Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Guimarães Rosa, 'o nosso Atlético' e o 9 a 2 eterno

Amanhã, quando o nosso Atlético entrar em campo para o primeiro jogo da final, o diplomata Guimarães Rosa estará servindo em algum Consulado do Galo

postado em 31/03/2018 12:00

Sidney Lopes/EM/D.A Press
O escritor e criador do projeto Sempre Um Papo, Afonso Borges, encontrava-se nas últimas semanas em frenética campanha para localizar um poema perdido de Guimarães Rosa sobre o Atlético. Seria a prova cabal de que Rosa sempre esteve do lado certo da história, e fora portanto e de fato torcedor do Galo. Sobre isso abundam testemunhos e convicções – mas Afonso é um tipo cada vez mais raro: ele gosta de provas.

Comovido por sua obsessiva busca ao poema desaparecido, desde já o mais importante entre todos os escritos de Rosa, ofereci para auxiliá-lo na caçada a este “Grande Galão: Veredas”. Tal preciosidade teria sido apresentada aos jogadores do Atlético na embaixada brasileira em Paris durante a excursão do Gelo em 1950. Rosa, então primeiro-secretário daquela casa diplomática, supostamente declamou sua poesia. Supostamente sua voz embargou. Supostamente seus olhos marejaram.

A única testemunha viva e ocular da história é o atacante Vavá. Telefonei pra ele. Sua oitiva muda completamente os rumos da investigação: não fora um poema, fora um discurso. O que, convenhamos, dá no mesmo, já que um discurso, um bilhete ou um post-it de Rosa configura-se pura poesia. O mais importante, a prova cabal, o batom na cueca da agora irrefutável atleticanidade de João Guimarães Rosa: “Ele não falava Atlético”, relembra Vavá, que completa 87 anos no próximo dia 5. “Ele só dizia ‘o nosso Atlético’.”

É uma versão do “Vamo Galo, pelo amor de Deus!” – veja que o Galo é sempre “vamo”, é sempre “nós”. Nosso. “O nosso Atlético.” Diferentemente, por exemplo, do “Vai Corinthians”, modo imperativo que separa time e torcida. A gente não: o campo e a arquibancada é uma coisa só – é nóis. Para um torcedor qualquer isso pode soar um pormenor. Pois é o contrário: este pormaior encerra tudo o que “somos”. Repare em nossa Marselhesa, toda ela na primeira pessoa do plural: “Nós somos do Clube Atlético Mineiro, jogamos com muita raça e amor”; “Vencer, vencer, vencer. Este é o nosso ideal”. Ao referir-se ao “nosso Atlético”, Rosa assinou sua ficha de filiação à Galoucura.

Isso tudo vem ao caso nesta véspera de decisão entre o nosso Atlético e o Cruzeiro porque, segundo Vavá, Guimarães Rosa teria mencionado em seu poema-discurso Said, Jairo e Mário de Castro – o Trio Maldito que meteu o 9 a 2 no Palestra Itália. O inquieto Afonso Borges quis saber onde estava Rosa naquele 27 de novembro de 1927, quando se deu a eterna sacolada. Bingo! Aos 19 anos, Rosa estudava em Belo Horizonte. Pela Teoria do Domínio do Fato, viu o jogo e aquilo o transformou no comum do atleticano – um doente fundamentalista fanático cujo cérebro pensa em Galo 90% do dia.

Neste domingo, quando o nosso Atlético entrar em campo (foto) para o primeiro jogo da final, o diplomata Guimarães Rosa estará servindo em algum Consulado do Galo, provavelmente na filial do Bar do Salomão – o velho Salomão, que o Deus o tenha. Estará na companhia de Roberto Drummond e Aníbal Machado, o extraordinário contista, autor de “A Morte da Porta-Estandarte” – e autor, sobretudo, do primeiro gol da nossa história.

O trio bendito sabe da “nossa” desvantagem. Sabe que o regulamento não “nos” favorece, tampouco “nosso” elenco. Falta lateral, falta zagueiro, falta meio de campo, falta banco, diretor de futebol, planejamento, dinheiro, acharam o técnico na sorte. “Nonada”, diz Rosa, batendo na mesa o copo vazio daquela cachacinha de Curvelo. “Somos 8 milhões contra 11, sem contar a gente que tá morto. Eu tava lá em 27, eu sei que você treme, e quando tá valendo tá valendo.” Levanta-se e puxa o coro, os olhos marejados de Atlético: “Vamo vamo, meu Galô! Vamo vamo, meu Galô! Com muita raça e amor, esse jogo eu vou vencer, eu nunca paro de cantar!”.

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