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TRAGÉDIA

Avião fez várias viagens com o combustível no limite, uma delas de BH para Buenos Aires

Voar no limite da autonomia da aeronave era uma prática recorrente da LaMia

postado em 02/12/2016 08:05 / atualizado em 02/12/2016 19:55

ARTE / ESTADO DE MINAS

Voar no limite da autonomia da aeronave era uma prática recorrente da empresa LaMia, que operava o voo que fez 71 vítimas no trecho entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, na terça-feira. Nos últimos quatro meses, o Avro RJ-85 realizou cinco voos com mais de quatro horas de duração, sem escala para abastecimento, entre eles o que levou a Seleção Argentina de Belo Horizonte para Buenos Aires, em 11 de novembro, logo depois da derrota para a Seleção Brasileira por 3 a 0, no Mineirão.

Segundo dados da plataforma FlightRadar consultados pela reportagem, a aeronave realizou três voos sem abastecimento no sentido oposto ao da última segunda-feira. Em 22 de agosto, a aeronave cumpriu o trecho entre Medellín (Colômbia) e Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) em 4h28min. Nas outras duas vezes, o voo durou 4h32min e 4h33min, sempre no limite da autonomia, que era de 4h30min, segundo os fabricantes da aeronave. Ainda houve um quarto voo, entre Medellín e Cochabamba, que durou 4h27, em 28 de outubro. Neste período, na única vez em que voou entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, na manhã de 22 de agosto, o piloto fez escala para abastecimento em Cobija, na fronteira entre Bolívia e Brasil, que era uma das opções para o trajeto com a equipe da Chapecoense – a outra alternativa era via Bogotá.

A aeronave esteve em Belo Horizonte no mês passado. Ela viajou de Santa Cruz para Buenos Aires, em 5 de novembro, e no dia seguinte seguiu para a capital mineira com parte da comissão técnica e alguns atletas. O voo durou 3h29. Depois da partida do Mineirão, ele partiu de Confins às 3h56 e chegou ao aeroporto de Ezeiza às 7h – totalizando 4h04 de percurso.

“O avião tem que ter autonomia para cumprir o trecho, além de combustível extra para chegar até um aeroporto alternativo, mais 45 minutos, caso precise taxiar. O piloto, que também era dono da companhia, decolou no limite. A única explicação é ganância e irresponsabilidade”, afirmou à reportagem Ivan Sant’Anna, piloto e autor de livros sobre acidentes na aviação.

Ontem, segundo o jornal boliviano El Deber, a Agência de Aviação da Bolívia colocou em xeque o plano de voo da Lamia, uma vez que a autonomia – 4h22min – era o mesmo tempo da previsão da viagem. A oficial Celia Castedo Monasterio questionou a duração e pediu mudança, mas Alex Quispe, um dos tripulantes e despachante, sustentou que o combustível era suficiente. “Não, senhora Celia, essa autonomia, como me passaram, chega bem. Fazemos em menos tempo, não se preocupe”, teria dito Quispe à funcionária.

“Podemos perceber que o piloto já estava voando neste limite há algum tempo e achou que daria”, analisou Sant’Anna. “Mas precisamos aguardar os desdobramentos das investigações para saber por que ele não pediu emergência para posar, o que o faria ser o primeiro na fila. Qualquer avião, desde os anos 1960, por mais simples, tem indicadores de combustível e tempo até a chegada. Ele (o piloto) foi culpado”, enfatizou.

Na quarta-feira, autoridades colombianas confirmaram que pane seca foi a causa da queda do avião da LaMia. A última conversa entre o piloto Miguel Quiroga e a torre de comando foi a peça que ajudou a montar o quebra-cabeça. Ontem, em carta divulgada pela imprensa colombiana, a controladora de voo que fez o último contato com a aeronave, Yaneth Molina, desabafou e afirmou ter feito o procedimento que a situação demandava.

“Lamentavelmente, meus esforços foram em vão pelas razões que todos vocês conhecem. (…) Tudo que fiz na frequência foi para preservar a integridade dos ocupantes dessas aeronaves, principalmente e porque os ocupantes das outras aeronaves estavam sob minha responsabilidade”, disse a controladora, que manteve contato com voos da LaMia, LaTam, Avianca e VivaColombia, que solicitou e teve prioridade no pouso por causa de vazamento de combustível – em razão disso, o voo que levava a delegação da Chapecoense precisou dar voltas e acabou caindo a poucos quilômetros do aeroporto José Maria Córdova.

Reprodução Twitter


ERROS EM SÉRIE

1) Voar uma distância (2.975 quilômetros) muito próxima à autonomia da aeronave (3.000 quilômetros). O piloto teve duas chances para reabastecer e não o fez. O reabastecimento implicaria em taxas aeroportuárias

2) Apesentar plano de voo com combustível suficiente somente para o tempo total da viagem (4h22min), sem previsão de abastecimento, enquanto a legislação exige cota extra para chegar a um aeroporto alternativo, equivalente a mais 45 minutos de voo

3) O piloto não ter ouvido o alerta de uma funcionária da Agência Nacional de Aviação da Bolívia (Aasana), que questionou o risco do plano de voo. O avião não poderia ter decolado da Bolívia

4) Não ter pedido emergência à torre de comando, passando de quarta à primeira aeronave na fila de pouso em Medellín. A declaração de emergência poderia implicar em punições ao piloto Voar no limite da autonomia da aeronave era uma prática recorrente da empresa LaMia, que operava o voo que fez 71 vítimas no trecho entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, na terça-feira. Nos últimos quatro meses, o Avro RJ-85 realizou cinco voos com mais de quatro horas de duração, sem escala para abastecimento, entre eles o que levou a Seleção Argentina de Belo Horizonte para Buenos Aires, em 11 de novembro, logo depois da derrota para a Seleção Brasileira por 3 a 0, no Mineirão.

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