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COLUNA TIRO LIVRE

Futurologia x análise de mercado

Quem analisa futebol profissionalmente precisa de um olhar mais racional sobre a coisa. Colocar na balança a gestão do clube como um todo, as consequências de cada decisão tomada pelos dirigentes. Sem confete

postado em 12/01/2018 12:00

Sidney Lopes/EM/D.A Press

O ano de 2017 deixou algumas lições futebolísticas para 2018. A principal delas talvez tenha sido a reafirmação do ditado de São Tomé: o de que é melhor ver para crer. No caso do esporte bretão, há pouca, ou quase nenhuma, relação com a fé – e sim com a pressa desnecessária em dar vereditos, em decretar quem será campeão baseando-se tão somente em listas de jogadores adquiridos pelos clubes, antes mesmo do primeiro chute na bola. A gente mal pulou sete ondinhas na virada e já tem sujeito querendo adivinhar quem erguerá a taça daqui a 11 meses! Nessa velocidade cibernética que a vida tomou, nada melhor do que lançar um “muita calma nesta hora”, respirar fundo e dar um passo de cada vez.

Você pode saber as virtudes (e até os defeitos) de certo jogador, seu potencial e a perspectiva de encaixe na equipe. Imaginar como ele será aproveitado pelo treinador e o quanto pode render. Mas daí para a prática entram elementos que não tornam a equação tão óbvia assim. E tome 2017 para provar isso! O segundo lugar do Palmeiras no Campeonato Brasileiro, mesmo com a gigantesca injeção de dinheiro da Crefisa, que contratou no atacado; ou o saldo final do Flamengo, que depois de catar reforços milionários daqui e dali em meio à temporada precisou se contentar com a taça do Carioca; e até a campanha pífia do Atlético, campeão mineiro e só, mesmo com tantos atletas renomados e muito bem remunerados.

Por isso, analisar como será o rendimento de uma equipe apenas a partir da movimentação do mercado não passa de mero exercício de futurologia. O torcedor, especialmente aquele mais passional, pode até se empolgar com os reforços de seu time e sonhar com títulos. Mas quem analisa futebol profissionalmente precisa de um olhar mais racional sobre a coisa. Colocar na balança a gestão do clube como um todo, as consequências de cada decisão tomada pelos dirigentes. Sem confete, sem oba-oba.

Você pode até ponderar que há casos e casos. Como, por exemplo, as apostas em craques. Mas craques mesmo! Aí é permitido viajar um pouquinho mais, quase que numa licença poética. Porque, geralmente, ele se basta. Ele desequilibra. Ele faz o mediano render. Impulsiona quem está ao seu lado. O que não faltam são exemplos de estrelas solitárias que ajudaram coadjuvantes a brilhar Brasil e mundo afora. Mas em termos das negociações que estamos vendo no futebol brasileiro, não há jogador de tal calibre, do tipo que carrega um time nas costas apoiado apenas por seu talento.

No futebol atual, com todas as circunstâncias que o compõem (e aí entram fatores físicos, técnicos, táticos, médicos e até financeiros), para uma engrenagem funcionar perfeitamente é preciso que cada pequena peça cumpra bem seu papel. O Corinthians, campeão brasileiro, mostrou isso. Não tinha craques (e quem os tem?), mas tinha conjunto. Se não foi espetacular, conseguiu ser regular. De herança, 2017 deixou para 2018 uma redefinição conceitual: classificar um time como brilhante, hoje, não é necessariamente dizer que ele joga um futebol empolgante baseado puramente em técnica e habilidade. É muito mais pela eficiência com que ele se apresenta.

Como no senso comum o que vale, no fim da contas, são os títulos – tese difícil de apreender para alguém que, como eu, prefere a fantasia da Seleção Brasileira de 1982 ao pragmatismo da de 1994 – não dá para pensar de outra forma. O que define um bom trabalho de formação de time são as conquistas que ele coleciona em um ano, bem naquele estilo de relatório de engenheiro de obra pronta. Contrata bem quem forma um grupo vencedor, não necessariamente com os melhores jogadores.

São os troféus que determinam o custo/benefício de uma equipe. Gastou os tubos, mas levou para sua galeria taças de expressão? Ótimo trabalho. Buscou no mercado jogadores cobiçados, a preço de ouro, mas foi no máximo vice-campeão? Fracasso geral.

Nessa ótica, se um time se paga ao fim do ano, se ele devolve para os cofres do clube o investimento feito nele, a missão foi cumprida. Se os títulos e as premiações atreladas a eles não vêm, a equipe não se paga e ainda entra numa espiral de resultados ruins/salários atrasados/ambiente conturbado. Aí, você pode ter certeza: a alegria da chegada de um jogador contratado a peso de ouro será proporcional à da despedida dele ao fim da temporada.

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