Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Manual atleticano de como ser pequeno

O menino nordestino Raniel calou o ódio, o rancor e os atos deploráveis do Atlético de Lourdes

postado em 07/03/2018 08:57

WASHINGTON ALVES / CRUZEIRO

“Desejamos a você uma semana azul”. Madrugada da última quinta-feira. A voz da aeromoça ecoou enquanto a porta do avião se abria. Inesperadamente, o semblante daquela trabalhadora se transformou em pânico. Encurralada no corredor da aeronave, ela passou a ser atacada.

Um troglodita com o dedo em riste, pulseira dourada a la Sinhozinho Malta, camisa de grife apertada no físico de hipopótamo, esbravejava, truculento, contra a operária: “Vou te avisar de novo! Pare com isso de semana azul. É COISA DE VIADO!”. Por impulso, olhei rapidamente para a pata do animal raivoso e como era de se esperar, lá estava reluzente o sapatênis, ferradura típica de um torcedor do Atlético de Lourdes.

Ainda tentando entender tanta violência contra uma mulher por simples trauma em relação à cor azul, no caminho para casa, ouvi pelo rádio o Seis a Um Câmara se vangloriar por ter operado o sonegador de impostos Neymar. “Amanhã eles colocam o Raio-x na saleta de troféus”, se dobrava de rir o motorista. Preferi ficar calado, pois, no fundo, pensei: “Para esse tipo de gente que exibiu como glória a camisa de um acusado de estupro, até que Raio-x é refresco.

Acordei no dia seguinte e estava no Twitter: “Atlético não poderá usar torcida de alto-falante”. Inócua a ação, pois índole de homofóbico não se muda. Por outro lado, era a confirmação de que jogaríamos no domingo com torcida única, pois os gasparzinhos do Horto não cantam.

O domingo chegou. Nós, cruzeirenses, teríamos pela frente mais um jogo sem graça pela Country Cup. Ainda mais que, às 11h, eles não poderiam desligar refletores. Mas é sempre bom ficar atento com esse tipo de gente que transforma até racista em santo. Vai que o Doria Mineiro tuíta para São Pedro e implora para o dia virar noite. Preferi aguardar.

Primeiro tempo e tudo normal. O silêncio da ala do sapatênis ditava o ritmo de um clube que voltava a desempenhar o seu papel na história: o da insignificância, o da espera por um triunfo sobre o gigante Cruzeiro para se iludir num ódio bobo, débil, quase infantil.

“Agora é bi!”. Alguém gritou numa chacota coletiva. Pasmem, o Atlético de Lourdes esperneou até conseguir transformar uma “bi” cobrança patética de lateral em título inédito. Até que o jogo ficava um pouco divertido.

Verdade que não valia nada para um gigante mundial como o Cruzeiro, mas eis que para dar cores ao domingo sem graça, o juiz tentou equilibrar a peleja e determinou: “Vocês vão com 10 e eles com 11”. Só piorou... Os grã-finos de sapatênis, nas suas luxuosas coberturas em Lourdes, tiveram de engolir seco o canapé depois de assistirem ao humilde garoto nordestino Raniel impor a força do povo.

Fim de jogo. Voltei pelas ruas pensando: “Impressionante, como eles são pequenos”. A tragédia de ser atleticano vai muito além do futebol. O ódio contra os diferentes, o rancor contra os populares do Palestra/Cruzeiro e a pequenez dos seus atos são deploráveis (#Paz).
 
O domingo chegava ao fim e a minha única vontade era reencontrar aquela aeromoça, mãe, operária humilhada por um torcedor de um clube elitista e gourmet. Queria dar-lhe um abraço e dizer, olhando no fundo de seus olhos: “Moça, obrigado por não ter abaixado a cabeça para ele. Saiba que o seu desejo de uma semana azul mostrou a todos que o que treme é o caráter do atleticano”.

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