul. Era um clima incrível e a torcida do Cruzeiro apoiava muito.
Tinha uma música que eles cantavam para mim e para os outros jogadores. Só me lembro que a Máfia Azul era fantástica. Eu me lembro do Fubá, ele ainda está na torcida? Ele usava a minha camisa amarela nas arquibancadas. Eu via o Fubá com a minha camisa no meio daquela multidão e ficava muito feliz.

Você usava muito essa camisa amarela. Como você a adotou?


Quando cheguei ao Cruzeiro, ouvi falar que o Raul usava camisa amarela. Gostei da história, eu ainda não conhecia o Raul, então comecei a usar. Foi muito legal porque a camisa ficou bonita e muitos torcedores gostaram, inclusive o Fubá, que agitava a torcida vestindo a minha camisa.

Você ainda acompanha o futebol brasileiro?

Tive notícia que o Cruzeiro foi campeão brasileiro. Fiquei muito contente. Dos clubes por onde passei, o Cruzeiro é o primeiro. Nunca mais tive contato com meus antigos colegas e nem com os presidentes, mas, quando consigo falar com o Nonato, sempre pergunto sobre o Cruzeiro. É um clube que não posso esquecer, me acolheu muito bem e tenho muito carinho.

O que ficou do Brasil e de Belo Horizonte na sua vida?
(Foto: Euler Junior/EM)


O Brasil foi um país que me marcou demais, Belo Horizonte também me marcou muito, foi uma das épocas mais felizes da minha vida. Minha filha Flávia é mineira, nasceu quando eu jogava no Cruzeiro. São coisas que ficam para sempre na nossa vida. Outra coisa que tenho de legado do Brasil é uma casa. Quando saí do Brasil, o irmão do Zezé Perrella, o Alvimar, me deu a planta da casa dele, no Caiçara, eu construí uma igual em Camarões. Era uma casa próxima a um posto de gasolina, olha como eu me lembro de tudo em Belo Horizonte? Lembro até das ruas do bairro (risos). Se você puder, mande um abraço aos Perrellas, para eles saberem que eu me lembro deles.

O que você tem feito depois que se aposentou?


Já me aposentei há oito anos, já vai para nove. Estou em Camarões, fazendo minhas coisas. A vida não é fácil, temos que batalhar sempre, todo dia. Não parei de trabalhar. Hoje, tenho um restaurante e faço uns trabalhos. Estou me virando, mas está tudo indo muito bem.

Tem alguma coisa da comida mineira no seu restaurante?

Não, não (risos). Eu tenho uma churrascaria, que, aliás, é algo que lembra muito o Brasil também.

Você conhece o Joel, camaronês que o Cruzeiro contratou?

Ouvi dizer que o Cruzeiro tinha contratado outro camaronês, sim, mas não conheço o Joel. Tenho certeza que ele será muito feliz no Cruzeiro, porque é um clube de todo mundo.

Você que viveu uma situação parecida, qual ensinamento pode deixar para o Joel?

Que ele tenha paciência, mas que tenha certeza que pode jogar seu futebol. O clima do Brasil é parecido com o de Camarões, a comida também é similar, as pessoas comem a mesma coisa que a gente come na África. O idioma poderia ser um problema, mas se ele já sabe o português, não terá nada pelo caminho. Só trabalhar muito e mostrar seu valor.

Você teve a experiência de disputar uma Copa do Mundo. Como foi?

Tive o privilégio de ir para a Copa do Mundo. Estive na preparação da Copa de 90, mas ainda era muito miúdo. Em 94, eu quase fui, mas não me levaram, foi uma situação complicada na época, que prefiro não falar sobre isso, mas em 98 eu fui para a França e foi uma experiência muito boa. Todo jogador quer disputar uma Copa do Mundo. Falo para os jovens que é preciso muito trabalho. Com muito trabalho a gente conquista nossos objetivos.
(Foto: Paulo de Deus/EM)


Qual a sua relação com o futebol atualmente?


Virei vice-presidente do clube que me projetou, o Douala. Tento ajudar os jovens a conseguirem um lugar em um clube da Europa. A gente se aposenta, mas não se afasta do futebol, tenta ficar sempre por dentro.

Você torce por algum clube?

Sou Douala. Dos clubes que passei, o Douala e o Cruzeiro foram os melhores. O Douala porque é o clube da minha origem em Camarões, e o Cruzeiro porque foi uma época feliz, de ótimas lembranças, grandes amigos, e muitas conquistas. Se eu tivesse que eleger um clube para torcer fora de Camarões seria o Cruzeiro. Queria, inclusive, mandar um abraço a todos os torcedores do Cruzeiro, um abraço grande demais. Eles estão no meu coração para sempre.

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