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TIRO LIVRE

Tem de escolher?

Eleger determinado jogador como titular não significa necessariamente que o preterido não tenha serventia

postado em 10/03/2017 12:00 / atualizado em 10/03/2017 21:11

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Você pode gostar de doce e salgado. De praia e montanha. De filmes de comédia e drama. De música sertaneja e dos acordes do rock. Nem sempre as preferências precisam ser excludentes. Pelo contrário: muitas vezes, é até melhor não escolher. Abre a cabeça, nos permite ver os fatos por ângulos diferentes, amplia a visão de mundo. No futebol também é assim. Nada melhor para um treinador do que ter várias opções no grupo e a chance de trabalhar com cada uma delas, da maneira como lhe convier e segundo as circunstâncias. Eleger determinado jogador como titular não significa necessariamente que o preterido, por estar na reserva, não tenha serventia alguma.

No Cruzeiro, um caso tem ficado latente: a disputa particular entre Ramón Ábila (foto) e Rafael Sobis. Relegado a segundo plano nesta temporada, desde que o técnico Mano Menezes decidiu efetivar Sobis no ataque, o argentino tem sido personagem de longas discussões entre torcedores nas redes sociais, a cada partida. Defensores do centroavante pleiteiam que o comandante celeste lhe dê mais chances. Questionam, inclusive, se há algum problema entre eles. Apoiadores da escolha de Mano, por sua vez, compreendem que Sobis deve ser mesmo titular, por ter mais qualidade técnica. E há um terceiro vértice nesse embate: os que acham que bom mesmo é Mano ter os dois no grupo, utilizá-los de acordo com o adversário, a estratégia de jogo, etc., e que o debate só vai gerar crise.

Vamos aos números. Dos 11 jogos oficiais da Raposa em 2017, Ábila disputou sete. Desses, foi titular apenas em três, quando Mano lançou mão de time reserva ou misto, contra Tricordiano, Chapecoense e URT. Foram também essas as únicas vezes em que ele atuou os 90 minutos. A grande bronca dos defensores do centroavante reside justamente no dado a seguir: nas quatro oportunidades em que entrou no decorrer das partidas,o argentino foi acionado apenas no segundo tempo, muitas vezes já nos minutos finais. Contra o Villa Nova, Ábila substituiu Alisson aos 18min; no clássico contra o Atlético, jogou a partir dos 27, no lugar de Sobis; contra o América-TO, entrou aos 37, em nova troca com Alisson; e diante do Murici, na noite de quarta-feira, pela Copa do Brasil, foi colocado na vaga de Sobis aos 40.

Diante de Tupi, Volta Redonda, São Francisco-PA (Copa do Brasil) e Caldense, o atacante foi relacionado, mas nem sequer entrou em campo. A ala pró-Ábila reclamou sobretudo da ausência contra a equipe de Juiz de Fora, já que o argentino vinha de dois jogos seguidos em que marcara dois gols – foi o responsável pelas vitórias por 2 a 1 sobre o Tricordiano e por 2 a 0 pela Chapecoense (Primeira Liga). Essas duas partidas contribuíram, e muito, para a estatística favorável de Ábila: com seis gols em 11 jogos oficiais, ele divide a artilharia da Raposa na temporada com Sobis – contabilizando o amistoso contra o Brasília, Ábila soma sete gols e Sobis, nove. Em outras palavras, apesar de ter ficado menos tempo em campo que o companheiro, ele tem tido rendimento semelhante.

Mas, como diz o filósofo, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Analisar friamente os números, nesse caso, pode acabar deixando obscura uma parte importante da avaliação. Sobis tem sido mais regular, e sua característica vai além da missão de marcar gols. De espírito mais participativo que o argentino, o gaúcho é, coletivamente falando, mais produtivo para a equipe. Por se movimentar mais, ele abre brechas nas defesas adversárias, ajuda nos desarmes e até volta, aumentando o volume de jogo do meio-campo. Nem por isso, Ábila, por ser mais estático, é menos importante: com seu estilo rompedor, ele é fundamental nas partidas truncadas, em que o toque de bola não é suficiente para abrir espaços. É forte no jogo aéreo e no corpo a corpo. E foi usando dessas virtudes que o argentino foi importante no duelo com o Murici: bastaram três minutos em campo para que balançasse a rede. Diante do cenário da partida e do gramado ruim, o treinador cruzeirense até poderia tê-lo acionado antes, não precisava esperar até os 40min do segundo tempo. Talvez nesse ponto os defensores de Ábila tenham razão. Não quer dizer, no entanto, que ele deva ser titular sempre.

Compreender esta engrenagem é dever não só dos jogadores, mas também de torcedores e até da imprensa. Administrar esta situação de forma inteligente é papel de Mano Menezes. Ter os dois não pode ser um fardo para o treinador. Ser um reserva útil, ainda que por poucos minutos, pode garantir a Ábila mais visibilidade do que longos minutos como titular sem a mesma eficiência.

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