Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Cadê a memória do seu time? O fogo queimou!

"Raríssimos foram os livros produzidos sobre a memória do Cruzeiro para além do imediatismo do título A ou B. Também não vieram de iniciativas do clube, mas sim de guardiões externos, como Plínio Barreto, J.A. Ferrari, Pedro Blank e outros tantos membros da imaginária (que deveria ser real) Academia Cruzeirense de Letras."

postado em 05/09/2018 08:00 / atualizado em 11/09/2018 14:26

Arquivo EM D.A Press
Inúmeros troféus e medalhas do Palestra/Cruzeiro e de outros clubes gigantes do Brasil desapareceram em 1942. Foram derretidos e transformados em armamentos e balas para a campanha do governo brasileiro em apoio aos Aliados contra o Eixo, durante a Segunda Guerra Mundial. No nosso caso, um pedaço da memória cruzeirense que jamais voltará.

Qual apaixonado nunca quis conhecer mais sobre a evolução de modelos e escudos bordados na camisa de seu time ao longo de décadas? Nenhum clube brasileiro se preocupou em guardar ao menos um exemplar das vestimentas que também ilustram as suas histórias. No que tange a nós cruzeirenses, por um golpe de sorte, contamos com bravos colecionadores particulares, que ao longo de vidas inteiras,tiraram dinheiro do próprio bolso para garimpar e salvar essas joias. Graças a eles ainda existem exemplares do manto sagrado utilizados por ídolos das longínquas décadas de 1950 e 1960. 

Desde 1965, a torcida do Cruzeiro produz imagens, sons, cânticos e cria movimentos épicos nas arquibancadas do nosso estádio, a Toca da Raposa 3 (ex-Mineirão). A partir de meados da década de 1970, iniciou-se uma revolução cultural com o surgimento das organizadas. Suas Velhas Guardas criaram e seus novos seguidores mantêm viva essa biografia popular que também pertencente ao DNA do clube. Jamais foi catalogado sequer um registro oficial ou incorporado à história do clube algum patrimônio material ou imaterial desses episódios protagonizadas por grupos de torcedores. 

Raríssimos foram os livros produzidos sobre a memória do Cruzeiro para além do imediatismo do título A ou B. Também não vieram de iniciativas do clube, mas sim de guardiões externos, como Plínio Barreto, J.A. Ferrari, Pedro Blank e outros tantos membros da imaginária (que deveria ser real) Academia Cruzeirense de Letras. 

Registre-se: a obra clássica “De Palestra a Cruzeiro”, do mestre Plínio e seu filho Luiz Otávio, editada no ano 2000, deveria ser uma bíblia sagrada, atualizada de dez em dez anos e entregue por todas as diretorias a cada jogador/funcionário, dando-lhe a obrigação primeira de conhecer a história do Maior de Minas. 

Marcos Michelin/Estado de Minas - 11/09/2002

Muitas agremiações não possuem sequer um banco de fotografias e imagens. Noutras, no século passado, por birras políticas entre gestões adversárias, acervos fixos foram simplesmente jogados no lixo. Há anos, no Cruzeiro, foi construída uma sede nova com sete andares, na qual, apenas uma sala de 20 metros quadrados é destinada a salvaguardar milhares de peças históricas.

O que nos salva e nos diferencia mesmo do singular descaso com a memória, visto em todos os outros clubes brasileiros,é a dádiva do Cruzeiro ser gigante em história, torcida, conquistas e reconhecimento mundial. Por questão de natureza e caráter, jamais chegaremos ao ponto de resumir nossa história ao ódio, ao favorecimento político sem escrúpulos ou à ode ao estupro estampado numa vitrine de troféus.

Mesmo com esse diferencial, no que tange à preservação da sua memória, o Cruzeiro não é um ponto fora da curva. Historicamente, ele e todos os clubes brasileiros se tornaram reféns desse mundo do descartável, do virtual, das arenas, dos eventos midiáticos a serviço de padronizar paixões. Onde torcedores de todos os grandes clubes nada mais são do que um “cartão de crédito”, um IP para os APPs de venda ou um banco de dados usado nos algoritmos das redes sociais. 

Todos os clubes tratam seus sócios-torcedores como consumidores. Não são consultados, opinam, decidem ou detêm parte do patrimônio  - e da memória – que financeiramente e historicamente ajudaram a construir. Simples, no futebol brasileiro moderno, cartões de crédito e algoritmos não votam. 

A culpa é cultural e generalizada em todas as grandes agremiações. Ela é o retrato de uma sociedade que não se preocupa com o seu Direito à Memória.

Existem muitas formas de se apagar a história nacional ou de qualquer instituição eterna, como o Cruzeiro Esporte Clube. Na semana onde seguidos governos corruptos - amarelos ou vermelhos - cometeram o maior crime contra a memória brasileira, é bom lembrar do quanto o fogo é só a consequência. A causa são os homens.

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