Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Mãe, meu Cruzeiro tem seis estrelas

Eh, mãe... Se estiver lendo, queria muito lhe contar só mais uma coisa. De noite, ao olhar para o céu azul escuro, sempre penso nas cinco estrelas e na senhora

postado em 09/05/2018 08:00 / atualizado em 08/05/2018 21:03

Osmar Ladeira/foto gentilmente cedida à Coluna Da Arquibancada, de Gustavo Nolasco


Nunca fui ao Mineirão com minha mãe. Convivemos pouco porque, um dia, quando eu era criança, vieram me falar: “ela foi morar no céu”. Ontem, resolvi ligar para o meu velho e perguntar: “pai, me conta quando você e minha mãe foram assistir à final do Mundial contra o Bayern no Mineirão?”. Ele respondeu: “Fui sozinho e de geral. Lenita não gostava de futebol”.

Fui tomado pela decepção porque queria homenageá-la hoje. Restou-me passar o dia praticando outra paixão incontrolável, assim como ser Cruzeiro, mas essa sim herdada dela: a de ouvir histórias. Se não tinha a de Lenita, passei a pedir aos amigos: “me conta uma história da sua mãe?”.

Marília, guerreira, mãe solteira de gêmeos. Era 1987, na casa humilde em Contagem. Observava o filho Leo com os olhos vidrados na TV. Impressionava-lhe o amor do garoto pelo Cruzeiro. Pulou junto com ele quando viu Careca marcar o gol da classificação sobre o Santos, aos 47 do segundo tempo. Ali, prometeu a si mesma: realizaria o sonho do filho de assistir ao seu time no Mineirão.

Por duas vezes, arrumou Leo com uma velha camisa azul, pois não tinha condições de lhe dar a oficial. Mas o tio, a quem confiou a missão de levar o garoto ao estádio, nunca apareceu. Num domingo, que jamais saiu da memória de meu amigo, Marília disse a ele: “vamos! Quem te levará sou eu, meu filho”. Teve empate, picolé, bolinho de feijão e o abraço de mãe mais gostoso do universo. 

Já Moniquinha me deixou dando gargalhadas a contar-me as estripulias de sua mãe, Maria. Era década de 1970 na comunidade de Bento Rodrigues (aquela destruída pelo crime da barragem de Fundão). Ainda menina e alucinada pelo Cruzeiro, Maria pegava escondido o radinho do Tio André para escutar os jogos. Com os gritos de gol, ela e a irmã Efigênia logo eram descobertas e ficavam sem o aparelho. No outro dia, lá estava Maria sentada na calçada, com os ouvidos colados no muro, tentando ouvir o rádio do vizinho Jair. Não havia castigo que lhe impediria de escutar a resenha sobre a vitória azul do dia anterior.

O que falar da história que veio do bairro Madre Gertrudes, em Belo Horizonte? Noite de sexta-feira. 30 de julho de 1976. A cidade parada. Ouvia-se apenas as TVs e os rádios. De repente, a explosão. Gritos, sombras de pessoas correndo, fogos. Marilza, uma criança de 13 anos, saiu agarrada as mãos do pai pelas ruas. “Sou campeã!”, gritava como nunca logo após o gol moleque de Joãozinho e o seu Cruzeiro conquistar a América pela primeira vez.

Quando Marilza contou isso ao filho Michel, ele tinha os mesmos 13 anos. Os dois se preparavam para assistir à final da Libertadores contra o Sporting Cristal, em 1997. O menino escutou aquilo eufórico e com o coraçãozinho disparado. Só conseguiu pensar que se um dia sua mãe pode ser campeã da América, ele também seria naquela noite. Horas depois, Marilza e Michel correram de mãos dadas, gritando: “somos bicampeões!”.

Por muitos anos, Cacá precisou ser um gênio para criar tantas desculpas diferentes e conseguir ir escondido ver os jogos do Cruzeiro no seu estádio, o Mineirão. A mãe, Maria Rita, tinha medo do filho sair sozinho com tanta violência na cidade grande. 

Nessa Libertadores Raiz de 2018, quis o destino que as coisas se invertessem. Já homem feito, Cacá preparou-se para assistir a um jogo. Deu um beijo em Maria Rita e se despediu: “vamos ganhar!”. Ouviu: “vamos sim, filho. Para você voltar feliz como sempre amo te ver”. Quem fugiu foi Maria Rita. Meses depois, foi morar no céu.

Quem sabe ela não esteja lá, junto da minha Lenita, ouvindo essas e outras tantas histórias de mamães cruzeirenses relembradas por meus amigos.

Eh, mãe... Se estiver lendo, queria muito lhe contar só mais uma coisa. De noite, ao olhar para o céu azul escuro, sempre penso nas cinco estrelas e na senhora. Baixinho, lhe agradeço por ter me ensinando a amar histórias, enquanto meu pai me deixava apaixonado pelo Cruzeiro.

Domingo, quando eu estiver no Mineirão, antes de mais uma vitória, olharei para o céu e lhe direi: “feliz Dia das Mães, minha sexta estrela”.




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