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DUATHLON

Vitória da inclusão: projeto social treina crianças de comunidades carentes no triathlon

Treinador Rolnan Gueiros busca potenciais atletas para trabalhar ciclismo, natação e corrida; no Power34 Recife, os jovens participarão gratuitamente

postado em 18/09/2017 14:44 / atualizado em 18/09/2017 15:07

Nando Chiapetta/DP
Dentre os 500 atletas esperados para a próxima edição da competição de duathlon Power34 Recife, no próximo dia 8 de outubro, cerca de 30 crianças chamarão atenção especial. Tratam-se de jovens oriundos de comunidades carentes e treinados pelo projeto social Rolnan Esportes. Na corrida, eles terão a oportunidade de competir sem ter que pagar pela inscrição. Correrão em pé de igualdade com o resto dos atletas em busca de uma medalha ou lugar no pódio. O prêmio maior, porém, eles conquistam no dia a dia: o de vislumbrar no esporte uma chance de crescer e mudar de vida.
O projeto do qual eles participam existe desde 2009 e é comandado pelo treinador Rolnan Gueiros, que realiza treinos frequentes em bairros pobres para selecionar possíveis talentos. A partir daí, os traz para treinamentos diários de corrida, ciclismo e natação. Enquanto forma triatletas e os prepara para buscar resultados em competições, ajuda também a desenvolver atributos como disciplina e motivação. Além da aptidão para o esporte, o treinador também exige bom desempenho na escola.

“Temos alunos com histórico familiar bastante sofrido e que até já estiveram envolvidos em atividades ilícitas. Com o esporte, ajudamos a fazer um resgate, a formar um atleta e um cidadão ao mesmo tempo”, explica Rolnan, que mantém o projeto com doações de alimentos e equipamentos, além do apoio institucional do CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Recife), que cede a piscina onde são realizados os treinos de natação. Os de corrida e ciclismo ocorrem em espaços públicos como o Parque da Jaqueira, a Rua da Aurora e a Via Mangue.

Os treinamentos acontecem seis vezes por semana, com pelo menos duas modalidades por dia. “Treinamos natação diariamente e intercalamos treinos de ciclismo e corrida. Os treinamentos duram cerca de quatro horas, e trabalhamos sempre mirando um calendário de competições que consideramos mais importantes”, coloca o professor.
Nando Chiapetta/DP
Entre as crianças atendidas pelo projeto, destaca-se a atleta Vitória Valadares, de apenas 12 anos. Praticante do esporte há um ano, ela tem enchido os olhos de Rolnan com sua evolução, que lhe rendeu um título do Campeonato Brasileiro infantil. E segue buscando superar a cada dia o próprio desempenho. "Treino todos os dias da semana e, às vezes, até no domingo. Não penso em parar, hoje sou uma atleta de alto rendimento", coloca a jovem, considerada hoje a principal promessa do projeto.

Além do triathlon, Vitória compete também em modalidades similares, como o aquathlon e o duathlon. Em outubro, ela participará pela terceira vez do Power34 Recife, que trará o ciclismo e a corrida à Via Mangue, na Zona Sul da cidade. “Eu gosto muito de fazer triathlon, e o duathlon tem duas das modalidades, o que exige que você faça o pedal e a corrida mais forte. Desta vez, quero vencer”, mira.

Parceria antiga
Especialistas no triathlon, os jovens do projeto de Rolnan serão uma atração à parte no Power34 Recife. Na corrida de duathlon, eles não pagam pela inscrição e prometem brigar por lugares no pódio. A participação deles, por sinal, são mais um capítulo da história de parceria entre o professor Rolnan Gueiros e o organizador do evento, Carlos Alexandria.

“Desde a primeira edição nós estamos participando do Power34 Recife, e temos notado que a organização da corrida tem uma preocupação com o social. Carlos Alexandria (idealizador e organizador da corrida) foi presidente da Federação Pernambucana de Triathlon (Fepetri) por duas gestões, e sempre teve preocupação com a base, assim como seu sucessor. Sempre assistia aos nossos treinos e nos ajudava”, elogia Rolnan.

O crescimento do projeto de Rolnan e o do Power34 Recife coincidem. Assim, enquanto trabalha pela expansão do evento para além do cenário estadual, Alexandria também faz questão de oportunizar aos atletas de base a participação no torneio. “É dever do esporte exercer a sua função de responsabilidade social. É uma iniciativa boa porque engaja outras crianças. Além disso, Pernambuco é uma potência no triathlon infantil e juvenil”, exalta.

Para Alexandria, projetos como o de Rolnan têm a capacidade de criar exemplos de superação. Que, especialmente em lugares onde a criminalidade domina, podem servir de espelho para uma vida correta. “Uma criança que se destaca no esporte vira referência para as demais. Uma coisa é a criança escutar, outra é ela ter um colega como espelho, alguém que cresceu na vida com o esporte. É um exemplo poderoso”, finaliza.
 
 Dedicação e orgulho
Nando Chiapetta/DP
Uma das mais consideráveis conquistas dos atletas do projeto Rolnan Esportes foi alcançada por Marcos Sá Leitão. Em agosto deste ano, o atleta de 18 anos sagrou-se vice-campeão mundial da sua categoria, em torneio realizado no Canadá. Os méritos do triunfo, ele faz questão de dividir com o treinador, que o acompanha no esporte desde os sete anos de idade.

“Rolnan era meu professor de natação desde a infância. Quando ele viu que eu tinha potencial para me destacar, me trouxe para o triathlon. A partir daí, só fiz evoluir no esporte”, conta o atleta. “Ele sempre me ajudou muito e fez com que muitas portas se abrissem. Estudei com bolsa em um colégio graças à ajuda de Rolnan, o que foi muito importante para que conseguisse uma vaga na universidade”, relembra.

Hoje, Marcos se divide entre os treinos diários e o curso de Engenharia Mecânica, iniciado este ano na Universidade de Pernambuco (UPE). Por conta do cotidiano corrido, acaba abrindo mão de alguns privilégios inerentes aos jovens. Tudo em prol de um objetivo maior. “Às vezes meus amigos querem sair no fim de semana, mas eu não posso porque tenho que dormir cedo para treinar, ou porque tenho alguma competição. Eles pegam no pé de vez em quando, mas eu não ligo”, confessa.

Apesar da dura rotina de atleta, Marcos tomou gosto e hoje pensa em seguir carreira como atleta profissional. “No começo, eu não acreditava que pudesse chegar tão longe no esporte. Agora, o que mais quero é manter esse preparo e seguir buscando mais conquistas”, acrescenta o triatleta, um dos mais antigos do projeto social de Rolnan.

Inserido em uma realidade de dificuldades, o jovem, morador do bairro de Ouro Preto, em Olinda, tem hoje no esporte uma importante ferramenta de cidadania. E, apesar das dificuldades que a carreira de atleta lhe impõe, quer seguir buscando novos objetivos. A motivação para tanto reside na mudança do projeto em sua vida. “Hoje, não consigo imaginar minha vida sem o triathlon”, pondera.
 
 Base busca mais fortalecimento
Iniciativas como a do projeto Rolnan Esportes denotam a existência de uma demanda por iniciativas que formem atletas - sejam eles de rendimento ou não. Demandas que nem sempre podem ser atendidas pelas instituições públicas. Há sete meses como Secretária Executiva de Esportes do Recife, a pentatleta Yane Marques tenta fazer com que os projetos de iniciativa pública se multipliquem. Por encontrar uma barreira na limitação financeira, procura começar com aqueles que demandam menor custo.
Peu Ricardo/DP
“Temos alguns projetos embrionários, passando por avaliação para sabermos se precisam de reajuste. Por exemplo, no halterofilismo, na marcha atlética e no vôlei de praia, conseguimos projetos com custo baixo e temos um cenário favorável para formarmos atletas”, coloca Yane. “Estamos com o olhar atento, até porque o segmento do alto rendimento é aquele pelo qual sou apaixonada, e é o mais poderoso para transformar vidas”, complementa.

Um dos objetivos do trabalho de Yane é fazer com que mais jovens passem pelo que ela mesma passou quando começou sua carreira. “Meu sonho é descobrir e dar a chance a cada vez mais jovens, da mesma forma como aconteceu comigo. Temos parcerias com os principais clubes da cidade e escolinhas para formar talentos e também estamos buscando ativar alguns equipamentos esportivos, como o Parque do Caiara, para que existam mais locais nos quais o esporte possa estar no dia a dia das pessoas.”

O desafio de dar oportunidade para a formação atletas é ainda maior quando se fala de esportes como o triathlon, que, em geral, cativam menos as crianças. Nesse sentido, ela acredita que o Power34 Recife pode ajudar a mudar um paradigma. “Uma das minhas preocupações é o pós-evento, para que fique algum legado. A competição deve despertar em muitos jovens o gosto pelo duathlon, já que muita gente escolhe os esportes populares porque não conhece outras vias. Acredito que deve agregar muito para a cidade”.