Futebol Nacional
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'A torcida merece esse título'

Técnico atleticano exalta o grupo e vê boas possibilidades de êxito na temporada

postado em 17/03/2013 09:54

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Na Cidade do Galo, longe do congestionado trânsito de Belo Horizonte, o treinador Cuca encontrou seu refúgio e um lugar tranquilo para trabalhar e viver. Em quase dois anos no clube, ele conquistou um título (invicto) do Campeonato Mineiro, mas espera dar à torcida o que ela mais deseja: uma conquista de expressão, seja do Campeonato Brasileiro ou da Copa Libertadores. Contudo, o treinador não se cobra por ter poucos troféus na carreira e garante que será a massa alvinegra a maior premiada pelos bons resultados. Nessa entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Cuca fala sobre as expectativas para a temporada e o fato de contar com um jogador diferenciado: Ronaldinho Gaúcho.

Você vai completar no segundo semestre dois anos de Atlético, um clube já estruturado, e com orçamento milionário e que conta com um astro como o Ronaldinho. É a melhor condição de trabalho em sua carreira?

Já trabalhei em outros clubes que tiveram essa condição, como o São Paulo (2004) e o Botafogo, em que fiquei dois anos e meio e tive prazer em trabalhar. Tem outros que apresentam orçamentos maiores, mas estamos medindo força com eles também. Só na Libertadores são seis grandes e graças a Deus estamos muito bem.

Você assumiu o Atlético em agosto de 2011, pouco tempo depois de deixar o Cruzeiro. Como conseguiu enfrentar a desconfiança dos torcedores atleticanos?

No Cruzeiro, também enfrentei desconfiança da torcida e de parte da imprensa. Ninguém me conhecia, mas isso mudou. No Atlético, a torcida entendeu que a gente é profissional, trabalha e se dedica muito em prol do clube. A mesma dedicação que tive no Cruzeiro tenho no Atlético. Começamos com seis derrotas seguidas, mas tive a compreensão e a tolerância da direção e do Eduardo Maluf (diretor de futebol) para continuar o trabalho. Eles souberam entender o momento. No início, o trabalho é difícil, porque é a transição e tem de fazer mudança. Fizemos muitas, já que o trabalho requer tempo para pensar as coisas. Hoje, a equipe é outra e conseguiu se superar.

Houve um pacto do grupo depois daquela goleada por 6 a 1 para o arquirrival Cruzeiro. Ela já foi esquecida?


Tínhamos 78% de chance de cair e demos a vida em todos os jogos. Quando vencemos o Botafogo por 4 a 0, rezamos e agradecemos a Deus e à torcida pelo êxito. Enquanto comemorávamos, o Cruzeiro estava com a corda no pescoço e se mobilizou, trabalhou melhor. Naquele jogo, criou oito chances e marcou seis gols; nós tivemos seis e marcamos apenas um. Toda bola que chegava no nosso gol entrava, essa foi a diferença. Foi um resultado ruim, vexatório e difícil de explicar. Depois daquele jogo, não consegui dormir na Cidade do Galo, a torcida ficou enfurecida. Quando saí de férias, quase apanhei no aeroporto. Lá em Curitiba não foi diferente, pois os torcedores do Atlético-PR, que foi rebaixado, falaram um monte de coisas que não deviam. São coisas que a gente passa no futebol. As férias foram horríveis. O torcedor às vezes pensa que somente ele sofre, mas não é verdade. Sofremos muito também, o presidente, os jogadores e eu. De repente, aquilo foi uma lição de vida, para encarar as competições com o pé no chão e humildade. Foi um marco negativo que se tornou positivo para o futuro, pois tivemos de mudar e não aceitar situações como aquela. A partir dali, o Atlético se tornou outro time.

O Atlético persegue um título de expressão e você também, em sua carreira. Se o objetivo for alcançado este ano, você vislumbra um casamento duradouro com o clube?


Particularmente, não penso em mim. Não quero ser campeão, não quero nada para mim individualmente. Quero somente saúde e felicidade, para mim e minha família. O sonho é fazer a torcida do Atlético feliz e campeã. Ela precisa do título. Em 2009, o Fluminense tinha 99% de chance de cair. No ano seguinte, no Cruzeiro, perdi o título justamente para o Flu. No ano passado, perdi o título outra vez para o Flu. Às vezes, penso: ‘Será que se não tivesse salvado o Fluminense eu seria bicampeão brasileiro?’ Mas aqui valeu a pena, talvez mais importante do que a conquista. Não vivemos só de conquistas. Esse tipo de trabalho também se torna muito marcante nas nossas carreiras.

O Telê Santana também não havia ganhado títulos de expressão, a não ser aquele Brasileiro pelo Atlético em 1971. Só depois foi vencer os Mundiais pelo São Paulo. São coincidências entre vocês...

É, mas ainda sou novo, tenho 49 anos. Ainda vou ter chances, como este ano, dirigindo um clube organizado e bom de trabalhar. Não sei se seremos campeões, mas se não formos, pode ter certeza de que estaremos próximos. É um grupo bom, com jogadores de caráter, dá prazer em trabalhar. Não temos pressa de ir embora e esse ambiente de felicidade é garantido pelos atletas.

A derrota para o Cruzeiro por 2 a 1, no início do Mineiro, contribuiu para que o Atlético acordasse?


O Cruzeiro mereceu a vitória e não houve choro e nem queixa do grupo. O nosso adversário estava montando o grupo e qualquer resultado seria considerado natural. E nós estávamos com o grupo pronto, mas sem ritmo. Foi o primeiro jogo do ano. Pelo que o campeonato está apresentando, a final deverá ser entre Atlético e Cruzeiro. Logo, teremos uma chance de reagir.

No ano passado, o Galo foi campeão mineiro invicto, liderou o Brasileiro por 15 rodadas, mas perdeu o título para o Fluminense. O que deu errado no fim?


Não deu nada errado, porque fizemos pontuação para ser campeões. Em 2009, o Flamengo foi campeão com 67; em 2010, o Fluminense teve 71; em 2011, o Corinthians também teve 71. Fizemos 72. A diferença foi a campanha do Fluminense, perfeita, com 76 pontos. Mas duas situações não me saem da cabeça e poderiam ter mudado tudo: o empate com o Cruzeiro por 2 a 2, em que houve um erro de arbitragem – a falta do Montillo no Guilherme, que antecedeu o gol de empate do adversário – e o adiamento do jogo contra o Flamengo, no Rio, que interrompeu nosso crescimento. Mas não serve de desculpa, porque o Fluminense foi o primeiro merecidamente, embora jogando bem menos do que nós.

O Atlético tem o melhor aproveitamento da Libertadores e já está classificado às oitavas. Os adversários já observam o Galo de forma diferente?


Estão vendo o Atlético com respeito, porque estamos fazendo por onde. Sabemos que não ganhamos nada, mas estamos jogando bem e é gostoso ver o trabalho fluindo positivamente. Não podemos sofrer com futebol. Temos de mostrar alegria e nos divertir. E estamos jogando com essa alegria.

A derrota do Cruzeiro para o Once Caldas em 2011 serve de exemplo?

A derrota até hoje dói, porque o time estava pronto para vencer. Jogamos sete partidas e empatamos uma, com o Tolima, atuando bem. Contra o Once Caldas não tivemos Wallyson, Brandão e Thiago Ribeiro, e no primeiro tempo o Roger foi expulso. Um dia ruim deixa você fora da competição. Certamente, é um episódio que tiramos de lição.

Qual foi a melhor partida do Galo na Libertadores?

A vitória sobre o Arsenal, que não toma mais de dois gols num jogo e tem qualidade. É difícil vencê-los. Mas encaixamos um jogo maravilhoso e vencemos.

Você teve uma conversa com o Assis para trazer o Ronaldinho Gaúcho para o Atlético. Em algum momento teve receio de o jogador não render o esperado e frustrar a torcida?


Foi difícil falar com o Assis, mas consegui e disse que não queria o Ronaldo na esquerda e sim no meio, pensando o jogo. Contava com jogador de velocidade, volantes e uma referência na área, mas precisava de alguém para liderar. Já havia testado alguns e não deu certo. Tive um pouco de indagação como ele se sairia na função, porque jogou anos na esquerda. A imprensa inteira nos reprovou, mas ele mostrou ser uma pessoa boa, muito humilde, e se adaptou ao sistema. Ele nos engrandeceu muito, dando moral à torcida e aos companheiros. Foi um casamento justo e espero que ele possa nos dar alegrias.

Por que ele não conseguiu se tornar ídolo no Flamengo?

Não sei responder.

No Cruzeiro, a melhor fase do Montillo foi sob sua direção. Você tem facilidade de orientar os camisas 10?


Não tem segredo. Às vezes, é preciso que o jogador mude a função, e isso conversamos no dia a dia. Mas o Ronaldo e o Montillo são diferenciados, acima da média.

Como encaixou o Diego Tardelli no time? A opção ao lado de Jô sempre foi a primeira ou pensou em jogar com apenas um centroavante?

Não é característica do Tardelli ser centroavante. O Jô é imprescindível para nós, sobretudo na bola aérea. Mas o Tardelli é bom jogador, teve uma mudança de direção, tem habilidade fora do comum e é taticamente responsável.

Outro jogador de destaque é o Bernard. Como conseguiu fazer com que rendesse tanto?

O que mais me deixa feliz é quando o Bernard faz a diagonal. É raro um brasileiro executar essa função e vemos tantos lá fora se destacando. Isso foi trabalhado intensamente, até porque ele tem 20 anos e não sabia usar esse potencial. Hoje ele se torna uma arma extremamente mortal.

O Bernard está preparado para ir para o futebol europeu?

Ainda não. Está preparado para jogar no Atlético.

Quais são as vantagens de morar na Cidade do Galo, enquanto suas filhas e sua mulher residem em Curitiba?


Tudo na vida tem um preço, porque eu abro mão da minha mulher e das minhas duas filhas para viver o dia a dia do clube. Então, faço daqui minha família. E aqui tenho tudo de que preciso e não enfrento o caos do trânsito diário. Sou muito feliz aqui.

Muitos reclamam que você não parece alegre, mesmo depois das vitórias. Afinal, você é triste ou alegre?

Prefiro que reclamem que sou triste do que não ganhar jogo. Sou sério, quieto, e isso é diferente de ser triste. Não preciso demonstrar que estou feliz sorrindo para todos.

Você é muito religioso. O que achou da escolha de um papa argentino?

Mas Deus é brasileiro (risos) e foi bom para nós, porque é o primeiro papa sul-americano. Estava acompanhando ao vivo na Bolívia e fiquei até perplexo, mas é ótimo. Não temos de mostrar rivalidade. Pelo contrário, é bom.

Se fosse hoje, estaria preparado para voos mais altos, como dirigir a Seleção Brasileira?

Não. Minha seleção é preto e branco. Estou satisfeito.

A diretoria investiu pesado em André e Guilherme, mas eles não caíram nas graças da torcida. Houve pressão por causa disso?


Eles ainda vão ter alegria com o Guilherme. Muitas vezes o torcedor tem impaciência pelo fato de ele ter jogado no Cruzeiro. É um jogador que passa por dificuldades e o torcedor precisa mostrar carinho especial. Ele esteve com a filha internada (pneumonia), precisa do apoio da torcida, pois é diferenciado. O Botafogo o quer, o Fluminense o quer, mas ninguém vai levá-lo, pois é um titular nosso