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Pernambucano Yago Santiago é o 13º enxadrista do Brasil a se tornar Grande Mestre

Atleta de 25 anos começou a praticar o esporte incentivado pelo pai, quando tinha sete anos, e quer disputar a olimpíada da modalidade em 2018

postado em 14/10/2017 10:00 / atualizado em 13/10/2017 20:58

Peu Ricardo/DP
Gênio, fenômeno, prodígio. Durante boa parte dos seus 25 anos, o pernambucano Yago Santiago se acostumou a ouvir tais “elogios”. Há mais características inerentes ao jovem magro, aparentando ter bem menos que os 25, que abriu a porta do apartamento em Boa Viagem e atendeu à reportagem do Superesportes: simplicidade e obstinação são algumas delas. Ele, que joga xadrez desde o sete anos, alcançou recentemente o título de Grande Mestre, o mais alto do esporte no mundo. Foi apenas o 13° enxadrista brasileiro na história a alcançar tal feito. 

 

O xadrez entrou na vida de Yago como uma brincadeira. Entusiasta do esporte, o seu pai, o jornalista Vandeck Santiago, do Diario de Pernambuco, ensinou e incentivou o filho. Fazia isso mesmo quando não estava presente. “A gente jogava por telefone. Cada um dizia a jogada e assim ia”, lembra Yago, que aos 10 anos já jogava torneios com adultos. Aos 15, chegou à final do brasileiro, o que acabou sendo uma marca na sua vida. “Foi a partir daí que passei a encarar o xadrez de forma profissional”, conta.

O ciclo iniciado por Yago aos 15 anos acaba de se completar agora, aos 25. Atingir o nível de Grande Mestre era um sonho de criança que se tornou realidade em um tempo considerado razoável pelo pernambucano. O caminho é duro. A Federação Internacional de Xadrez (FIDE) determina que o jogador deve cumprir três normas (ver quadro abaixo), além de somar mais de 2.500 pontos no seu ranking. “Em 2016, cumpri a terceira norma. Era questão de tempo até eu somar os pontos para chegar nos 2.500”, explica.

 Para somar pontos, subir no ranking e cumprir as normas, Yago teve que rodar o mundo. Acostumou-se a passar metade do ano viajando e metade no Recife, onde volta a se dividir entre a casa do pai e da mãe. Fez temporadas de torneios na Europa, onde estão os mais fortes adversários, que duram por volta de três meses. Depois, girou pelos principais centros da América do Sul. Competiu em dez países diferentes. Uma rotina que vai ser intensificada com o “título” conquistado.

 A partir de agora, como Grande Mestre, Yago terá que disputar mais jogos, contra adversários de maior nível. Terá que viajar mais. Não deixa de cogitar uma mudança de vez para um centro mundial do esporte, mas ainda tem esperanças de que sua nova qualificação possa abrir caminhos no Brasil – até porque não esconde um apego à terra natal.

 “Sempre foi muito difícil bancar as viagens, mas nesse tempo fui me virando. Agora, com o título, posso ter mais facilidade, porque alguns torneios bancam despesas para ter um Grande Mestre participando. Mesmo assim, por causa da distância (para o Brasil) fica complicado. Na minha cabeça, sempre tenho a possibilidade de me mudar de vez”, explica. “Mas ainda acredito que o título possa abrir algumas portas por aqui. É uma outra possibilidade. Ficar e correr atrás de apoio”.


Arte/DP

 

A olimpíada como próximo objetivo

Apesar da possibilidade de mudança, o futuro de Yago não pode ser considerado como indefinido. Ele está decidido sobre os seus próximos passos. Disputar a olimpíada da modalidade, ano que vem, na Geórgia, é o objetivo que ele persegue a partir de agora. Para isso, terá que estar entre os cinco melhores do Brasil em abril de 2018. Atualmente, é o décimo. O esforço, calcula Yago, tende a ser ainda maior do que para atingir o nível de Grande Mestre. Ele vai ter que avançar rápido no ranking, conquistando muitos pontos em pouco tempo. Para complicar, agora que é GM, de acordo com as regras da Fide, terá mais dificuldade para pontuar e mais facilidade para perder.

 “Cumpri uma meta e já tenho que pensar em outra. Quero ir para a olimpíada, que acontece de dois em dois anos. O esforço vai ser maior. Fora do país, tudo melhora, porque tem mais adversários qualificados para jogar, mas dentro dificulta”, afirma ele, citando um aprendizado do esporte que aplica em sua vida. “No xadrez, a gente costuma dizer que é melhor ter um plano ruim do que não ter um plano.”

 A agenda está sendo montada e tem torneio no Rio de Janeiro em novembro, Chile em dezembro e Florianópolis em janeiro. Em fevereiro, Yago parte para uma temporada decisiva na Europa, ainda sendo montada, no aguardo da confirmação de algumas datas. “Devo passar três meses lá jogando, em busca de pontuação”, revela ele, que aguarda o surgimento de alguns apoios. Em breve, ele planeja aderir a programas do governo que dão suporte financeiro e logístico para atletas, algo que nunca teve.

A rotina puxada de treinos

Peu Ricardo/DP
A dedicação de Yago ao xadrez é integral. Ele conta que nunca pensou em prestar vestibular e nem se vê cursando uma faculdade atualmente. Os treinos exigem bastante dele, que passa de seis a oito horas concentrado na atividade, que é bem organizada e envolve as fases do jogo. A mais importante é a abertura, pois é quando o jogador prepara tudo o que vai ser feito durante a partida. O computador é um grande aliado hoje em dia.

Por meio de uma base de dados mundial, ele tem acesso a partidas oficiais de qualquer jogador do mundo. É dessa maneira que ele estuda futuros adversários em torneios, prevendo jogadas e reações a elas. É um estudo minucioso, trabalhoso e que exige uma alta capacidade de compreensão do jogo e memorização.

 Yago lembra de uma história que mostra o quanto o xadrez vai além de um simples jogo de tabuleiro. “Uma vez, ia jogar contra um Grande Mestre uruguaio. Ele é mais experiente que eu, tem uns 40 anos, e sempre tentava sair de tudo o que preparava. Mas antes de jogar com ele, vi todas as partidas que ele já tinha feito na vida. Durante o jogo, percebi um movimento que ele tinha feito uma única vez, num jogo em 1999. E assim eu saí com uma vantagem grande na partida”, conta Yago.

A outra parte do treino engloba o meio e o final do jogo. Nesse caso, o estudo envolve mais conceito e cálculo, segundo o enxadrista. Ele consulta livros e vai para o tabuleiro. “O conceito eu estudo mais com os livros. Já o cálculo, eu pego todo dia várias situações difíceis para sair delas. A estratégia é você planejar, saber adiante. A tática do cálculo é a execução do plano que você traçou. Sem o cálculo, você não consegue fazer nada. Por isso, tem que aperfeiçoar”, explica Yago.

Analogia ao MMA

Yago é um jovem de conversa fácil. Sente prazer em explicar as nuances do xadrez, independentemente se o seu interlocutor é leigo ou tem algum entendimento do assunto. Faz, para isso, inúmeras analogias para facilitar na explicação sobre o xadrez. Uma das que mais usa é bem curiosa e remete a um gosto pessoal por lutas de MMA.

 “Xadrez, desde que comecei, faço analogia com quase tudo”, brinca. “Com luta, faço bastante, principalmente na parte psicológica. Num jogo, por exemplo, um lance muito bom, que o adversário não espera, é como um soco numa luta. Se ele tem menos técnica, é mais jovem, vai querer reagir de todo jeito. E então o jogo fica aberto. É como uma trocação”, afirma.

AMADURECIMENTO

Enquanto fala sobre a sua rotina e relação com o xadrez, Yago constata a própria evolução. Confessa o quanto era instável e às vezes até impulsivo. Hoje, controla melhor o jogo, graças aos treinos e à experiência adquirida com as partidas. “No começo, era mais instável. Ganhava de caras com rating mais altos, mas perdia de outros com rating menores”, diz o enxadrista, que sempre tentou encontrar uma explicação. “Acho que a motivação para ganhar do que tinha rating mais alto era maior, pelo desafio. Além disso, a pressão estava toda do outro lado”, completa.