Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Desculpa, Vô, sempre serei Cruzeiro

O embate entre as cinco estrelas e o 'segundo de Minas' dirá quem continuará na estrada pelo passaporte mundial

postado em 08/08/2018 08:00 / atualizado em 07/08/2018 21:50

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Um dos primeiros e únicos malfeitos ensinados por meu pai era ligar para o meu avô Olímpio, flamenguista roxo, ao final de todas as derrotas do time dele. Com poucos anos de vida, balbuciava com dificuldades a frase provocativa soletrada baixinho pelo meu velho: “vovô, quanto ficou o jogo do Flamengo?”.

Não entendia absolutamente nada daquela rivalidade sadia entre os dois, mas adorava ver meu pai do meu lado, dando risadas como um moleque arteiro. Do outro lado da linha telefônica, meu avô. Obviamente, louco para xingar, mas apenas tentando mudar de assunto.

Naqueles idos do início da década de 1980, atrás do Cruzeiro, o Flamengo já tinha a segunda maior torcida de Minas Gerais, assim como é a realidade atual no estado. O que justificava aquela disputa velada entre meu pai, um cruzeirense alucinado e o seu sogro, Vovô Olimpinho, rubro negro da gema, cunhado na comunidade de Ramos, periferia carioca.

Passaram-se os anos e cresceu o meu tamanho, meu nariz e principalmente, minha completa devoção ao Maior de Minas. Meu avô se foi antes de o clube dele conquistar a Copa União em 1987. Do meu lado, aquele campeonato marcava o prenúncio da trajetória multicampeã do meu time estrelado. Isso porque aquele escrete de Gomes, Balu, Ademir, Careca, Hamilton, Róbson e tantos outros se revelaria a “geração de prata”, precursora do nosso domínio nacional e sul-americano da década de 1990. 

Certo é que, desde aqueles anos, o meu Cruzeiro e o Flamengo de meu avô se tornaram os clubes nacionais mais conhecidos e respeitados fora do Brasil. Quis o destino, que hoje, os dois representem metade do seleto grupo de times gigantes, ou seja, aqueles que nunca disputaram uma Série B.

Em termos de títulos de expressão, o equilíbrio entre os dois maiores de Minas Gerais é evidente. Sendo o Cruzeiro um “rei de Copas” (5x3 em Copas do Brasil, 2x1 em Copas Libertadores e 2x0 em Supercopas) e o Flamengo levemente superior apenas em Brasileiros (5x4), mas tendo o Mundial para compensar o pêndulo azul.

Tudo isso pode mudar nessa noite, quando invadiremos o Maracanã para o primeiro duelo pela permanência na Copa Libertadores Raiz. O embate entre as cinco estrelas e o “segundo de Minas” dirá quem continuará na estrada pelo passaporte mundial.

Verdade seja dita, se tinha o Flamengo como uma pequena brincadeira nos tempos de meu avô, com o passar dos anos, apanhei uma preguiça enorme da arrogância flamenguista com seus “segue o líder” e desfrutando de uma imprensa bairrista. Desta vez, manifestações um pouco mais recatadas, escaldadas pela sequência de títulos que conquistamos sobre eles (“correu Thiago Neves para a batida...”).

Por outro lado, são exatamente o respeito e a lisura da história do Cruzeiro que nos diferem do estágio atual da “torcida dos cheirinhos”. Também por lembrar do quão os adversários de hoje são tão diferentes da época da bonita e humilde paixão de meu avô pelo seu clube.

Por isso, na noite de hoje, ao final da primeira batalha pelo avanço na Libertadores, quando eu olhar para o primeiro aparelho telefônico, lembrarei de meu saudoso Vô Olimpinho. Sentirei saudades de ouvir suas histórias, sua paixão pelo futebol e até mesmo de vê-lo assistindo aos jogos do seu Flamengo pela TV com o som desligado e o radinho de pilha sobre ela. 

Queira Deus, Mano Menezes, Thiago Neves, Dedé, Arrascaeta e Cia, que essa lembrança venha após uma vitória celeste, pois assim, em pensamento, vou ligar lá para o céu, pedir para chamarem Olimpinho e quando ele atender, vou dizer: “ei, Vovô. Quanto ficou o jogo do Flamengo?”.


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