Vôlei
None

CASO FABIANA

Pais de Fabiana aconselham atleta a evitar queixa contra torcedor que a insultou na Arena JK

Ocorrido revoltou também os vizinhos da família Claudino, em Santa Luzia

postado em 30/01/2015 09:00 / atualizado em 30/01/2015 09:43

 Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Passados dois dias do pior dia da vida da meio de rede bicampeã olímpica Fabiana Claudino, pelas ofensas de cunho racial sofridas durante a partida entre o Minas e o seu time, o Sesi-SP, foi momento de reflexão. A jogadora conta que procurou ouvir mais do que falar. Conversou pelo telefone com os pais, o aposentado Vital Alberto Claudino, de 67 anos, e a dona de casa Maria do Carmo Marcelino Claudino, que sorri e brinca dizendo que não revela a idade. Eles lhe deram vários conselhos, entre eles, que não deveria procurar um problema a mais ao vir a Belo Horizonte para registrar a queixa.

Fabiana, que conversou também com as companheiras de equipe, com o técnico Talmo, os integrantes da comissão técnica e dirigentes do Sesi, lembrou que voltar à capital mineira para iniciar um procedimento jurídico e depois ter de prestar depoimento seria complicado diante da rotina de viagens e jogos. A jogadora acredita que não deveria ser criado um transtorno extra para as vítimas do racismo.

Ontem, os pais da jogadora falaram sobre o assunto. Vital estava no ginásio e conta que não viu o instante em que a filha foi ofendida, pois tinha saído para ir ao banheiro. “Quando voltei foi que os familiares da Suellen, a líbero do Sesi, me contaram. Fiquei abismado, pois nunca havia acontecido nada igual em lugar nenhum do mundo.”

A mãe, Maria do Carmo, conta que não percebeu o que estava acontecendo. Só quando lhe contaram. “Vi três pessoas se levantarem e se dirigirem ao homem que estava xingando. Eles defendiam a Fabiana. Nunca poderia esperar isso. Eu falei para a Fabiana que achava que ela não deveria seguir com isso, dar queixa, pois iria complicar muito a vida dela.” Os dois não têm dúvidas de que o homem identificado como Jefferson Gonçalves de Oliveira estava embriagado. “Isso era notado facilmente, pois ele não conseguia se manter de pé direito”, diz Vital.

 Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
O fato revoltou também os vizinhos da família Claudino, em Santa Luzia. “Um absurdo, uma tolice muito grande. Penso que ele não tinha o que falar e nem sabia o que estava fazendo ali ou mesmo onde estava”, diz Múcio Sebastião dos Santos, de 60 anos. Maria da Assunção de Paula, de 66 anos, estava indignada. Amiga da família (viu Fabiana nascer e considera os pais como irmãos), entende que o clube também tem sua responsabilidade. “Foi horrível, mas acho que um clube como o Minas não pode deixar que coisas como essa aconteçam. Espero que façam alguma coisa, pois aconteceu lá dentro.”

CBV

 

A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), entidade que comanda o esporte no Brasil, divulgou nota ontem se solidarizando com a atleta e sua família. “A Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) se solidariza e declara total apoio à central do Sesi e capitã da Seleção Brasileira, Fabiana Claudino, vítima de um episódio lamentável, na última terça-feira (27/1), quando foi insultada com injúrias raciais durante o jogo na Arena JK, em Belo Horizonte. O clube minas-tenista tomou as medidas cabíveis, retirando o agressor do ginásio na mesma hora, e a jogadora declarou que tomará as devidas providências. Diante de tal fato, a CBV repudia o ato de racismo, presta total solidariedade à atleta Fabiana e declara que espera não presenciar mais esse tipo de situação.”

A entidade explica ainda que, pelo fato de não ter sido registrado o fato na súmula pelos árbitros da partida, não há como a entidade tomar qualquer providência com relação ao caso.

Mensagens de solidariedade

A ofensa à jogadora Fabiana repercutiu no Brasil e no exterior. Ontem, ela revelou ter recebido mensagens de solidariedade de várias partes do mundo, boa parte delas vindas da Turquia, onde defendeu o Fenerbahce. Havia também de japoneses, chineses, italianos e a grande maioria do Brasil.

A revolta pôde ser sentida não só pelas demais jogadoras da Superliga, mas também pelos homens desse esporte, principalmente os que são afrodescendentes. Um deles, o ex-jogador Pelé, tricampeão com o Minas em 1984-85-86, hoje vereador em Belo Horizonte pelo PTdoB.

Pelé conta que estava no ginásio e viu uma confusão na parte de cima da arquibancada, mas não podia imagina que seria um ato de racismo, principalmente contra Fabiana. “Acho um absurdo e repudio isso, principalmente por ter acontecido no Minas, um clube que me acolheu, como a Hilma e que foi quem lançou Fabiana ao estrelato. Fui o primeiro negro a jogar no Minas e nunca aconteceu nada nesse sentido, pelo contrário. Sempre foram respeitosos comigo. Isso aconteceu, sim, em outros ginásios, em outros lugares, quando íamos jogar uma partida do então Campeonato Brasileiro e nas decisões. Mas aqui, nunca. Nos dias de hoje, principalmente, isso é inaceitável”, diz o ex-jogador.

O medalhista de prata olímpico Samuel, amigo de Fabiana, entende que “esse é um fato lamentável, que deixa a todos tristes”. Para ele, uma grande injustiça. “A Fabiana é uma pessoa íntegra, por isso se tornou a capitã da Seleção Brasileira. Isso não foi à toa. Por ser negro, também estou revoltado. Fico doido com essas questões de racismo.”

O cubano Escobar, destaque do MTC na Superliga, conta que presenciou tudo. “É um ato muito feio. O mundo está lutando contra o racismo, contra atitudes como aquela. Ele tem de ser punido, severamente punido. Nunca tinha visto isso.”

O técnico Nery Tambeiro, do vôlei masculino do Minas, também repudia o acontecido. “Esse acontecimento não reflete o que é a torcida do Minas. Esse cara não faz parte do esporte, do vôlei, do que é o clube e sua torcida. Aqui as pessoas vêm para incentivar. O que ele fez manchou o evento.”

Também os jogadores de outras equipes, como o oposto Juninho, do São José-SP, lamentaram o fato. “Isso é inaceitável. Não deveria se repetir. Já tivemos outros casos de racismo. Me surpreendeu muito por ter acontecido aqui, no Minas, em Belo Horizonte. É sempre uma torcida civilizada, que sabe receber o adversário. Foi uma falta de respeito e acho certo se manifestar contra o ocorrido. É dever de todos.”


...Meninas voltam à quadra
As equipes mineiras voltam à quadra hoje, em mais uma rodada do returno da Superliga Feminina. Às 19h, o Minas, que vem de quatro importantes vitórias (Praia, Pinheiros, Osasco e Sesi) encara o líder, Rio, comandado por Bernardinho. A equipe do técnico Marcos Queiroga está a três pontos do Praia, o quarto colocado. O time do Triângulo recebe, em Uberlândia, o Brasília, às 21h30 (Sportv).