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TIRO LIVRE

Do campo para a delegacia

Os bastidores celestes viraram palco de uma batalha em que o maior perdedor é o próprio Cruzeiro

postado em 24/11/2017 12:00 / atualizado em 24/11/2017 09:25

RAMON LISBOA E LEANDRO COURI / EM DA PRESS

Sempre que um clube entra em ebulição política como vem ocorrendo com o Cruzeiro lembro-me do meu saudoso amigo Benjamin Abaliac, ex-colega de Estado de Minas, comentando que a parte do futebol que interessava a ele era a esportiva: o jogo, os times, as táticas, os grandes lances, os gols. Cartolas com declarações bombásticas, por vezes jogando para a torcida, e fofocas extracampo ele ignorava solenemente. Benja, como era carinhosamente chamado por nós, foi um dos meus mestres, não só no jornalismo, mas também na vida. Sempre ético, abominava qualquer tipo de bajulação com personagens do futebol. E me deixou vários ensinamentos.

De fato, quando pessoas que trabalham/vivem do futebol, esporte mais popular do planeta, “decidem” partir para as páginas policiais, tudo o que de fato importa é arremessado para escanteio. Cartolas que se digladiam publicamente carregam, a reboque, a imagem do clube que representam, talvez sem perceber o mal que estão fazendo à instituição que dizem admirar.

Há quase 17 anos trabalhando diretamente com esporte, não me lembro de tamanha combustão na coxia celeste. Normalmente, os imbróglios cruzeirenses eram resolvidos nos limites de sua sede no Barro Preto. As quedas de braços ficavam no foro privado, solucionadas interna e politicamente. Talvez até pelo fato de a ala que é maioria no Conselho Deliberativo perdurar no poder. Uma faísca dificilmente virava explosão – era imediatamente abafada.

O panorama atual no Cruzeiro é semelhante ao vivido pelo Atlético no fim dos anos 1990 e início de 2000, nas gestões Paulo Cury, Nélio Brant, Ziza... Era uma bomba por minuto. Os setoristas do clube iam dormir já esperando um novo problema político para relatar no amanhecer seguinte. O que o time fazia em campo, bem ou mal, acabava em segundo plano. E não dá para desvincular uma coisa da outra, dizer que esse tipo de situação não respinga no time, porque respinga sim. É impossível dissociar clube e equipe. A instituição futebolística é uma unidade que existe, em primeira instância, pelo futebol. Mas que é sustentada por vários pilares, e entre eles está o político.

Desde a eleição para presidente, em 2 de outubro, o Cruzeiro se transformou num caldeirão. Pior: numa grande interrogação. O clima pesado pré-pleito ganhou contornos bélicos, num efeito bola de neve, com acusações de ameaça de morte e queixas-crimes. Verdades – e alianças – não têm durado 24 horas. A chapa da situação, vencedora, virou oposição. Quem, teoricamente, vestia a mesma camisa, hoje troca tiros com seus antigos pares. E no meio deste tiroteio, conselheiros desnorteados, muitos deles decepcionados e, principalmente, preocupados com o rumo que o clube está tomando. Há quem aposte até em mudanças importantes no primeiro escalão da diretoria que assumirá em janeiro. E ainda tem a eleição para o Conselho batendo à porta, marcada para 2 de dezembro, igualmente envolta em bombardeios.

A transição política, que deveria ocorrer sem sobressaltos, virou um cabo de guerra. São muitas as incertezas quanto ao futuro, justamente um futuro com elementos para ser promissor nas quatro linhas, com a volta do Cruzeiro à Copa Libertadores, a manutenção do técnico Mano Menezes e da espinha dorsal do time. Os bastidores celestes viraram palco de uma batalha em que o maior perdedor é o próprio Cruzeiro.

Lavar roupa suja em público nunca é a melhor solução. Debates, em alto nível, são sempre salutares, aliás indispensáveis em qualquer âmbito da sociedade. É premissa de todo e qualquer sistema intitulado democrático. Ouvir o outro lado, dar voz a ideias diferentes apenas amplia os horizontes, leva a caminhos mais consistentes. E isso é muito mais importante do que coalizões arranjadas para manter um aparente controle da situação.

A sorte de quem está no comando do Cruzeiro e de quem está prestes a assumir é que, neste momento, o time não depende da tranquilidade extracampo para obter resultados. Foi campeão da Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro faz uma espécie de figuração de luxo, esperando apenas dezembro chegar. Mas para o ano de 2018 será fundamental que a equipe encontre um terreno estável para se apoiar. Não esperem que tudo funcione no piloto automático. As tormentas podem se tornar um furacão devastador. Melhor corrigir a rota agora, enquanto a tempestade ainda não tem alcance destruidor.

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