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O OUTRO LADO DO FUTEBOL MINEIRO

Na marca do pênalti

Ipatinga, que já foi Betim, enfrenta dívida próxima a R$ 10 milhões e instabilidade em campo. Nacional teve três sedes desde 2010 e pode ser extinto na próxima temporada

postado em 26/08/2014 08:25 / atualizado em 25/08/2014 20:48

Marcos Michelin/EM/D.A Press

Bruno Freitas

Enviado especial
Ipatinga

Dois dos clubes-empresa mais jovens de Minas, Ipatinga e Nacional – fundados num intervalo de 10 anos, em 1998 e 2008, respectivamente – alcançaram em pouco tempo resultados surpreendentes em campo. Entre a meteórica ascensão nos Campeonatos Mineiro, Brasileiro e na Copa do Brasil e o desafio de se sustentar fora da capital, porém, a realidade foi dura com o Tigre e o Búfalo.

O cenário nada lembra o período de glórias. Campeão mineiro em 2005 e semifinalista da Copa do Brasil no ano seguinte, o Ipatinga, ainda registrado com o antigo nome Betim na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não consegue se restabelecer no Vale do Aço, passados oito meses do retorno da mudança frustrada para a Grande Belo Horizonte. Eliminado da Série D do Brasileiro’2014 ao perder para o Porto em Caruaru (PE) por 1 a 0 no domingo, depois de campanha sem uma única vitória, o clube do Vale do Aço luta por patrocínio e para reconquistar a torcida. Mesmo com boa estrutura de concentração, o Tigre não enxerga solução financeira para se manter a longo prazo.

A 278 quilômetros dali, em Muriaé, na Zona da Mata, o campeão mineiro da Segunda Divisão’2010, Nacional Esporte Clube (NEC), vive verdadeiro dilema existencial. Depois de mudanças sucessivas de cidade em busca de apoio financeiro e político, está inativo desde maio, quando dispensou parte do elenco que disputou o Módulo I do Mineiro. Mesmo contando com a força da torcida, ficou em segundo plano e pode desaparecer em 2015, caso o xará Nacional Atlético Clube (NAC) avance para a Segundona Estadual.

A realidade do Ipatinga atual pouco lembra o time que subiu à Série A do Brasileiro’2007. Com dívidas que beiram os R$ 10 milhões e quadro de funcionários enxuto, montou uma escolinha de futebol em julho para incrementar o caixa. No início de agosto, o técnico Ney da Matta rescindiu contrato, indo para Portugal. “Ninguém me ajuda. Estou sentindo na pele a falta de apoio”, apela o presidente Jaider Moreira.

Marcos Michelin/EM/D.A Press


Apesar das dificuldades, o Tigre conta com a ampla estrutura da extinta Associação Atlética Aciaria, cedida em contrato de comodato de 20 anos pela Usiminas. O local oferece relativo conforto a seus 35 atletas: na quinta-feira, o cardápio do almoço foi churrasco e refrigerante. Interditados pelo Ministério Público por contaminação do solo por benzeno, o ginásio e o campo do CT, por outro lado, poderiam ajudar no faturamento, aponta Moreira. A equipe conta com três patrocinadores fixos, segundo o diretor de futebol, Mauro Morishita: um na camisa e dois com placas no estádio Ipatingão. “Se tivéssemos todo o clube liberado para fazer receita, teríamos um caminho. O ginásio é um dos maiores do Vale do Aço. Fiz uma solicitação de apoio à prefeitura e não fui atendido”, reclama o cartola, que mora no Rio de Janeiro e assumiu o clube em 1º de outubro, em Betim (depois da saída do ex-presidente Itair Machado).

CIGANO

Depois de transferir o NEC para Muriaé em agosto de 2013, o presidente Amarildo Ribeiro – que também é gerente de futebol do Nacional Atlético Clube (NAC) – disse ter desanimado do projeto pela dificuldade em mantê-lo viável economicamente. Fundado como Fabriciano Futebol Clube, o Nacional já havia mudado de cidade duas vezes sob o mesmo pretexto: para Nova Serrana, em março de 2010 (quando alterou o nome), e Patos de Minas, em 2013. “Estou apostando no NAC. Se subir para o Módulo II, vou fechar o NEC no ano que vem”, avisa Ribeiro. Contando com apoio da prefeitura de Muriaé e empresários locais, o NAC usa alguns atletas do próprio Búfalo, como o atacante Nei Mineiro. Na avaliação do cartola, projetos de clube-empresa como o NEC só são viáveis a longo prazo. “É preciso começar a investir no lado social, com escolinhas e divisão de base. Não é algo para se fazer de um ano para o outro”, avalia.

Enquanto isso

Só estádio liberado

A prefeitura de Ipatinga alega que não tem recursos disponíveis para apoiar o Tigre e outros clubes de esporte locais. O secretário de Esportes, Fernando Rocha, afirma que o foco da administração é equilibrar as contas da cidade. “Os dirigentes do Ipatinga têm de recuperar a credibilidade. O poder público tem prioridades. Um jogo no Ipatingão não fica por menos de R$ 15 mil. Liberar o estádio já é justo demais”, se defende, citando a disponibilidade gratuita do estádio de Ipatinga à equipe. Em nota, a Usiminas afirmou que que a contaminação do solo do ginásio e campo de futebol do clube não traz risco para a comunidade e para o meio ambiente, sendo proveniente de atividades industriais das décadas de 1960 e 1970. Procurado, o Ministério Público não soube explicar o andamento do inquérito sobre o caso.

Marcos Michelin/EM/D.A Press


Por um lugar ao sol

Se o Tigre diz penar para se manter, uma nova equipe de Ipatinga tenta se firmar apostando no equilíbrio financeiro e atletas locais de base – metade do grupo de 23 jogadores, segundo o técnico Wantuil Rodrigues, que já dirigiu equipes de juniores do América e Cruzeiro e outros clubes do interior, caso do próprio Ipatinga. Iniciativa de um empresário do ramo metalmecânico, o Novo Esporte Ipatinga espera ganhar experiência ao disputar pelo segundo ano consecutivo a Terceira Divisão do Mineiro – o Quero Quero, apelido dado à equipe, abre o campeonato às 10h do dia 7, contra o Trio, em Coronel Fabriciano.
Marcos Michelin/EM/D.A Press


O objetivo é claro: ter retorno financeiro na formação de atletas, subir para a Segundona e conquistar o coração da torcida local. “Futebol é difícil de prever. E se um craque bem pago se machuca? A gente trabalha com uma folha de custo pré-definido. Não queremos brincar com os sonhos dos garotos”, garante o diretor administrativo do clube, Glaudston de Souza Oliveira.

O dirigente aponta a necessidade de um conceito de gestão que evite os vícios do futebol. Para equilibrar e diminuir a previsão de custos – R$ 500 mil em 2013, primeiro ano de vida –, o Novo Esporte fez parcerias montando o elenco a partir da base. “Chegar à Primeira ou Segunda Divisão é fácil. Difícil é se manter. Dentro de uma realidade responsável, queremos ter retorno financeiro”, aponta.

A oportunidade de participar da Terceira Divisão, segundo Wantuil, serve para incentivar a descobrir talentos locais. “A regionalização é a solução para o futebol do interior”, opina.

Para um dos veteranos do grupo, o lateral Carlinhos Capixaba, a equipe vem evoluindo. Aos 31 anos, com várias passagens por clubes do interior de São Paulo (como o Cotia), ele enxerga o projeto como grande oportunidade. “O futebol brasileiro precisa de planejamento e seriedade. Temos muitas pessoas que se aproveitam do lado financeiro e não olham o lado profissional e a base”, analisa.

Marcos Michelin/EM/D.A Press


NA PONTA DO LÁPIS

IPATINGA

Ipatinga
Série D do Brasileiro
35
jogadores
R$ 60
mil de orçamento mensal na Série D
20
anos de comodato para uso do clube social da Usiminas

Novo Esporte Ipatinga

Terceira Divisão do Mineiro
29
atletas
R$ 500
mil de orçamento (em 2013)
R$ 2
mil de teto salarial

MURIAÉ

Nacional (Esporte Clube)
Módulo I do Mineiro
30
jogadores
R$ 830
mil de orçamento
R$ 4 a 23
mil de salário

Nacional (Atlético Clube)
Terceira divisão do Mineiro
26
atletas
R$ 57
mil de orçamento
R$ 1.500
a 2 mil de média salarial

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