Piu tem quebrado recorde atrás de recorde nos 400 metros com barreira (Foto: Charly Triballeau/AFP)

Alison dos Santos, o "Piu", nem parecia estar em uma final. Ao pisar na pista em que se consagraria poucos minutos depois, o brasileiro de 21 anos levou a mão ao ouvido direito em pedido para que a torcida (formada por atletas) gritasse mais alto no Estádio Olímpico de Tóquio. E se divertiu. Em 46s72, fez um tempo que lhe garantiria o ouro em qualquer edição dos Jogos nos 400m com barreiras. Mas ficou com o bronze em uma das provas mais impressionantes da história centenária da Olimpíada.




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O clichê do "bronze que vale ouro" se aplica com exatidão para o caso do paulista de São Joaquim da Barra. Tanto pela medalha histórica quanto pelo simbolismo que a conquista pode ter para o atletismo brasileiro. Piu é o presente, mas, mais do que isso, é o futuro do esporte no país. Com tão pouca idade, teve um desenvolvimento em velocidade impressionante e alcançou um nível inimaginável até anos atrás.

"Realmente foi uma prova uma prova louca, muito forte, histórica, em que fizeram o que achavam que era impossível: quebrar a barreira do 46s. E três atletas correram abaixo de 47s. Foi a prova mais forte da história e eu fico muito feliz de estar fazendo parte disso. Quando você está correndo, não tem noção do tempo que vai fazer, mas eu sabia que a prova estava realmente muito forte", disse.

O medalhista de bronze ficou alguns segundos atônito antes de ir ao chão depois de ver no telão o tempo que havia conseguido. À frente dele, apenas o norueguês Karsten Warholm (45s94, novo recorde mundial) e o estadunidense Rai Benjamin (46s17). Para se ter uma ideia da representatividade da prova, a melhor marca olímpica anterior havia sido registrada pelo estadunidense Kevin Young (46s78), em Barcelona, 1992. Passaram-se quase 30 anos até que fosse superada.




Campeão e vice, Warholm e Benjamin estão em um estágio mais avançado no desenvolvimento corporal e têm 25 anos - um a mais do que Piu terá nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. "É possível", respondeu o brasileiro, quando perguntado se dava para alcançar as marcas dos rivais. E é mesmo.

Piu tem quebrado recorde atrás de recorde. Neste ano, registrou a melhor marca nos 400m com barreiras impressionantes seis vezes. Em Tóquio, percorreu o trajeto em um tempo tão curto que poderia tranquilamente ser confundido com a prova sem obstáculos. A rotina de sempre melhorar fez o brasileiro ficar conhecido como "PB" (iniciais de "Personal Best", ou "recorde pessoal"). 

O terceiro homem mais rápido de todos os tempos pode simbolizar a (re)construção do atletismo brasileiro, que mandou 53 competidores a Tóquio - vários deles sem condições de chegar às finais. Enquanto a prova de Piu não começava no Estádio Olímpico, dez foram eliminados nas fases classificatórias.




"Xavecar o momento"


Feliz, leve e descontraído, Piu - o "Malvadão" para a torcida brasileira - levou as mãos à cabeça sem acreditar no que havia conseguido fazer. Foi protagonista ao conquistar a primeira medalha olímpica individual do Brasil nas pistas de atletismo desde o bronze de Robson Caetano nos 200m em Seul, 1988.

O segredo para uma performance tão impressionante? Aproveitar o momento. Ou melhor: "xavecá-lo". "Sempre me dei muito bem aquecendo descontraído, levando tudo na leveza, escutando música, me divertindo e realmente 'xavecando' o momento", contou Piu, em declaração que tirou risadas dos jornalistas que o entrevistavam.

Mas engana-se quem pensa que Piu não sentiu a pressão. O jeito descontraído é justamente uma forma de aliviá-la. "Eu estava muito ansioso, muito nervoso, com medo, porque tem pessoas que estavam assistindo. Queria dar orgulho para elas, porque tem o trabalho de pessoas, que estavam na pista comigo, e eu não poderia decepcioná-las", admitiu.




Nas semifinais olímpicas, Piu chegou ao estádio ouvindo o funk "Vulgo Malvadão". Na pista, dançou. E a brincadeira lhe rendeu um novo apelido. Na final, porém, mudou a trilha sonora. "Escutei bastante rap, músicas com letras muito boas, que me faziam pensar, querer ser melhor. Escutei a música do Kyan, 'O Menino que Virou Deus'. Eu aconselho", disse.

"Na música, ele fala que eu trouxe esperança para dentro de casa, sossego para dentro de casa, e que eu só voltaria pra casa quando cumprir a missão que foi dada. E hoje a gente cumpriu a missão. Dia 5 estou em casa e esquece!", completou.

Ao chegar em casa, o paulista de São Joaquim da Barra já tem um programa marcado: tomar uma tubaína, já que ganhou a aposta feita com uma amigo (correr abaixo de 47s). "Tomar na Itubaína e esquece. Estou louco por ela. Não aguento mais", riu e partiu para a festa que, ele sabe, pode ser ainda maior em Paris.