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Torcedor do Cruzeiro vive linha tênue entre a alegria de títulos e a dor do rebaixamento

Após conquistas, cruzeirense lida com maior vexame da história do clube

postado em 10/12/2019 08:00 / atualizado em 10/12/2019 02:06

(Foto: Alexandre Guzanshe/EM D.A Press)
“Quem bate, esquece. Quem apanha, não”. Essa expressão mostra o quão tênue é a linha entre a alegria da vitória e a dor da derrota. É natural do ser humano sentir mais o peso de uma frustração que a satisfação de uma conquista. Isso se encaixa no futebol. Tive a sensação ao conversar com amigos e ler comentários na internet a respeito do rebaixamento do Cruzeiro. Não que o torcedor preferisse trocar as duas Copas do Brasil e os dois Campeonatos Brasileiros recentes pela presença contínua na primeira divisão, mas a queda à Série B, da maneira que ocorreu, feriu milhões de corações.

Nunca ter disputado a segunda divisão em quase 99 anos de história era motivo de muito orgulho aos cruzeirenses, que costumavam usar esse argumento para provocar os rivais atleticanos por causa do rebaixamento de 2005. Entretanto, as duas trajetórias tiveram contextos diferentes dentro de campo.

O Atlético transmitiu a sensação de que caiu ‘de pé’, pois, nos últimos cinco jogos, ganhou quatro e empatou um. Na classificação, foi o 20º entre 22 clubes, com 47 pontos em 42 jogos (37,3%) - a Ponte Preta, 18ª, ficou com 51. À época, os atleticanos reconheceram o esforço dos pratas da casa que entraram na equipe na reta final e os aplaudiram no jogo do rebaixamento: empate por 0 a 0 com o Vasco, dia 27 de novembro de 2005, pela 41ª rodada.

Já o time do Cruzeiro, campeão estadual de maneira invicta em 2019 e quase a ponto de conseguir a melhor campanha geral da fase de grupos da Libertadores, transformou-se em um conjunto totalmente entregue no Brasileiro, praticando um futebol lento, sem vibração e de fácil contenção pelos adversários. Em 38 rodadas, venceu apenas sete, além de 15 empates e 16 derrotas - 36 pontos e 31,57% de aproveitamento. Os 27 gols marcados escancararam a ineficácia ofensiva da equipe, que colecionou vexames no Mineirão, contabilizou irrisórios quatro pontos nos nove últimos jogos e entregou a permanência na Série A de bandeja ao Ceará, 16º, com 39.

Na partida do descenso - derrota para o Palmeiras por 2 a 0, no último domingo -, torcedores manifestaram todo o sentimento de fúria depredando o Mineirão e causando prejuízo material ao quebrarem banheiros, espelhos, cadeiras, bebedouros e até mesmo televisores. Enquanto a Polícia Militar prendeu alguns vândalos, os hospitais de Belo Horizonte receberam feridos que se machucaram em brigas ou foram atingidos por objetos. 
A linha tênue entre a alegria da vitória e a dor da derrota também serviu de exemplo a Thiago Neves. Em 2017 e 2018, ele foi personagem das decisões ao fazer gols importantes nos títulos da Copa do Brasil. Em 2019, transformou-se em vilão, não apenas pelo pênalti perdido na derrota por 1 a 0 para o Ceará, mas pelo comportamento extracampo, a ponto de comparecer um show de pagode no Mineirão em meio ao conturbado momento do clube.

Thiago Neves tem o direito de curtir sua vida social, mas deveria ter evitado se expor dessa maneira em respeito à camisa do Cruzeiro e aos torcedores que tanto carinho por ele já demonstraram. O pedido de desculpas somente com o rebaixamento consolidado e os desmentidos por parte da diretoria mancham a trajetória do camisa 10, que dificilmente terá ambiente para seguir na Toca da Raposa II. E os cruzeirenses ficam sem saber quem diz a verdade.

Contudo, o que provavelmente mais deixou os adeptos tristes foi (e ainda é) a pífia gestão do presidente Wagner Pires de Sá, principal responsável por levar o clube ao fundo do poço, conforme ressaltado pelo colega Tiago Mattar pouco depois do fatídico jogo contra o Palmeiras. Em 26 de maio, o programa Fantástico, da TV Globo, denunciou casos de corrupção protagonizados pela diretoria do clube. 
No início, muitos cruzeirenses afirmavam, em redes sociais, que o propósito das reportagens era “desestabilizar um time que brigava na Copa Libertadores”. Ainda havia o efeito anestésico proporcionado pelas recentes conquistas da Copa do Brasil, em outubro de 2018, e do Campeonato Mineiro, em abril de 2019. E os dirigentes, aproveitando-se de algum voto de confiança, davam justificativas que beiravam o absurdo para os aumentos substanciais em salários, contratações de serviços, comissões e outras benesses prometidas com dinheiro alheio aos aliados. Hoje, Gabriela e Capelo frequentemente recebem mensagens de agradecimento no Twitter por terem ajudado a 'livrar' a agremiação de algo pior.

Apesar de todos os indícios de irregularidades investigados pela Polícia Civil, os afastamentos dos dirigentes Itair Machado e Sérgio Nonato só ocorreram cinco meses depois das denúncias, quando o Cruzeiro já agonizava na luta para não ser rebaixado e lidava com vários meses de salários atrasados. Antes, Wagner Pires de Sá chegou a mudar a nomeação do cargo do ex-responsável pelo departamento de futebol para driblar uma decisão judicial e mantê-lo ativo no comando. Por sua vez, o ex-diretor-geral costumava se esquivar da responsabilidade em várias entrevistas, ressaltando que “não fazia parte do futebol”.

Assim como a alegria de um título é transformada em ambição de novas conquistas, a dor do rebaixamento passará quando a bola rolar em 2020. O Cruzeiro continuará bicampeão da Copa Libertadores, tetra do Campeonato Brasileiro e hexa da Copa do Brasil. E terá, na Série B, a condição de recomeçar. Que haja responsabilidade com a saúde financeira, acometida por uma dívida superior a R$ 600 milhões. Que exista transparência e honestidade de quem estiver no comando. Que prevaleça competência, e não troca de favores, na nomeação de cargos. Que bons exemplos, como o Flamengo, sejam copiados. E, principalmente, que não haja agressões à paixão e à inteligência dos torcedores, pois, como ressaltado na abertura do texto, quem apanha, não esquece.

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