Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Eu devo ter enlouquecido

"A inocência é o melhor dos gardenais. O que te enlouquece é a consciência das coisas, essa bactéria que te faz conhecer o passado, compreender o presente e até enxergar o futuro"

postado em 27/10/2018 16:07

Wilson Dias/ABr

Eu devo ter enlouquecido. Sim, eu devo ter enlouquecido, e o sintoma mais grave, sem dúvida, é que de repente o Atlético não me emociona, eu não consigo pensar em Atlético, e considero estranhíssimas as pessoas que se dispõem, a essa altura do campeonato, a protestar na porta do clube. Quem são elas? Como vivem? Do que se alimentam.?

Eu devo ter enlouquecido, e, se me resta alguma razão, foi por causa de política. Por que não dei ouvidos às pessoas que me diziam “não misture o Galo com política”, “não brigue com os outros por causa de política”? Elas estavam certas. Hoje, enquanto o Brasil está diante do abismo, e pronto para dar um passo adiante, eu estaria são e salvo protestando em frente à sede do Atlético, exigindo a demissão de Tadeu. Enquanto uns apanham e até morrem nas ruas porque vestem camisetas com a frase “Ele Não”, eu mandaria fazer uma faixa – “Tadeu já deu”.

Uma pena que eu tenha enlouquecido, e em razão disso eliminei do Facebook uma prima querida. Não suportei sua foto do perfil enfeitada com nome e número do inominável, ela e o namorado abraçados sorrindo por trás do sobrenome do messias, aquele Hitler. Como enlouqueci, escrevi pra ela depois. Queria saber, veja o nível da minha loucura, como uma pessoa tão boa, de tão bom coração, pode escolher alguém que tem por ídolo um torturador, e acha mesmo válido que se torture outra pessoa como método de investigação.

Fui adiante, como o louco que se dispõe a dizer umas verdades: achei que deveria explicar a ela como Carlos Alberto Brilhante Ustra (foto acima) torturou e matou o jornalista Luiz Eduardo Merlino. Colocando-o de cabeça pra baixo, suspenso nos joelhos por uma barra de ferro. Durante 24 horas ficou nessa posição, sendo interrogado e espancado. Seu crime foi pensar diferente e opor-se à Ditadura. Merlino morreu de gangrena em uma das pernas, aos 23 anos.

Paulo Filgueiras/EM

Expliquei para a minha prima querida como se torturavam mulheres, jovens de apenas 20 e poucos anos, às vezes menos. Davam choques em suas vaginas, e nelas introduziam ratos vivos. Estupravam, penduravam no pau de arara e enchiam de porrada. Traziam os filhos pequenos à sala de tortura para ver o resultado. Minha prima respondeu: “Ai, Fred, eu não gosto de falar de política”. E concluiu: “Rsssss”. “Eu não tava falando de política, disse a ela, “eu tava falando de humanidade”. Mas certamente o louco sou eu.

Minha prima, seus irmãos e o meu tio me fizeram atleticano. Durante anos fomos juntos para o Mineirão em seus Opalas, sem cogitar que o país vivia sob a Ditadura, sem saber o que era uma ditadura, sem imaginar que pudessem existir seres humanos capazes de machucar outros seres humanos com fios de desencapados e sessões de afogamento. Tínhamos, os primos, pouco menos de 10 anos. A inocência é o melhor dos gardenais. O que te enlouquece é a consciência das coisas, essa bactéria que te faz conhecer o passado, compreender o presente e até enxergar o futuro. Coisa de louco.

Agora estou diante da tela branca do computador, e realmente devo ter enlouquecido, porque preciso consultar o Google pra saber que enfrentaremos o Ceará na segunda-feira. Na época em que minha sanidade mental estava em dia, era o tipo de informação que chegava por osmose – eu sempre sabia onde e quando o Galo ia jogar. Agora, é como se não me importasse, e só tivesse olhos, coração e mente para o precipício que se abre bem em frente aos meus pés.

Meus tios, primos e tantos mais esperam alegremente o domingo. Eu devo ter enlouquecido, porque só posso sentir medo. Medo físico, porque no dia do jogo do Galo é possível que já tenhamos eleito presidente alguém que promete “varrer do mapa” seus opositores, na “maior limpeza que esse país já viu”. “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para a fora, ou vão para a cadeia”. Seremos exilados? Pra onde eu vou? Seremos presos e torturados? Ficaremos 24 horas pendurados de cabeça para baixo? Meu filho será chamado à sala de tortura?

Esqueça o futebol, seu voto, no domingo, pode me matar. Pode matar um filho seu, a filha da minha prima, seu neto, seu melhor amigo. Já aconteceu, eu juro, consultem os livros, ouçam os alertas vindos do mundo inteiro, pensem no Cristo torturado, nos judeus nas câmaras de gás. Se eu estivesse são, estaria neste momento em frente a sede de um clube de futebol pedindo a cabeça do diretor. Mas como eu devo ter enlouquecido, estou aqui pedindo seu voto. Não precisa gostar do outro candidato. Se for o caso, tape o nariz e pense que 13 é Galo, o time da virada, o time do amor.

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