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CRUZEIRO

Legado de Brandi, Raul pedreiro, corte na Seleção, palpites de Levir e bronca de Felipão: casos da renovada Toca da Raposa I

Inaugurada em 1973, Toca I, que teve melhorias apresentadas nesta terça, foi primeiro CT do Brasil, berço de craques, recebeu a Seleção antes das Copas de 1982 e 1986, com direito a polêmica, e hoje está dedicada à base do Cruzeiro

postado em 23/05/2017 14:00 / atualizado em 26/05/2017 18:05

Auremar de Castro/Estado de Minas
Duas Libertadores, duas Supercopas, três Copa do Brasil... No período em que acumulou vários de seus principais títulos, o Cruzeiro teve como casa a Toca da Raposa I. Inaugurado em fevereiro de 1973, na gestão do presidente Felício Brandi, o espaço foi o primeiro construído por um clube de futebol para servir de centro de treinamento, conceito até então desconhecido no Brasil. Até 2002, ano da abertura da Toca da Raposa II, serviu como local de preparação para a equipe profissional. Além disso, foi berço de inúmeros craques, cenário de casos emblemáticos da história do esporte e palco para a preparação da Seleção Brasileira antes das Copas do Mundo de 1982 e 86. Nesta terça-feira, o clube deu mais um passo para modernizar o seu lar mais tradicional, hoje dedicado exclusivamente às categorias de base, e lançou o “Centro de Treinamento de Força”.

Presidente do Cruzeiro por 21 anos, entre 1961 e 1982, Felício Brandi deixou a Toca da Raposa I como o maior legado de sua gestão no clube. Em 2001, na última entrevista antes de sua morte, em abril de 2004, Brandi relembrou ao Estado de Minas o esforço para colocar o clube na vanguarda. “Ela (Toca) surgiu em função do Mineirão. Tínhamos um estádio de alto nível e precisávamos de uma concentração e local de treinamento com o mesmo padrão. Depois de muito procurar encontramos o local ideal. Era fundamental dar ótimas condições aos jogadores e toda a assistência, para que eles pudessem jogar com tranquilidade. A Toca foi a primeira grande concentração do país, tanto que hoje é copiada e por várias vezes foi utilizada pela Seleção Brasileira” (leia a entrevista na íntegra abaixo).

Arquivo Estado de Minas
Ídolo do Cruzeiro e integrante do primeiro elenco que treinou na Toca I, Raul Plassmann lembra que jogadores auxiliaram na construção. “Quando fomos para lá, tinha uma casa, era uma espécie de fazendinha. Lembro que tinha uma piscina, que tem até hoje. Concentrávamos ali antes mesmo de a construção começar, de os operários chegarem”, lembra o ex-goleiro.

“O que marcou sempre para nós é que eu e o Zé Carlos ajudávamos aqueles pedreiros com carrinhos de mão, carregando os tijolos, no momento da concentração. Isso ficou marcado. A gente se encontra e comenta isso. Os camaradas hoje estão numa tranquilidade, e a gente carregava até tijolo. A gente contribuiu de fato com a construção da Toca. Com carinho, amor. Ficou marcado. A gente viu a floresta que era o local onde estão os campos. Eram matas enormes, e a gente andava ali. Somos testemunhas de um começo espetacular”, complementou Raul.

Além dos craques cruzeirenses formados na Toca da Raposa I a partir de 1973, casos de Joãozinho, Geraldão, Douglas, Careca, Ronaldo Fenômeno, Belletti, Gomes, Ricardinho, Geovanni, Fábio Júnior e Luisão, por exemplo, o primeiro CT do Brasil recebeu, nos anos 1980, duas gerações de ídolos nacionais. A saudosa Seleção Brasileira de 1982, comandada por Telê Santana, fez em BH a preparação para o Mundial da Espanha. Quatro anos depois, renovado com Branco, Muller, Silas, Oscar, Valdo e Careca, dentre outros, o escrete canarinho voltou à Toca de olho na Copa de 1986.

Casos da Toca da Raposa I

O Superesportes conversou com personagens que ajudaram a escrever a história da Toca da Raposa I. Antes de virar ídolo do Real Madrid e referência no futebol nacional, Ronaldo Fenômeno precisou lidar com os ‘fantasmas’ na Pampulha e lembrou o episódio ao ‘Resenha’, da ESPN Brasil. Ao mesmo programa, o ex-lateral-direito Leandro, do Flamengo, contou detalhes da polêmica preparação da Seleção antes da Copa de 1986, que resultou no corte de Renato Gaúcho e na sua desistência de ir ao México. O técnico Levir Culpi e o ex-goleiro Raul também reviveram passagens na Toca. Veja em detalhes:

Alberto Escalda/Estado de Minas
Ronaldo Fenômeno

“Eu morava na Toquinha e já treinava com os profissionais. Quando o profissional concentrava, eu ia para a Toca da Raposa II para jantar porque eles me chamavam. Eu já treinava com eles. Eu sempre levava um monte de fruta para o pessoal que morava comigo na Toquinha. Eu fazia isso sempre. Um dia eu fui e aí, durante o jantar, eles contaram a história do Roberto Batata, que em 1976 o Cruzeiro ganhou a Libertadores e o Roberto Batata, que era um jogador do Cruzeiro, sofreu um acidente de carro e morreu. E que o espírito dele ficou na Toca da Raposa. A alma não quis se desligar e tem uma história no clube. No que eu fui atravessar, voltando para a Toquinha, tudo escuro, comecei a ouvir apito, gente pedindo a bola, toca, toca, pega, pega. Eu comecei a correr, daqui a pouco acende o refletor da Toca da Raposa e era todo mundo me sacaneando. Passei um perrengue”, contou Ronaldo ao Resenha da ESPN.

Arquivo Estado de Minas
Noitada em BH fez Telê cortar Renato Gaúcho e perder Leandro

Lateral-direito do Flamengo nos anos 1980, Leandro relembrou no programa Resenha, da ESPN, a noitada em Belo Horizonte que resultou no corte de Renato Gaúcho na Copa de 1986 e em sua desistência de ir ao Mundial. A Seleção Brasileira de Telê Santana estava hospedada na Toca I.

"Treinamos de manhã, almoçamos. Liberou de 14h às 22h, e eu não ia sair. Juro que eu ia ficar fazendo musculação, mas aí sai um, sai outro, sai outro, aí pensei: isso aqui está virando um cemitério, não vou ficar aqui não. A Toca da Raposa sem ninguém. Aí eu lembro que o Casagrande tinha marcado um barzinho na Pampulha, aí fomos para lá e depois para a casa do Éder, tinha um churrasco lá. Aí depois fomos para uma boate. A gente não tinha roupa adequada, o Éder ainda emprestou para gente. Nessa boate, quando deu 21h, falei para o Mozer e para o Julio César, zagueirão: - ‘Está na hora, vocês vão que eu vou ficar aqui mais um pouco’. Aí o Renato (Gaúcho) resolveu ficar. Quando deu 1h30 a gente foi, para subir o muro (da Toca), muro alto pra caramba. O Renato deu pezinho, cheguei lá em cima, aí quando olhei para baixo: - ‘Ih, rapaz’, vamos esborrachar se tentarmos pular. Aí voltei, entrei pela portaria. No outro dia de manhã, 6h, Telê estava bufando, babando: - ‘Leandro, o que houve?’. Aí eu: - ‘Calma, seu Telê’. Aí ele: - ‘Não, não tem nada disso. Vocês estão cortados porque chegaram 2h. Eu tentei argumentar, disse que o Renato não tinha nada com isso, eu estava passando mal, ele me deu uma força. Mas ele cortou os dois. Ficou um dia, dois dias, três dias e o Edson, lateral, que pediu para gente ser liberado. Aí o Telê resolveu relevar, mas eu disse para ele que não esqueceria, que eu tinha feito a coisa errada e que nenhum corte ia ser mais sentido do que eu estava sentindo naquele momento. Só a decepção que eu fiz com que meus pais e amigos já me doía muito mais do que o corte”, disse Leandro ao Resenha.

Posteriormente, Telê Santana decidiu cortar apenas Renato Gaúcho e confirmou Leandro na Copa de 1986. Porém, por lealdade ao amigo, o lateral decidiu não ir ao México com a Seleção.

Raul Plassmann

“Uma coisa muito interessante, curiosa. Eu já havia visto no Parque Antártica (antigo estádio do Palmeiras). Quando você entrava no estádio, tinha um escudo do Palmeiras logo na entrada. Aí, quando estávamos inaugurando a Toca da Raposa I, eu virei para o Felício Brandi e falei com ele: - ‘Agora vamos colocar o escudo do Cruzeiro na Toca I’. Ele me respondeu, bravo: - ‘Raul, nosso escudo não é tapete. Não fica no chão. No máximo na parede. O escudo não é para você colocar no chão”. Isso também me marcou naquele período de construção da Toca.

Levir Culpi

Arquivo Estado de Minas
Em sua primeira passagem pelo Cruzeiro, em 1996, Levir Culpi promoveu pequenas transformações na Toca da Raposa I para dar mais privacidade a jogadores e comissão técnica. Um jardim cercado de correntes, construído em frente aos vestiários, mudou a rota de passagem dos jornalistas, que antes caminhavam livremente perto dos atletas. Pequenos arbustos, formando uma cerca viva, também foram plantados ao redor do campo principal para impedir que repórteres adentrassem o gramado durante os treinos. Muito contestado à época por ser o idealizador do projeto ‘paisagístico’, o treinador lembra, 21 anos depois, daquele processo de profissionalização na relação entre clubes e imprensa.

“Você não está cerceando o trabalho da imprensa. Você só não pode ter a imprensa 24 horas ao seu lado. Você trabalha na imprensa, você quer notícia. Se eu brigar com o roupeiro ali do seu lado, é ótimo para você, que vai colocar em manchete: “Levir brigou com o roupeiro”. Eu arrumei alguns inimigos, tomei algumas porradas, devo ter ido mal algumas vezes, mas você vê que todo mundo faz isso hoje. Você vai no Barcelona, no Real Madrid, e lá os jornalistas não têm tanto acesso. Eu estava fazendo uma coisa correta, só queria privacidade”, conta Levir ao Superesportes, sobre as mudanças da Toca em 1996.

O técnico destacou que propor melhorias é uma marca de sua trajetória em vários clubes. Experiências no exterior também ajudaram nesse aspecto. “Sempre tem uma parte em que as mudanças são agressivas, precisam ser. Com o passar do tempo, a gente vê que eram necessárias. Me lembro de várias coisas que fiz no Cruzeiro, tive a oportunidade de ir para o Japão e trouxe muitas coisas de lá. Lembro que os roupeiros limpavam chuteiras com facas, um negócio inacreditável. Trouxemos do Japão o ar sob pressão, ficou muito mais fácil e mais bem-feito. Os armários, lembro, eram de lata. Nós fizemos com que os armários foram repartidos, personalizados com as fotos dos jogadores. Sem contar a insistência na tecla de reformar os gramados, de fazer o mais parecido possível com os gramados dos estádios”.

Felipão

Em 2000, recém-chegado à Toca da Raposa I, o técnico Luiz Felipe Scolari não gostou de uma manchete da edição mineira do Jornal dos Sports e deu um ‘show de ignorância’ durante uma entrevista coletiva. Inicialmente, pediu às jornalistas mulheres, a quem chamou de gurias, para deixar a sala de imprensa. Em seguida, fechou porta, janela e basculantes do ambiente para tentar impedir que pessoas do lado de foram ouvissem o que ele tinha a dizer. Repórteres foram impedidos de gravar. Por fim, Felipão iniciou seu discurso e se dirigiu ao autor do artigo contestado com palavrões do mais baixo nível, tudo isso diante dos outros colegas. A intenção era, claramente, intimidar os demais profissionais, mostrando sua linha autoritária. A gritaria acabou vazando em rede nacional, já que um cinegrafista de TV registrou o bizarro episódio com sua câmera.

Arquivo Estado de Minas

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