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SELEÇÃO BRASILEIRA

Volta de Dunga não é a solução para a reformulação do futebol nacional

Novo técnico diz que o Brasil "tem de trabalhar arduamente" para voltar a figurar entre os principais do mundo

AFP PHOTO/VANDERLEI ALMEIDA

Até ontem, só um treinador em 100 anos de história da Seleção havia sido premiado com o direito de comandar o Brasil em uma segunda Copa depois de perder a primeira: Telê Santana. Merecidamente. O país chora até hoje a derrota do futebol-arte para a Itália, em 1982. Telê saiu de cena após a fatídica tarde do Sarriá, viu Parreira e Evaristo de Macedo passarem pelo cargo, reassumiu a prancheta um ano antes do Mundial de 1986, mas a vara de condão não repetiu a magia. As lágrimas, em 2014, são pela segunda chance concedida a Carlos Caetano Bledorn Verri. Maior crítico da Seleção de Telê — a ponto de dizer um dia que foi a geração dele a voltar com um caneco, em 1994 —, Dunga não aposta no resgate da beleza para dar vida nova a uma camisa amarela pisoteada por 10 x 1 por Alemanha e Holanda na dupla vergonha. A palavra mais repetida pelo defensor do resultado a qualquer preço, na entrevista de ontem, na sede da CBF na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, foi trabalho: 44 vezes. Com 12 citações, o talento perdeu feio.

Telê Santana voltou à Copa em 1986. Dunga ainda não sabe se irá à Rússia. Embora os cartolas José Maria Marin e Marco Polo del Nero jurem que o projeto tem como ponto final 2018, o novo velho treinador tem duas Copas Américas (2015 e 2016) e as Eliminatórias pela frente. Para os desiludidos com o retorno de Dunga, cinco interpretações da apresentação de ontem permitem sonhar com novas mudanças.

A primeira delas é assustadora. Nos quatro anos distantes da Seleção, Dunga chegou à conclusão que precisa rever a relação com a imprensa, mas não com o estilo de jogo de marcação, contra-ataques e gols construídos a partir de cobranças de falta e de escanteio. Se levar o Brasil ao hexa na simbólica data de 8 de julho de 2018 — exatamente quatro anos depois do Mineirazo —, será com as mesmas caras e bocas feias que nortearam a entrevista do capitão do tetra na coletiva de ontem.

Dois integrantes sentados à mesa também representam ameaça ao trabalho de Dunga. Sucessor eleito de Marin, Del Nero não disse nada na apresentação de Gilmar Rinaldi como coodenador de seleções. Ontem, entrou mudo e saiu calado. Se quiser “revolucionar” a partir de abril, quando assumir a CBF, não terá nenhuma declaração comprometedora contra, por exemplo, a demissão de Dunga.

A maior ameaça a Dunga também estava lá. Ao ceder a Gallo o privilégio de comandar a seleção olímpica no Rio, em 2016, Dunga criou um monstro. Se estiver mal na principal, sabe que o mais cotado a substituí-lo trabalha ao lado dele na CBF. A conquista do ouro inédito alçaria o protegido de Marin e Del Nero a favorito a derrubar Dunga. Mas, nessa, dá para entender o capitão do tetra: ele acumulou as duas funções de 2006 a 2010 e quase caiu depois da medalha de bronze em Pequim-2008.

A última das cinco cascas de banana que ameaçam Dunga é a preguiça de se aprimorar. Enquanto o concorrente Tite rodou o mundo para se reciclar, o novo comandante verde-amarelo assistiu a jogos de casa e trocou ideias em almoços e cafés da manhã durante a Copa de 2014 com nomes desatualizados, como o italiano Arrigo Sacchi, com os treinadores frustrados Ruud Gullit e José Mari Bakero e com o croata Zvonimir Boban, que jamais teve uma prancheta nass mãos.

Na curiosa lista de inspirações da temida segunda Era Dunga à frente da Seleção está até Nelson Mandela, citado pelo treinador como um líder que não conseguiu agradar a todos.