Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

O vento Leste veio salvar a nossa pátria

Atlético e Argentina compartilham do mesmo roteirista. O que não foi aquele gol do Equador aos 30 segundos de jogo, senão os gols de Corinthians e Flamengo no Mineirão na Copa do Brasil de 2014?

postado em 14/10/2017 12:00

Bruno Cantini?Atlético
O Boteco do Pará, em Caraíva, na Bahia, é o melhor bar do mundo. Isso não é força de expressão. Segundo pesquisas frequentes realizadas pelo Instituto DataFred, trata-se de fato de insuperável boteco. Até porque, sobre o seu telhado tremula a bandeira do Clube Atlético Mineiro. Ladeada, é verdade, por uma do Botafogo. Mas se você olhar bem, com olho clínico, verá que o nosso pavilhão está um tico acima do outro. Eu não sei se há escritos de Hemingway pendurados na parede do El Floridita, seu melhor bar do mundo em Havana, Cuba. Sorry, Ernest, mas tem uma coluna minha plastificada e pregada no Pará. É muita glória pra este atleticano exilado no paraíso, condenado ao ócio, ao arroz de polvo e à caipirinha.

Até a última terça-feira, um acontecimento fantasmagórico vinha me intrigando: a bandeira do Atlético no Boteco do Pará insistia em enrolar-se em si mesma, enquanto a do Botafogo permanecia altiva, balançando fogosamente. Toda vez que tal fenômeno ocorre, peço providências imediatas à Cláudia, a esposa atleticana do Pará. Dessa vez, no entanto, ela tinha desistido. Depois de perder a Libertadores, o Brasileiro, a Copa do Brasil e a Primeira Liga, o Galo estava perdendo a batalha contra o vento – seu freguês histórico desde que Roberto Drummond cunhou a frase final sobre a atleticanidade.

Presumo que Micale tenha assumido o comando técnico da ventania, pois na quarta-feira o vento terral que comandava as ações foi substituído pelo vento Leste, e assim viramos o jogo. Sócio-torcedor do Boteco do Pará, fui obrigado a dar as costas à paisagem do rio pra ver de frente o indomável trapo alvinegro. Enquanto conversas se desenrolavam à mesa, meu cérebro ecoava a Galoucura: “Uh, é bandeirão!!! Uh, é bandeirão!!!”.

Imagino que a virada mesmo começou na terça à noite, quando a Argentina conseguiu sua classificação. Alguns atleticanos podem discordar, e até achar que torcem pela seleção da CBF. Mas isso é um autoengano, e a CBF, todo mundo sabe, só fez bater nossa carteira desde 1977. O atleticano, ainda que não queira, torce mesmo é pra Argentina. Porque somos, ao fim e ao cabo, o mesmo time, a mesma alma: dramáticos, sofridos, azarados, invejados por todos em nossa canina fidelidade. Há algo além do futebol nessa louca relação entre o atleticano e o Atlético, o argentino e a sua seleção. Nossos rivais, Brasil e Crüzëirö, celebram títulos assim como os donos de cartório. Atleticanos e argentinos celebram algo muito maior.

Atlético e Argentina compartilham do mesmo roteirista. O que não foi aquele gol do Equador aos 30 segundos de jogo, senão os gols de Corinthians e Flamengo no Mineirão na Copa do Brasil de 2014? Na terça-feira, absolutamente tudo para eles poderia ter ido pro brejo. Aí, resolve brilhar a estrela renegada, os caras viram o jogo de forma espetacular, conseguem a classificação na bacia das almas, e só falta agora ganharem a Copa. É muito nóis.

A beleza do futebol reside justamente nesse tipo de coisa. Uma única virada pode compreender tudo o que há para ser dito. Não é o título que constrói. É o sofrimento, a justiça e a redenção. Se você não sabe disso, como o crüzëirensë não sabe, então você não entendeu nada. Quem não se perguntou “e daí, era isso?” em algum momento daquela madrugada de 25 de julho de 2013, quando o Galo ganhou a Libertadores? Não é da taça que nos lembraremos pra sempre – é da cabeçada do Leonardo Silva aos 42 do segundo tempo. Uma única cabeçada. E tudo o que somos está contido na estranha elipse daquela bola.

2017 não foi o ano do Galo, embora o desgraçado do horóscopo chinês insista nessa mentira. Mas, assim como o argentino jamais se esquecerá dessas Eliminatórias, a gente acaba de ganhar a chance de aprontar no Brasileirão mais um dos nossos roteiros épicos. O Galo vai roubar a vaga do Flamengo na Libertadores. Só vai pra Liberta porque o Crüzëirö foi campeão. Ano que vem a gente tira eles e levanta o caneco. Nóis e a Argentina, esse Galo do futebol mundial.

Agora, tchau, que eu vou fazer a minha parte: vou lá no Pará fiscalizar se tá tudo bem com a nossa bandeira. Gaaaaaaalo!!!

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