A gritante diferença, porém, está na maneira como cada qual dá tratos à bola. Cazares é comum, prima por não primar, prefere a quarta colocação a subir o pódio, deseja o posto intermediário, aprecia a nota seis, só assiste ao Oscar para ver o prêmio de melhor ator coadjuvante. Cazares orgulha-se da sua medianidade. Seu super-herói preferido é o Robin. Seu ídolo do rock é o Ringo Starr. Sua cor predileta é o bege. Quando pequeno, queria ser trocador de ônibus. Mais tarde, apaixonou-se pela carreira de operador de telemarketing.
Pelezares, não. Pelezares é uma mistura de Edson Arantes e Diego Maradona, Sócrates e Reinaldo, Messi e Pogba. Pelezares já fez o gol que Pelé não fez. Podia estar no Barcelona, no Real Madrid, mas, como não é bobo, joga no Atlético. Pelezares tem a elegância de Beckenbauer e Zidane, a batida de Zico e Falcão, o carisma de Lukaku e Ronaldinho Gaúcho. Se fosse piloto, seria Senna. Se fosse poeta, João Cabral. Arguido sobre o que desejava ser quando crescesse, disse: “Pelezares”.
Pelezares vai classificar o Atlético. Fez contra o Bahia e o Internacional, fez a jogada e o passe para o gol da vitória. Pelezares fez o atleticano ser feliz de novo com o Atlético. Eu tinha me esquecido de como era, e agradeço a Pelezares a explosão daquele gol derradeiro. De repente não havia mais as duplicatas, o trabalho acumulado sobre a mesa, o Bolsonaro presidente.
Eu havia me esquecido de como uma vitória aos 47 do segundo tempo é capaz de virar a chavinha e acionar o maravilhoso botão do foda-se. Pulei sobre o vizinho de baixo, corri pelo corredor do apartamento com os dois punhos fechados, as veias estufadas, assim como correu o Éder depois de marcar contra a União Soviética, em 1982. Me descabelei, lancei as havaianas no cachorro, comi a samambaia. Puxei a camisa do pijama como o Leo Silva puxa o escudo do Galo, atravessei a mesa de jantar como Diego Hypólito sobre o cavalo. Pobres dessas dancinhas de Playstation na hora do gol perto das minhas cambotas de Vampeta sobre o sofá, no chão, por cima da minha esposa, eu e o meu pastor-alemão. Quando terminei, arfante como Cicciolina, o mundo já havia se transformado num confortável ninho de amores e esperanças.
Não dormi. A bem da verdade, atravessei a noite na labuta operária do repórter de Carta Capital, interrompendo a mais-valia apenas para ver o Galão da Massa. Ainda bem. Pelezares salvou meu emprego. Merecia menção ao pé da reportagem com a qual me debatia já derrotado: “Colaborou Pelezares”. Talvez fizesse também uma menção honrosa a Terans e Patric, esse pé de boi por quem nutro um estranho carinho. Levir é caso à parte. Levir é amor. Só a metafísica pode explicar a enlouquecedora simbiose entre esse japonês do Paraná e o Galo mais doido do mundo, encontro de Buda com Sid Vicious.
Hoje desço pra Santos. Vou ver Pelezares na Vila Belmiro. Tenho certeza de que estará em casa.
DA ARQUIBANCADA
Pelezares voltou e vai classificar o Galo
Pelezares é uma mistura de Edson Arantes e Diego Maradona, Sócrates e Reinaldo, Messi e Pogba. Pelezares já fez o gol que Pelé não fez
Fred Melo Paiva /Estado de Minas
postado em 24/11/2018 12:00
Pelezares está de volta. Depois de uma turnê mundial em que pôde ver de perto a grande Pirâmide de Gizé, a Muralha da China, o Kremlin, as Ruínas de Petra e o Taj Mahal, um mês inteiro a surfar na Indonésia, outros três a percorrer o Caminho de Compostela, depois de cumpridos os 12 trabalhos, percorridos de cabo a rabo James Joyce e a Bíblia, os sete mares de caiaque, os cinco continentes de bicicleta, eis que Pelezares está de volta. Desde o domingo passado agradeceu e deu baixa na carteira de seu sósia, Cazares, e reassumiu as funções no departamento onde está lotado. Quase ninguém percebeu a diferença. Cazares penteia o cabelo para um lado, Pelezares, para o outro.
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