Fred Melo Paiva
None

DA ARQUIBANCADA

Como o nosso Malafaia do bem, EU A-CRE-DI-TO!

Se atravessarmos o sinistro rubicão com a raça, a competência e a fé com que jogamos no Horto quarta-feira passada, levantaremos essa maldita taça

postado em 08/09/2018 12:00

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
O ópio do povo está com dificuldades de dar conta da realidade no Brasil. É preciso turbiná-lo, envelhecê-lo em barris de carvalho, curá-lo como se faz com um bom canastra.

Mataram Marielle e Anderson. Atiraram na caravana do Lula. Atiraram no acampamento do Lula. A senadora gaúcha Ana Amélia, vice do Alckmin, achou que foi “bem feito!”. Prenderam Lula sem provas, atropelando prazos, desconhecendo a ONU. Bolsonaro homenageou o torturador Brilhante Ustra, disse que o erro da ditadura foi ter matado pouco, fez troça do estupro, foi misógino e racista, ensinou uma criança a simular um tiro com arma de fogo, sugeriu metralhar petistas. Um maluco de Montes Claros esfaqueou o Bolsonaro.

Tal sequência de acontecimentos deveria botar as pessoas a refletir sobre o que dizem e o que fazem. Mas o pastor Silas Malafaia achou por bem inventar e difundir notícia falsa segundo a qual o maluco de Montes Claros trabalha na campanha da Dilma. Fala em nome de Deus, assim como o próprio maluco. Tem 1,35 milhão de seguidores apenas no Twitter.

Ricardo Oliveira (foto) é o pastor que a gente gosta. Como um Malafaia do bem, jogou gasolina na fogueira da Massa ao se lembrar do jogo em que, adversário do Atlético, ouviu do campo o grito de “Eu acredito”. Ricardo Oliveira tem aquele papo de pastor, aquela lábia contagiante do orador que sobe no banquinho e já se acha o Jesus. No meio da semana não deu entrevista, fez foi uma pregação. Usou do expediente, no entanto, para a causa do amor, da esperança, pra convocar o povo à luta pacífica – “lutar, lutar, lutar”. Por um Brasil com menos Malafaias e mais Ricardos Oliveiras, amém!

O Brasil teve 68.330 homicídios em 2017, número maior do que os 58 mil americanos que morreram em toda a Guerra do Vietnã. Foram 60.018 estupros, mas como se estima que apenas entre 7,5% a 10% dos casos são reportados à polícia, o número real salta a cerca de 500 mil. Ou seja, você vive num país onde se estupra uma mulher a cada minuto.

Enquanto essas barbaridades se dão, assistimos ao futebol. No sábado passado, contra o Corinthians, o ópio do povo parecia batizado, preenchido com o orégano da pizza, talvez. Ao escaparmos da realidade para o Itaquerão, terminamos retornando a ela com um calo no olho. E só não foram dois porque o outro olho da cara tivemos que deixar na bilheteria do estádio, na condução e no sanduba de quinta categoria.

Mas veja você como o jogo vira. Um dia, lembrou o bom pastor, a bola bate nas costas do Victor e entra espiritamente. No outro, Ricardo Oliveira cabeceia na trave, a bola volta no zagueiro, que bota dentro. Se Deus é por nós, quem será contra nós? O Aguirre? Ah, vá... Nos dois jogos contra o São Paulo “candidatíssimo ao título”, merecíamos ter ganho os dois. Empatamos um, vencemos o outro. Faltam 15 jogos para o fim do campeonato e oito pontos para a liderança. Isso sim é o ópio do povo em estado de arte, selo ISO 9002.

Se o Brasil sobreviver às eleições, se escaparmos dos homicidas, dos estupradores, das balas perdidas, das facadas no meio da rua, com sorte poderemos chegar a dezembro – e se atravessarmos o sinistro rubicão com a raça, a competência e a fé com que jogamos no Horto quarta-feira passada, levantaremos essa maldita taça. Já pensou uma coisa dessa? Claro que já. E como o bom pastor, nosso Malafaia do bem, eu sei que você acredita. EU A-CRE-DI-TO! EU A-CRE-DI-TO!

Tags: nacional seriea atleticomg