Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Pelezares voltou e vai classificar o Galo

Pelezares é uma mistura de Edson Arantes e Diego Maradona, Sócrates e Reinaldo, Messi e Pogba. Pelezares já fez o gol que Pelé não fez

postado em 24/11/2018 12:00

Bruno Cantini / Atlético
 Pelezares está de volta. Depois de uma turnê mundial em que pôde ver de perto a grande Pirâmide de Gizé, a Muralha da China, o Kremlin, as Ruínas de Petra e o Taj Mahal, um mês inteiro a surfar na Indonésia, outros três a percorrer o Caminho de Compostela, depois de cumpridos os 12 trabalhos, percorridos de cabo a rabo James Joyce e a Bíblia, os sete mares de caiaque, os cinco continentes de bicicleta, eis que Pelezares está de volta. Desde o domingo passado agradeceu e deu baixa na carteira de seu sósia, Cazares, e reassumiu as funções no departamento onde está lotado. Quase ninguém percebeu a diferença. Cazares penteia o cabelo para um lado, Pelezares, para o outro.


A gritante diferença, porém, está na maneira como cada qual dá tratos à bola. Cazares é comum, prima por não primar, prefere a quarta colocação a subir o pódio, deseja o posto intermediário, aprecia a nota seis, só assiste ao Oscar para ver o prêmio de melhor ator coadjuvante. Cazares orgulha-se da sua medianidade. Seu super-herói preferido é o Robin. Seu ídolo do rock é o Ringo Starr. Sua cor predileta é o bege. Quando pequeno, queria ser trocador de ônibus. Mais tarde, apaixonou-se pela carreira de operador de telemarketing.

Pelezares, não. Pelezares é uma mistura de Edson Arantes e Diego Maradona, Sócrates e Reinaldo, Messi e Pogba. Pelezares já fez o gol que Pelé não fez. Podia estar no Barcelona, no Real Madrid, mas, como não é bobo, joga no Atlético. Pelezares tem a elegância de Beckenbauer e Zidane, a batida de Zico e Falcão, o carisma de Lukaku e Ronaldinho Gaúcho. Se fosse piloto, seria Senna. Se fosse poeta, João Cabral. Arguido sobre o que desejava ser quando crescesse, disse: “Pelezares”.

Pelezares vai classificar o Atlético. Fez contra o Bahia e o Internacional, fez a jogada e o passe para o gol da vitória. Pelezares fez o atleticano ser feliz de novo com o Atlético. Eu tinha me esquecido de como era, e agradeço a Pelezares a explosão daquele gol derradeiro. De repente não havia mais as duplicatas, o trabalho acumulado sobre a mesa, o Bolsonaro presidente.

Eu havia me esquecido de como uma vitória aos 47 do segundo tempo é capaz de virar a chavinha e acionar o maravilhoso botão do foda-se. Pulei sobre o vizinho de baixo, corri pelo corredor do apartamento com os dois punhos fechados, as veias estufadas, assim como correu o Éder depois de marcar contra a União Soviética, em 1982. Me descabelei, lancei as havaianas no cachorro, comi a samambaia. Puxei a camisa do pijama como o Leo Silva puxa o escudo do Galo, atravessei a mesa de jantar como Diego Hypólito sobre o cavalo. Pobres dessas dancinhas de Playstation na hora do gol perto das minhas cambotas de Vampeta sobre o sofá, no chão, por cima da minha esposa, eu e o meu pastor-alemão. Quando terminei, arfante como Cicciolina, o mundo já havia se transformado num confortável ninho de amores e esperanças.

Não dormi. A bem da verdade, atravessei a noite na labuta operária do repórter de Carta Capital, interrompendo a mais-valia apenas para ver o Galão da Massa. Ainda bem. Pelezares salvou meu emprego. Merecia menção ao pé da reportagem com a qual me debatia já derrotado: “Colaborou Pelezares”. Talvez fizesse também uma menção honrosa a Terans e Patric, esse pé de boi por quem nutro um estranho carinho. Levir é caso à parte. Levir é amor. Só a metafísica pode explicar a enlouquecedora simbiose entre esse japonês do Paraná e o Galo mais doido do mundo, encontro de Buda com Sid Vicious.

Hoje desço pra Santos. Vou ver Pelezares na Vila Belmiro. Tenho certeza de que estará em casa.

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