Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Do Barro Preto ao céu

O Cruzeiro voltou a honrar a sua história e está jogando futebol como música, como arte

postado em 30/05/2018 08:00 / atualizado em 29/05/2018 21:59

Memória Celeste/imagem gentilmente cedida ao Superesportes


A primeira tentativa de destruir o Cruzeiro/Palestra aconteceu num sábado da década de 1940. Uma legião desceu dos bairros abastados da vizinhança e tentou incendiar o velho estadinho do Barro Preto. Crianças, operárias, pedreiros, artesãos, comerciantes, brasileiros e italianos que viviam naquele bairro popular foram encurralados. O ódio só foi estancado após uma ação corajosa de um jovem tenente chamado Khoury. Indignado com aquela covardia, ele arriscou a vida, se postou à frente do pequeno muro e sozinho, impediu a barbárie.

Desde então, toda e qualquer forma de tentar diminuir o Cruzeiro foi em vão. Década a década, o clube foi trilhando o destino de ser o time do povo em Minas Gerais. Tornou-se a maior torcida fora do eixo RJ-SP, isolou-se no seleto grupo mundial dos incaíveis e há mais de 40 anos, se mantém como La Bestia do futebol-arte respeitada e admirada em toda a América do Sul.

Resumo da ópera, torcer contra o Cruzeiro, ao ponto de querer destruí-lo, deve ser um sentimento dos mais mesquinhos e traumáticos desse planeta. É como sentar no canto do quarto e soltar aquele chorinho reprimido, impotente de menino mimado, que nunca é escolhido nos times da peladinha e quando joga, o faz só porque o pai lhe comprou a pelota. “Vai, filho! A bola é nossa”.

Hoje completamos apenas cinco meses de 2018. Já não existe estoque de secadores capaz de fazer com que o vento mude a sina de nos mantermos entre os maiores e rumo às decisões. Isso chama HISTÓRIA. 

Revertemos um 2 a 0 carregado de soberba nos treinos finais da Country Cup. Enquanto o noticiário e os pessimistas confabulavam a nossa desclassificação no grupo da morte da Libertadores Raiz, fomos goleando ao ponto de fechar como líderes. Durou pouco a vibração por termos de encarar a sensação da Copa do Brasil, pois fomos a Curitiba e vencemos o Atlético Paranaense. De desacreditado no Brasileirão e com as cinco estrelas apagadas num céu nublado de incertezas dos dias passados, entraremos hoje no estádio cruzeirense, no confronto dos Palestras, a poucos pontos da liderança do campeonato que já conquistamos quatro vezes.

O final do ano está longe e tropeços podem nos custar eliminações, mas até que a Copa do Mundo nos separe, vamos olhar para o horizonte apaixonados por nos termos feito Cruzeiro. Sem precisar esconder o nosso chorinho, pois ele não é o da tristeza e da inveja, mas sim o da alegria de um escrete capaz de produzir feitos inimagináveis, com um “Brasileirinho” de Pixinguinha. 

O Cabuloso tem jogado de forma ritmada com um grupo do Clube do Choro, esse gênero musical tão brasileiro e encantador. Honrando a nossa história de tratar o futebol como música, como arte.

Fico imaginando uma partida do Cruzeiro não narrada, mas sim, musicada. Onde as triangulações de Niginho e Piorra ou de Tostão e Natal vão surgindo como as notas de Chiquinha Gonzaga. Os dribles endiabrados de Joãozinho e Roberto Gaúcho sequenciados como improvisos geniais do cavaquinho do mestre Ausier Vinícius. Os desarmes de Procópio e Dedé arrancando aplausos como nos breques da joia rara “Sapato Novo”, canção de André Vitor Correia. Os gols dos Fantoni, Bengala, Alcides e Marcelo Ramos balançando as redes como sopros perfeitos da flauta de Altamiro Carrilho. Por fim, deixando a plateia com lágrimas ao assistir às obras primas de Dirceu Lopes e Alex ao som do bandolim de Jacob. 

Hoje, seguiremos para o embate dos Palestras esperando mais uma sinfonia. Se assim for, deixaremos a nossa roda de chorinho na Toca da Raposa III com o sentimento de dever cumprido com a nossa história. Confiantes de que por mais que os pequenos seguirão tentando nos destruir, sempre haverá um espaço onde a arte do futebol do Cruzeiro irá tocar. E se da terra tentarem nos expulsar, vamos fazer gols, músicas e títulos lá em cima, no vitorioso pedacinho do céu estrelado que nos cabe. 

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