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TIRO LIVRE

Motivação além-mala

'Mano está precisando reinventar o campeonato do Cruzeiro para extrair o melhor de seus jogadores'

postado em 03/11/2017 12:00

Leandro Couri/EM/D.A Press
De toda essa discussão em torno da chegada ou não da mala branca à Toca da Raposa II para impulsionar os jogadores do Cruzeiro diante do Palmeiras, o que fica é uma certeza: o futebol é, sim, feito de estímulos. O que diferencia o que é aceitável do que é condenável é a maneira como tal motivação é alcançada. A mola propulsora de qualquer esporte é a competitividade, a luta pela vitória, por vezes de um indivíduo contra si próprio. Num mundo tão mercantilista como o do futebol não deixa de ser natural surgirem teses de afago financeiro sempre que um time se posiciona como fiel da balança, como o Cruzeiro nesta reta final de Campeonato Brasileiro. Não é a primeira vez e nem será a última que vamos ouvir isso. Mas, no caso celeste, o próprio técnico Mano Menezes (foto) já deu sinais de como será sua tática para manter os jogadores envolvidos na competição ainda que, teoricamente, para eles nada haja a disputar. E ela passa bem distante de empurrões monetários alheios.

Mexer com os brios dos atletas. Essa é a estratégia, o pulo do gato. Pelo menos foi o que o comandante celeste já deixara escapar nas entrelinhas de sua última entrevista, pós-jogo contra o Palmeiras (empate por 2 a 2, no Allianz Parque), e que certamente ganhou mais força depois da polêmica em torno da mala branca. O objetivo celeste até 3 de dezembro será mostrar o valor de sua camisa. E isso vai muito além do que essa frase pode fazer supor em sua interpretação mais literal.

Não é questão de provar algo a alguém. Longe disso. As provas que a Raposa tem de seu tamanho estão em sua galeria de troféus, no Barro Preto. Essa é, no entanto, somente uma peça do quebra-cabeça. No conjunto da obra existem outros elementos, nem sempre tão concretos e óbvios, a determinar a grandiosidade de um clube. E a métrica dessa dimensão vai além da quantidade de taças que ele coleciona. São os jogadores que entram em campo a envergar uma história quase centenária, escrita por ídolos que deixaram mais do que seus nomes marcados no coração do torcedor. É justamente nesse ponto, mais emocional que racional, que entra a receita de Mano.

Se levarmos em conta apenas o que o Cruzeiro tem a disputar daqui pra frente, de fato quase nada há para servir de estímulo à equipe. Pragmaticamente falando, terminar em terceiro lugar ou em 10º nada mudará. A vaga na Copa Libertadores está garantida, independentemente do desfecho celeste no Nacional. O título não é sequer uma possibilidade. O viés puramente prático leva naturalmente a um certo conformismo. Por vezes até de maneira inconsciente. Evitar que esse sentimento anestesie seu grupo é o grande desafio do treinador cruzeirense até a derradeira partida pelo Brasileiro. 

O combustível que Mano está injetando em seu time neste momento tem como premissa básica manter acesa a chama da cobiça por vitórias que vão muito além daqueles três pontos que entram na conta da Raposa a cada triunfo, na pura e simples matemática do futebol. A meta está bem clara para quem tem acompanhado atentamente as palavras do técnico e todas as mensagens, subliminares ou não, que estão contidas nelas. O que ele busca é introjetar nos atletas a importância das vitórias sem recompensas aparentes. Sem troféu a receber. Uma vitória que vai ao encontro do que é a essência do esporte, na sua forma mais cristalina. Sem a necessidade de malas, qualquer que seja a cor que queiram atribuir a elas.

Acredite: essa missão é tão ou mais difícil do que quando há um alvo efetivo a ser atingido. Porque um time que tem a taça em vista, ou uma vaga na Libertadores, ou, ainda, a obrigação de se safar do rebaixamento é empurrado quase que automaticamente por seus propósitos. No caso do Cruzeiro, o objetivo não é palpável. É abstrato. E fazer os jogadores enxergarem os 90 minutos de uma partida por essa ótica quase metafísica não deve ser fácil mesmo. Não por acaso, acaba virando campo fértil para teorias, e até mesmo ofertas, de estímulo financeiro.

Mano está precisando reinventar o campeonato do Cruzeiro para extrair o melhor de seus jogadores. Neste ponto, entra mais do que orientar o grupo a respeito do ponto fraco dos adversários. Mais do que pensar em jogadas ensaiadas. Diante do Palmeiras, a carta na manga foram os discursos de jornalistas paulistas – no entendimento de Mano, o Cruzeiro foi colocado em segundo plano, ofuscado pela polarização entre os objetivos de palmeirenses e corintianos. Contra o Atlético-PR, a trama terá outro enredo. Da mesma forma contra o Flamengo, e assim por diante... 

O campeonato que o Cruzeiro vai disputar, até a última rodada do Brasileiro, é consigo mesmo. E essa competição, o ambicioso Mano também vai querer ganhar. Pode anotar aí.

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