Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Um incêndio de grandes proporções

"Pois bem, vamos eximir de culpa o troglodita feliz captando com seu tacape o grito de extermínio aos homossexuais, ao mesmo tempo em que celebra a versão bananeira de Hitler"

postado em 22/09/2018 12:00 / atualizado em 22/09/2018 14:27

Bruno Cantini/Atlético
O clássico de domingo passado registrou uma das páginas mais infelizes da história do Atlético. “Ô cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”, cantou parte da torcida. No vídeo que circularia durante toda a semana para que o Brasil inteiro pudesse apreciar nossa boçalidade, há um torcedor em êxtase aparentemente gravando com o celular. Sem camisa, feliz da vida. Embora um chassi de grilo, é o próprio homem das cavernas segurando o tacape na mão.

É certo que cada um vota em quem quiser, mesmo em Bolsonaro, ainda que suas ideias e daqueles que o cercam sejam criminosamente racistas, homofóbicas, apologéticas à violência, à eliminação do adversário e das minorias (alguma semelhança com Hitler?). Bolsonaro devia ter sido alijado do serviço público quando, ainda militar, fez planos de explodir o quartel. Devia ter sido cassado quando sugeriu matar o então presidente Fernando Henrique. Devia estar preso por homenagear torturadores da ditadura, afinal o Brasil é signatário de tratados internacionais que fazem da tortura crime imprescritível. Sendo candidato a presidente, o menos culpado de seu favoritismo é o incauto eleitor.

Este eleitor, o eleitor de Bolsonaro, é uma vítima. Vítima de séculos de descaso com a classe média que paga imposto sozinha, de políticos e autoridades que vivem num mundo à parte, como se habitassem Monaco, do modelo de casa-grande que faz da Lei Áurea uma lei que não pegou. Vítima também da recente campanha de criminalização da política, da tática manjada de destampar o bueiro do “mar de lama” apenas quando isso é oportuno para apear certo grupo do poder, em geral aquele que representa bem ou mal as camadas populares. No lugar da urna, manipula-se o ódio e rasga-se o livrinho, afinal, por aqui estado de exceção é a democracia e estado de golpe é que é o normal. Fizeram com Getúlio e Jango, para não irmos mais longe. Antes, deu em 21 anos de ditadura. Agora, em Bolsonaro.

Pois bem, vamos eximir de culpa o troglodita feliz captando com seu tacape o grito de extermínio aos homossexuais, ao mesmo tempo em que celebra a versão bananeira de Hitler. Ainda bem que ele está entre nós e não na Alemanha de 1940, pois começaria assim, depois passaria a alcaguetar os homossexuais da vizinhança, amigos e parentes, e terminaria por jogá-los numa câmara de gás. Em todo caso, dê um Google em Hannah Arendt e a banalidade do mal. O atleticano feliz, coitado, certamente se acha um “cidadão de bem”.

Nem por isso vamos deixar de expor sua imagem tosca e seu canto criminoso, ainda mais agora que caminhamos para o desfecho das eleições. Sua satisfação com a perspectiva de, eleito tal candidato, poder assistir ao extermínio daqueles que por aqui já são assassinados em número recorde é um alerta e tanto sobre a responsabilidade de cada um neste momento. Vão dizer que é só um grito na arquibancada, que “o mundo tá chato”. Não é só um grito de arquibancada. O que está em jogo é a opção ou a negação da barbárie.

Em respeito à sua própria história de luta contra a ditadura, a Gaviões da Fiel se posicionou nesta semana contra Bolsonaro. Sócrates estaria orgulhoso. Foi seguida pela Torcida Jovem do Santos e por agremiações antifascistas ligadas a clubes de futebol (inclusive uma do Colo Colo, no Chile, onde a ditadura de Pinochet matou mais de 40 mil pessoas). A nota do Atlético sobre o ocorrido é tímida e tardia, aproveitando-se de uma campanha anterior que nem sequer cita a homofobia. O Galo tem uma história de combate ao preconceito que vem de sua fundação, é preciso conhecê-la e respeitá-la. Nosso maior ídolo, Reinaldo, foi perseguido pela ditadura, que também comandava a CBF. Não é nenhum absurdo supor que os roubos dos quais o Atlético foi vítima em 1977, 80 e 81 tenham a participação dos militares.

Quando algumas mulheres se revoltaram contra o machismo em um desfile de uniformes do Galo, parte significativa da torcida achou que elas estavam queimando o filme do clube com o fabricante das peças, e as atacou de forma furiosa e desproporcional. Apostaria um dedo que o atleticano de tacape na mão apontou o seu para elas. O fabricante, sabe-se hoje, era um picareta.

O que diz agora aquele torcedor sobre o nome do Atlético vinculado a Bolsonaro e ao extermínio de homossexuais, tratado como o exemplo melhor acabado do “ponto a que chegamos”? Está em todos os jornais, nas editorias de política, em entrevista com sociólogo, no comentário de gente da estatura de Caetano Veloso. Se as feministas queimaram o filme (acho que prestaram um enorme serviço), este agora parece ter sido um incêndio de grandes proporções. Cadê o pessoal preocupado com a nossa imagem?

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