Futebol Nacional
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ENTREVISTA

Tostão lança livro, revela encantos, desvenda mitos e vê "nova" Seleção Brasileira com Tite

Campeão do mundo em 1970 passa a limpo a história do nosso futebol

postado em 24/10/2016 11:00 / atualizado em 24/10/2016 13:42

QUINHO
Embora o destino os tenha separado precocemente, Tostão e o Dr. Eduardo são indissociáveis. É o que revela Tempos vividos, sonhados e perdidos: um olhar sobre o futebol, que será lançado na quinta-feira em Belo Horizonte. No livro, com 200 páginas de textos inéditos, o cronista, campeão mundial e maior ídolo da história do Cruzeiro faz uma síntese com precisão cirúrgica do futebol ao longo de seis décadas e revela um pouco da rotina e dedicação à medicina, de 1974 a 1994, quando foi médico da Santa Casa, do Hospital São José e professor da Faculdade de Ciências Médicas. A aposentadoria precoce, aos 26, por causa de um segundo descolamento de retina, sempre gerou curiosidade nos torcedores. “As pessoas não entendiam como um jogador famoso se afastava do esporte daquela maneira. Apenas queria ser um cidadão comum”, conta. Ao Estado de Minas/Superesportes, Tostão, às vésperas de completar 70 anos, fala sobre a obra, escrita ao longo dos últimos 18 meses. Ele passa a limpo a história do nosso futebol e enxerga luz no fim do túnel pós-7 a 1.

Além do jogador e cronista de futebol, esse livro revela um pouco das duas décadas em que você se dedicou exclusivamente à medicina...
Há uma curiosidade sobre isso. As pessoas começaram a achar que eu tinha raiva do futebol, mas nunca teve nada disso. Não fui eu que tomei a decisão de parar. Fui obrigado a parar porque o médico disse que eu não deveria continuar. Então, eu decidi me dedicar totalmente à medicina. Eu queria ser um médico na sua totalidade. Eu precisei fazer esse rompimento. Neste período, estudava, trabalhava. Além disso havia a minha família. Futebol era en passant, quando estava à toa em casa.

Na época em que você parou havia muita expectativa quanto à sua participação na Copa da Alemanha.
Um dos maiores elogios que recebi foi de um jornalista escocês (Hugh McIlvanney) que fala que eu tinha tudo para ser o grande jogador moderno do futebol, pois misturava a velha arte do passado com as novas ciências do jogo. Ele achava que eu poderia me tornar em 1974 uma referência no futebol. Uma opinião dele, claro.

Você nunca escondeu sua admiração pelo Cruyff. Quem levaria a melhor em um provável duelo naquela Copa?
O Cruyff foi um jogador magistral e se tornou um técnico revolucionário. Os conceitos do Barcelona começaram com ele. Foi excepcional jogador, técnico e crítico, às vezes criticado por sair do lugar-comum. Ele está em um nível mais alto. Eu acho que eu fui um grande jogador, mas não estou nesta turma com Romário, Ronaldo, Cruyff, mais recentemente Neymar, Messi nem se fala, Maradona, Beckenbauer... esse é outro nível. Tem um livro famoso dos 20 maiores jogadores da história. Quando vi meu nome lá, tomei um susto (risos).

Como você analisa o futebol neste período em que esteve longe?
Quando voltei para ser comentarista, precisei fazer um esforço para ver e entender o que havia acontecido nos 20 anos que fiquei fora. Muitos falam que o futebol ficou pior porque o Brasil perdeu em 1982. Acho que o futebol já estava ruim. O time de 1982 foi uma ilha de qualidade, com jogadores excepcionais. No livro, eu divido o futebol em três fases: de 1954 a 1974 foi o período de encantamento, pois tivemos seleções maravilhosas: a Inglaterra de 1966, o Brasil de 1958, 1962 e 1970, a Holanda de 1974. Também foi um período de times espetaculares, como Santos, Botafogo, Cruzeiro, Real Madrid, Benfica. Depois, teve o período de intermédio, que foi o confronto da ciência e da habilidade, do bonito com o resultado. E, por fim, nos últimos 15 anos tem sido a conciliação das duas coisas: aprenderam a usar a ciência a serviço da beleza do futebol.

Desta fase de encantamento você esteve no Cruzeiro e na Seleção de 1970. Qual o segredo desses times?
Antes da Copa de 1970, a participação do técnico era completamente diferente da de hoje. Não havia recursos tecnológicos, planos táticos, jogo preparado. O Zagallo já fazia isso. A Seleção de 1970 foi espetacular porque tinha, além do talento individual, a organização coletiva e disciplina tática. O Zagallo treinava tática de jogo, orientação, todo dia. Coisas que eu nunca tinha visto. Ele foi precursor, mas depois de 1970 ele parou no tempo. O Cruzeiro tinha um grande treinador, que era o Ayrton Moreira, orientador, que nos ajudava. E tinha eu, Dirceu Lopes, Natal, Piazza, todos de primeiro nível no futebol brasileiro. Até o Mineirão, os times mineiros eram como times do interior. A partir dali houve uma evolução. Daí, em 1970, o Atlético começou a formar grandes times, o Cruzeiro se manteve e, desde então, o futebol mineiro está na prateleira de cima.

E por que o futebol brasileiro ficou para trás?
Nos últimos 15 anos, a partir de 2002, o futebol começou a melhorar muito na Europa, caminhando para outra maneira de jogar e o Brasil estagnou. E isso está começando a ser recuperado. No final do livro, tem o capítulo “Encontros e desencontros”, tratando sobre a redescoberta e a reconstrução, que começa com o Corinthians de Tite, antes da Copa de 2014. Depois disso, os técnicos mudaram o enfoque: nas entrevistas, todo mundo fala em diminuir os espaços, marcar mais na frente, troca de passes, triangulações, atacar e defender com intensidade. O futebol brasileiro está tomando um rumo que a Europa tomou de 15 anos para cá.

O Tite, que assumiu a Seleção, é peça-chave da retomada?
Quando eu acabei o livro, o Tite estava assumindo a Seleção, mas faz parte. O futebol do Corinthians no título mundial (2012) é completamente diferente de tudo que tinha no futebol brasileiro. Era uma repetição do que se jogava na Europa. A Seleção com Tite não é nada novo, é um conceito do que se joga no melhor futebol do mundo. Os técnicos estão tentando fazer um futebol moderno. O Mano Menezes é um exemplo. Quando a gente fala do Corinthians campeão do mundo, teve muita participação do Mano.

Você enxerga algum aprendizado depois da derrota para a Alemanha por 7 a 1 na última Copa?
No capítulo “Não foi por acaso”, eu faço uma síntese da evolução do futebol na Europa e no Brasil até chegar ao momento atual. E comento dezenas de fatos, problemas como violência, categorias de base, formação de jogador, evolução tática, como os técnicos evoluíram nesse período. Eu faço uma síntese. Obviamente, o jogo foi atípico, um resultado que a Alemanha não conseguiria nem contra equipes mais fracas. Mas o 7 a 1 foi uma mensagem de que as coisas não estavam indo bem.

•Tempos vividos, sonhados e perdidos: um olhar sobre o futebol
•De Tostão
•Companhia das Letras
•200 páginas
•R$ 39,90
•Lançamento: quinta-feira, às 19h, na Livraria Leitura do Pátio Savassi (Av. do Contorno, 6.061)

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