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RIO 2016

Atleta do Sudão do Sul, Margret Hassan deixa guerra civil para viver o sonho olímpico

Margret comenta realidade do país natal em meio a ansiedade pelo início dos jogos

postado em 30/07/2016 11:00 / atualizado em 30/07/2016 10:12

Renan Damasceno/EM/D. A Press

Margret Hassan tem um celular nas mãos e nada mais importa. Os atletas do mundo todo transitando à sua volta, alguns consagrados, não a impressionam, pois ela pouco sabe quem são. Na província de Wau, no Sudão do Sul, Nordeste africano, televisão para ver notícias do mundo ou esportes é artigo de luxo, para poucos, grupo do qual Margret, que mora em uma casa de blocos cercada por muro de bambu, não faz parte.

Aos 18 anos, ela acaba de ganhar o primeiro celular, participa de sua primeira grande competição e, dentro de alguns dias, viverá o maior momento de sua vida: quando os atletas de 207 nações entrarem enfileirados para a Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos, na sexta-feira, Margret e o povo do Sudão do Sul sentirão, pela primeira vez, a emoção de ver a bandeira de seu país tremulando em um evento esportivo global.

Dilacerado pela guerra e pobreza, o país onde vivem 11 milhões de pessoas, de 64 diferentes etnias, conseguiu a independência do Sudão em 2011. Ao lado do Kosovo, é uma das duas estreantes em Olimpíada. “Significa muito para mim. Estou feliz de vir aqui e representar o Sudão do Sul e o povo de lá”, conta a atleta ao Estado de Minas em um dialeto local, traduzido por uma integrante do comitê sul-sudanês.

Filha de policiais, Margret começou a treinar há quatro anos e, em 2014, participou da Olimpíada da Juventude, na China. Foi sua primeira viagem internacional – a segunda foi no início deste ano, para a Suécia, onde estrelou a campanha publicitária de uma marca de celulares. Wau, onde vive, é a terceira cidade mais populosa do país, tem cerca de 150 mil pessoas e é notável no esporte por ser berço de Luol Deng, atleta da NBA, que defendeu a Grã-Bretanha em Londres’2012. Ela mora em uma região isolada e, para ir aos treinos, caminha por algumas quadras até um ponto, onde embarca em van sempre cheia. Os treinos são em um campo de futebol, de terra e cheio de buracos.

No Rio, Margret vai competir na prova dos 400m do atletismo e representa o Sudão do Sul ao lado de dois atletas: Santino Kenyi (1.500m) e o maratonista Guor Marial, que vai carregar a bandeira preta, vermelha, verde e com um triângulo azul e estrela amarela no meio. Nascido na tribo de Dinka, Marial competiu em Londres como atleta independente.

Guerra Civil

O Sul do Sudão foi castigado ao longo do último século por guerras civis. Em 2005, a região conseguiu autonomia e, em 2011, a independência, depois de um referendo. A separação logicamente não resolveu os problemas étnicos do país. Um exemplo é que há mais atletas sul-sudaneses competindo pelo time de refugiados do que sob a bandeira do país: cinco contra três. Parte da delegação do time de refugiados, que vai disputar os Jogos sob bandeira do COI, chegou nessa sexta-feira ao Brasil, sendo a maioria de sul-sudaneses e quenianos

“É muito difícil praticar esportes no Sudão do Sul porque existem 64 etnias que não vivem harmoniosamente entre si. E é no esporte que eles podem viver juntos, sem etnias, nacionalidades”, afirma Madam Eunice, gerente administrativa do comitê do Sudão do Sul. “Esta Olimpíada tem muitos significados, porque agora há o sentimento de que estamos fazendo parte do mundo. Nesta Olimpíada somos nosso país. Antes, éramos uma outra pátria, que não nos representava”, conta.

De chinelos amarelos, unhas pintadas e agasalho preto com a bandeira do novo país, Margret não fala muito, mas sorri com facilidade. “Gostei do envolvimento das pessoas daqui. Estou curiosa e ansiosa pela abertura e ver todos lá, com estádio cheio”, conta, antes de sorrir, e voltar a se entreter com o celular.

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